UnB - Instituto de Geociências - Produção Científica
RESUMOS EXPANDIDOS / EXPANDED ABSTRACTS
EVOLUÇÃO DOS CINTURÕES GRANULÍTICOS DA PROVÍNCIA ESTRUTURAL TOCANTINS, GOIÁS
Manfredo Winge - GEO-IG/UnB
José Caruso Moresco Danni - GMP-IG/UnB
In: SNET- Simpósio Nacional de Estudos Tectônicos,5, 1995, Gramado/RS, SBG.Resumos Expandidos:109-111.
RESUMO
Os terrenos granulíticos (TG) da Província Estrutural Tocantins (Almeida et al.,1981) estão inseridos em dois blocos (~300 km x 80 a 100 km) de embasamento granito-gnáissico integrantes do Maciço Mediano de Goiás. Estes blocos apresentam grandes extensões com coberturas metassedimentares, sendo limitados e cortados por sistemas sub-ortogonais de falhas transcorrentes-transferentes (Winge,1995); acompanham os lineamentos regionais em NE-SW, ao norte, e em NW-SE, ao sul, sendo separados por importante sistema de falhas transcorrentes e pela virgação estrutural conhecida como a Mega-inflexão dos Pireneus (Araújo Filho, 1980) orientada em W-E. Anomalias gravimétricas (Haralyi & Hasui,1981; Assumpção et al,1985; Marangoni,1994) apresentam padrão indicativo de sutura com espessamento crustal a leste destes blocos.
Os TG do bloco setentrional, são representados pelos complexos Cana Brava (CCB), Niquelândia (CN) e Barro Alto (CBA) que congregam: (1) duas suítes magmáticas, compreendendo: a) suíte tholeítica máfico-ultramáfica acamadada (dunito-harzburgito-websterito-norito), e b) suite derivada de magmatismo híbrido envolvendo progressiva anatexia crustal, representada por stocks de gabro-dioritos diferenciados até granitos, intrusivos na suíte acamadada, com frequentes de fácies brechas contendo xenólitos de (2) rochas diversas como leptinitos, granada-quartzitos, rochas cálcio-silicatadas, gnaisses.. No CBA estas rochas ocorrem também como mega-xenólitos (km) e roof pendants de embasamento siálico milonitizado, contendo restos de rochas supracrustais.
No bloco meridional, os TG são representados pelo Complexo Anápolis-Itauçu (CAI) constituído, predominantemente, de gnaisses, leptinitos, charnockitos a enderbitos associados a granulitos máficos, representando crosta sializada, em parte arqueana, com restos de supracrustais como rochas cálcio-silicatadas e mármores. Neste conjunto, destacam-se stocks máfico-ultramáficos granulitizados e que são correlacionados com as sequências da suite acamadada dos complexos do bloco setentrional. No CAI ocorrem inserções de terrenos gnáissico-anfibolíticos-migmatíticos com rochas meta-plutônicas de várias gerações, inclusive pós-granulíticas, indicando poli-metamorfismo do complexo.
As intrusões máfico-ultramáficas granulitizadas do bloco setentrional distinguem-se das do bloco meridional por apresentarem: (1) dimensões avantajadas, (2) disposição linearizada junto à sutura crustal, (3) aloctonia significativa com relação às encaixantes e (4) associação, sempre em contatos tectônicos, com duas sequências anfibolitizadas: (a) troctolitos, anortositos e gabros (e.g. Serra dos Borges e Serra da Malacacheta), e (b) sequências vulcano-sedimentares.
Tais diferenças são atribuídas a regimes tectônicos distintos durante o rifteamento crustal: mais localizado e mais severo no bloco setentrional, proporcionando maior afluxo magmático na base de crosta afinada por extensão litosférica e que evoluiu até a formação de crosta oceânica (base das sequências vulcano-sedimentares Palmeirópolis, Indaianópolis e Juscelândia), enquanto que, ao sul, o CAI teria tido desenvolvimento eminentemente intra-siálico. Esta tectônica teria ocorrido no fim do Paleoproterozóico (idades U/Pb em zircão em rochas do magmatismo híbrido entre 1,56 e 1,73 Ba. datadas por Ferreira Filho et al,1994 e Suita et al, 1994), durante eventos extensionais que originaram a formação de rift (Araí/Espinhaço), retomado até o Mesoproterozóico (1,5 Ba.), e que propiciou a formação de depósitos clásticos, geralmente maduros, a pelito-carbonáticos e carbonáticos, com vulcanismo basal localizado (Grupos Araí, Serra da Mesa e Araxá).
