GREGEO – HUMOR

 Magno Augusto Machado
mag-in@mailbr.com.br

A SAGA DA SEXTA

 

Caros amigos

 

Segue agora o relato do ocorrido comigo em 02 de maio de 2003, numa daquelas sextas-feiras que tem tudo para serem perfeitas, mas acabam se tornando o “dia nacional dos desencontros”.

Primeiramente vamos ao capítulo “Localização e Acesso”.

Estava eu a norte de Paracatu-MG, fazendo um trabalho de campo sozinho, entrando em cada pirambeira, daquelas que você pensa: "se acontece alguma coisa comigo aqui, já era!”

Dentro deste contexto, tinha passado a semana inteira sem tomar uma cervejinha sequer. Chegava do campo e ia dormir.

Então resolvi juntar o útil ao agradável: soube que alguns amigos do grupo de espeleologia (Gregeo-UnB) estavam acampando no vale do Rio Areia, passando o feriado prolongado de 1º de Maio, e o local onde eu estava fazendo o trabalho de campo ficava a uns 40 km de lá. Então por que não ir lá encontrá-los e tomar aquela cerveja gelada naquele conhecido boteco que fica próximo do acampamento? Perfeito!

Cheguei no acampamento por volta das 17h00, feliz da vida, chamando por todos, mas percebi que não tinha ninguém. Certamente deveriam estar chegando...

Como estava claro ainda, fui buscar a lenha para a fogueira. Acendi o fogo e fui tomar banho na cachoeirinha. Como só estava com a roupa do corpo, tomei banho à paisana mesmo.

Limpinho e refrescado, aguardei pelo retorno dos amigos, que eu esperava não tardassem muito porque eu ainda pretendia retornar a Paracatu naquele dia. Era só tomar uma cervejinha e pé na estrada.

O tempo foi passando...passando, escureceu, e maledicências começam a passar pela minha cabeça:

-         “Aqueles infelizes devem ter se adiantado e ido direto para o boteco, sem passar pelo acampamento.”

Um sentimento de raiva toma conta de minh´alma. Veja só: eu saí do meu caminho, vim aqui na maior consideração para confraternizar com meus “supostos amigos” e eles estão lá (suponho)...tomando aquela cervejinha gelada... E SEM MIM! Ah... isso não se faz. Tomado pelo rancor catei uma garrafa de velho barreiro sem tampa (e aguada) que sobrara dos batizados da noite anterior e tomei uns quatro dedos de uma só vez.

Enquanto conjeturava comigo mesmo, chega o Sr. Lourival, o dono da fazenda. Ele me disse que havia falado com o pessoal pela manhã, quando estes passaram pela sua casa, indo para a caverna. Imaginei: se eles foram por lá, necessariamente deveriam passar pelo acampamento antes de ir para o boteco. Então fiquei aliviado. Menos mal: a galera vai ter que passar por aqui. Devem ter saído mais tarde da caverna e já estão chegando para tomar aquela cerveja gelada comigo. Ora, eles são meus amigos! Não iriam me deixar na mão.

Apesar do coração aquecido pelo sentimento de que os amigos não me abandonariam, a cabeça começara a ficar aquecida pelo velho barreiro e as condições ruins do trecho de subida do vale, aliado ao adiantado da hora, me fariam pernoitar por ali mesmo.

Pensei comigo, já levemente alterado: certo, já que o que não tem remédio, remediado está, vou curtir a noite no acampamento com o pessoal e amanhã cedo eu vou embora. Tinha uma passagem marcada para BsB às 9h00 do sábado.

As horas foram passando, e minha veia de arrumadeira, inquieta com a desordem do acampamento, pôs-me a organizar tudo e começar a fazer o jantar. Não tem jeito...uma vez arrumadeira, sempre arrumadeira. Arrumei tudo, lavei a louça no rio, fiz um suco e preparei uma macarronada esperta para o pessoal. Quando tudo estava pronto, pensei: como agora ou espero pelos outros? Resolvi esperar. Fuçando no acampamento achei uma garrafinha de pinga com arnica que, apesar de azeda, estava mil vezes melhor do que o velho barreiro aguado. Fiquei apreciando-a.

