A Utilização de Coleópteros (besouros) na relação interpessoal em saídas de campo de Geologia 

Magno Augusto Machado 

    Durante a saída de campo de Sedimentologia do Instituto de Geociências da UnB, no ano de 1995, em São João D'Aliança - GO, eu e meus colegas da graduação presenciamos um fenômeno curioso: um enxame de besouros do esterco (também conhecidos por cascudos ou simplesmente 'rola-bostas') tomou conta da cidade. Era mês de Outubro e chovia muito. Os besouros apareciam todas as noites e infernizavam a vida dos moradores pois juntavam-se aos quilos nas varandas das casas, ficavam rodeando as luminárias das ruas, ao ponto dos moradores mais sem paciência começarem a quebrar as lâmpadas dos postes para que não se amontoasse besouros na frente de suas casas. 
    Lembro-me da dona do hotel onde estávamos alojados limpando a varanda com rodo, empurrando os insetos para fora, como se fossem uma enxurrada de água, com a diferença que os animais faziam um barulhinho angustiante de pequenas patas estalando. Quando deixávamos alguma coisa do lado de fora dos quartos, como as botas e tênis molhados, no outro dia a horda de besouros tinha arrastado os calçados para longe. Sem falar nas inúmeras vezes que esquecíamos de sacudir as botas e as colocávamos nos pés, fazendo um irremediável purê de besouro.
    Rapidamente os 'espíritos-de-porco' da turma (Eloy, Luciano 'Goiano' e Cazuza) encontraram uma maneira de promover uma maior integração dos insetos com os companheiros geológicos, ou melhor, com uma companheira de turma que os mesmo escolheram para ser a vítima de uma infame brincadeira. 
    Depois de uma noitada de sinuca e muita cerveja na cabeça os referidos personagens chegaram no hotel, viram os quilos e quilos de besouros 'depositando-se' na varanda do hotel e começaram a arquitetar um plano audacioso: Naquela mesma noite eles iriam jogar uns bons quilos de besouros dentro do quarto da menina que mais estava incomodada com a presença dos insetos: Andréa Karla. 
    Primeiro eles fizeram grandes cones de jornal e encheram dois ou três com os besouros (apanhavam os insetos como quem apanha areia com uma pá); depois pularam a janela de um dos quartos que dava para a parte dos fundos do hotel, que por sinal tinha o piso bem mais baixo fazendo com que eles precisassem de apoio de alguém para poder subir de volta ao quarto, na hora da fuga. Foram rastejando até a janela do quarto da vítima, que dormia com outra colega, a Luciana, e que não tinha nada a ver com a estória; abriram vagarosamente a janela e começaram a despejar grande quantidade de besouros dentro do quarto (tudo no maior silêncio). Quando terminaram, fecharam vagarosamente a janela e voltaram rastejando para a janela do 'quarto de apoio' da operação.
    Entretanto não demorou muito para que os gritos de terror de Andréa Karla ecoassem por todo o hotel, acordando todo mundo e fazendo com que nossos amigos pulhas quase fossem descobertos pois começaram a rir e riram tanto que ficaram sem forças para escalar a janela de volta para o quarto (a dona do hotel abriu sua janela e ainda viu as perninhas do Cazuza balançado para fora da janela, antes do mesmo conseguir voltar para o quarto. 
    Corremos para acudir a pobre vítima e a cena que vimos era dantesca: o chão do quarto da vítima se movia, de tantos besouros. Suas malas e suas roupas estavam impregnadas com os insetos e ela estava petrificada, em pé feito uma estátua com a camisola cheia de besouros pendurados, derretendo-se em lágrimas. 
    Juro que minha vontade era de rir mas o pranto e o ar de desespero daquela garota me comoveram: Nós que estávamos de espectadores da infâmia ajudamos a limpar seu quarto e suas roupas dos besouros e engrossamos o coro dos indignados com tamanha covardia, apesar de estarmos morrendo de rir por dentro.
    No dia seguinte Andréa Karla estava tão enfurecida que soltou os cachorros em cima de todos que encontrava pela frente, chamando os autores da molecagem de "marginais" e que deveriam estar presos. Logo imaginou quem deveria ter sido o autor, (ou os autores) da façanha. Cobrou providências enérgicas dos professores que estavam orientando aquele trabalho de campo. 
    Antes de sairmos para o campo estávamos eu, Eloy, Rufino, Cazuza, Global e 'Goiano' dentro da Kombi e então veio a Prof.a. Edi e perguntou quem fora o autor da ação da noite anterior. De antemão a Andréa Karla tinha citado o nome dos prováveis envolvidos, o que fez com que a Prof.a. Edi, que nos acompanharia no campo naquele dia ficasse incumbida da tarefa de repreender os meliantes.
    Primeiro ela ralhou severamente com os rapazes, deixando todos constrangidos mas foi com surpresa que vimos um lampejo de riso em seu semblante, o que nos fez cair na gargalhada. A Prof.a. Edi teve que fazer força para manter a cara de seriedade. Imagino eu que ela deve ter achado interessante a forma com que meus parceiros de grupo se utilizaram dos insetos para 'animar' aquele trabalho de campo.


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