As sequências troctolito-gabro-anortosíticas, ao norte, mostram marcantes diferenças com relação às fácies máfico-ultramáficas granulitizadas que, estruturalmente, lhes estão abaixo:
(1) nos trends geoquímicos de fracionamento (e.g. padrões ETR e Fe); (2) metamorfismo (Pfluido e gradiente geotérmico). Estes fatos, além dos contatos sistematicamente tectonizados e a inexistência dos stocks intrusivos, indicam que essas sequências não corresponderam ao topo de intrusões do tipo Bushveld, cuja base seria representada pela suite máfico-ultramáfica granulitizada como proposto por vários autores (e.g. Girardi et al,1986). As datações, atribuindo idade semelhante à dos stocks granulitizados, e o seu quimismo, levam a modelar essas sequências troctolito-anortosíticas como decorrentes de uma fase intrusiva (magma alto Al, parcialmente fracionado e com alta fO2), lateralmente deslocada com relação às intrusões dos complexos máfico-ultramáficos granulitizados e antecedendo ao estágio final de rupturacontinental, quando teriam se formado as bacias ensimáticas das sequências vulcano-sedimentares, em um modelo geotectônico, provavelmente, análogo ao que envolveu o rifteamento do Atlântico Norte (Mutter et al,1988; Zehnder et al.,1990).
Fácies transicionais entre olivina-gabros coroníticos e metabasaltos de fundo oceânico (Serra da Figueira, CBA), apresentam coroas reacionais cuja termobarometria indica colocação a ~10 km (~4kbar) de profundidade e cristalização a 6000C, sendo, por isso, interpretadas como decorrentes de magmatismo recorrente de fundo oceânico, similar ao das sequências troctolito-gabroanortosíticas.
As características das tramas ígneo-metamórficas das rochas granulíticas evidenciaram que a granulitização ocorreu em regime tectônico ativo com processos iterativos de blastese e de cominuição granular que afetou, diferencialmente, o conjunto, permanecendo faixas ou bandas, de variadas espessuras, com estruturas/texturas, em parte reliquiares, em parte granoblásticas, entre bandas variavelmente deformadas e metamorfizadas.
Os dados texturais, com plagioclásio e opx ígneos preservados, sem a formação de granada magnesiana e cpx sódico, bem como as determinações termobarométricas, indicam auge do metamorfismo granulítico entre 7 e 8,5 kbar e 700 a 9000C, ou seja, em condições da fácies granulito de baixa pressão, a profundidades inferiores a 30 km. A trajetória das condições PT apresenta provável sentido horário, sem ter desenvolvido paragêneses de alta pressão, típicas em lapa de crosta duplicada. A granulitizaçào ocorreu sob regime térmico elevado e em crosta de pequena espessura (~ 25 km).
O modêlo geodinâmico da granulitização, compatível com o quadro geológico e estas condições de PT, é o de estiramento litosférico, ainda na fase rift e sucedendo a fase de intrusão das duas suites granulitizadas. No entanto, esta hipótese contraria os dados obtidos por Ferreira Filho et. al. (1994) e por Suíta et al. (1994) que atribuiram idades brasilianas (770 a 820Ma) ao metamorfismo granulítico.
Estas datações implicam em uma grande separação temporal (>800Ma) e, naturalmente, uma separação causal, entre rifteamento e granulitização. Esta teria ocorrido ao tempo em que se estruturava sistema de arcos de ilha em crosta oceânica (Pimentel & Fuck,1992), a oeste dos TG. A limitação imposta pelas idades U/Pb em zircões de rochas dos complexos e a adequação aos dados termobarométricos obtidos, impõe que a granulitização foi relacionada com importante evento extensional com forte aquecimento mantélico que afetou as suites máfico-ultramáfica e híbrida e suas encaixantes posicionadas na base de crosta siálica afinada (profundidades entre 15 a 25km) a transicional, em ambiente, talvez, de plataforma continental.
A mudança para tectônica compressional, fase da principal colisão continental brasiliana, teria ocorrida, provavelmente, há cerca de 650 Ma, ou seja 150 Ma após a granulitização (Winge,1995), quando ocorreu, também, o acoplamento de sistemas de arcos de ilha "Porangatu, ao norte, e "Arenópolis", ao sul, acentuando a flexura da borda continental e reativando as antigas falhas lístricas, agora como falhas de empurrão. A forte vergência deste diastrofismo foi condicionada em blocos transferentes, aproveitando antigas falhas profundas de natureza transcorrente, com escapes laterais e frontais na supraestrutura, originando inflexões estruturais (oroclinais) e extensas dobras em bainha.
A elevação estrutural das áreas granulitizadas deu-se por falhamentos inversos em duas etapas principais retratadas por paragêneses retrometamórficas: (1) na fácies anfibolito alto a médio, coincidente com as paragêneses tipomorfas das sequências troctolito-gabro-anortosíticas e vulcano-sedimentares do norte e de anorotsitos, gabros, dioritos e granitos inseridos no CAI, ao sul; (2) na fácies epidoto-anfibolito a xisto verde, típica das sequências metassedimentares proterozóicas.
Esta última fácies retrata a colocação alóctone final dos complexos granulitizados por obducção da infracrosta utilizando os planos tectônicos antigos durante a máxima compressão orogenética.
A formação de pseudo-taquilitos nos granulitos, posicionados em nível crustal elástico, ocorreu durante os movimentos orogenéticos tardios.
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