Deu 21h00 e nada das pessoas aparecerem. A raiva toma conta do meu coração novamente: “Aqueles tratantes... estão pensando o quê? Que eu só sirvo para arrumadeira, para fazer comida e arrumar a bagunça deles. E a minha cervejinha? Como é que pode? Uma hora destas e nada? Ah não! Se eles estão pensando que isto vai ficar assim, não vai mesmo! Eu aposto que aqueles cafajestes estão enchendo a lata e eu aqui, esperando eles para servir o jantar!”

Novamente indignado e cada vez mais embriagado, pus-me a comer a macarronada regada a goles de arnica. Ao acabar, deitei nas lonas esticadas, acendi um cigarro de palha e fui contemplar a noite. Em pouco tempo eu contei 7 aviões, 4 satélites (um inclusive que passou baixinho e numa velocidade inacreditável) e uns 5 ou  6 meteoritos queimando ao entrar na atmosfera terrestre. A essa altura o meu único pedido é que meus amigos chegassem para que eu pudesse soltar os cachorros em cima deles.

Dali a pouco passa o Sr. Lourival, de volta de um jogo de cartas na Faz. do Sr. Odilon, que lhe dissera que os rapazes não tinham passado pela sede da fazenda naquele dia. Isso nos deixou preocupados. O Sr. Lourival foi embora e pediu para avisá-lo se alguma coisa acontecesse, mas antes me perguntou se eu iria ficar ali sozinho à mercê do ataque de uma onça que havia deixado rastros por lá naquela semana. Eu respondi que se a onça aparecesse eu iria dar R$10,00 para ela ir buscar umas latinhas de cerveja para mim.

Como já passava das 23h00 resolvi pegar mais lenha para aumentar a claridade do fogo e ajudar o pessoal a achar o caminho do acampamento, já que naquela hora, minha idéia é de que estivessem perdidos no mato.

Fiquei tomando conta do fogo e cochilando à prestação até umas 3h00 da manhã de sábado, quando tomado de uma coragem ou meio que sonhando (sei lá) fui dar uma caminhada no mato gritando pela galera (tinha levado uma lanterninha que já estava com a pilha fraca).

Fui até próximo de uma das cavernas da localidade, chamando por eles até que me veio uma lembrança que me deixou ainda mais preocupado. Eles me disseram que tentariam fazer a travessia da gruta do Rio Areia para a gruta do Xico Bento (ambas as grutas somam mais de 4 km de galerias subterrâneas). E se alguém se machucou? E se eles estivessem em alguma enrascada dentro da caverna, ou ainda se tiverem se perdido lá dentro?  Não é possível demorarem tanto tempo para fazer esta travessia, que demoraria no máximo umas 6 horas.

Então voltei para a fogueira (preocupadão) e lá fiquei até toda lenha acabar próximo das 5h00. Quando o frio apertou para valer entrei numa barraca, mas não consegui dormir. Umas 6h00 resolvi levantar e ir embora. Deixei o Sr. Lourival de aviso e pretendia voltar lá no sábado, com os bombeiros, se ninguém tivesse dado notícias.

Felizmente não foi preciso: deixei um recado pendurado numa árvore e assim que as pessoas chegaram me telefonaram para dar conta do que tinha ocorrido. Disseram-me que estava tudo bem e que acabaram por passar a noite numa das dolinas da caverna depois de constatar que não seria possível fazer toda a travessia da maneira esperada, isso por causa do ritmo mais lento de uma das integrantes do grupo. Decidiram que seria muito arriscado procurar o caminho de volta para o acampamento por cima do morro, com vegetação densa e sem os pontos de referência que a luz do dia permite ver. Menos mal.

Desse episódio, além de milhares de picadas de carrapato que eu ganhei, tirei algumas conclusões:

 

1)     A LEI DE MURPHY TAMBÉM SE APLICA ÀS SEXTAS-FEIRAS;

2)     QUEM GOSTA DE ARRUMAÇÃO SE FERRA QUANDO ACAMPA;

3)     PINGA AGUADA É A TROMBETA DO APOCALIPSE NO DIA SEGUINTE;

4)     QUALQUER COISA É ISSO MESMO!

 

E tenho dito!

 

Geól. Magno A. Machado (Mag-in)

 

Em tempo: alguns dias depois consegui tomar a tão sonhada cerveja gelada! Com a galera, é claro...


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