UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA /INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

TESE DE DOUTORADO No 34

ANDRÉ DANDERFER FILHO

GEOLOGIA SEDIMENTAR E EVOLUÇÃO TECTÔNICA DO ESPINHAÇO SETENTRIONAL, ESTADO DA BAHIA

Palavras-chave: geologia sedimentar, tectônica, espinhaço, estratigrafia, sedimentologia, geologia estrutural, proterozóico

DATA DA DEFESA:31/03/2000
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GEOLOGIA REGIONAL
ORIENTADOR: PROF. MARCEL AUGUSTE DARDENNE (UnB)
EXAMINADORES:PROF. CARLOS JOSÉ SOUZA DE ALVARENGA (UnB)
PROF. JOSÉ ELÓI GUIMARÃES CAMPOS (UnB)
PROF. CARLOS SCHOBBENHAUS FILHO (DNPM)
PROF. ALEXANDRE UHLEIN (UFMG)

RESUMO
O empilhamento estratigráfico da bacia Espinhaço, ocorrente na porção centro-oriental do escudo Atlântico, encontra-se materializado em dois grandes domínios fisiográficos: a serra do Espinhaço e a chapada Diamantina; a evolução sedimentar dessa bacia compreende um intervalo de tempo que se estende do Estateriano ao Toniano. Nesta tese foram investigados os aspectos vinculados com a geologia sedimentar e a evolução tectônica do prolongamento setentrional da serra do Espinhaço, situado entre os paralelos 11°45’ e 14°00’S, assim como de suas relações geológicas com outros segmentos dessa bacia.
A realização desta pesquisa no Espinhaço setentrional foi motivada pelo fato de existirem diversos problemas em aberto acerca de seu desenvolvimento, entre os quais citam-se o conhecimento deficiente de seu arcabouço tectonoestratigráfico, a inexistência de estudos sedimentológicos e estratigráficos na área, o desconhecimento dos eventos de formação de bacia e dos processos de inversão tectônica que levaram à sua conformação como também a falta de uma análise de bacias multidisciplinar e mais abrangente. Esses pontos foram abordados e resolvidos em grande parte neste trabalho mediante o emprego da ‘Estratigrafia de Sintemas’, em conjunto com os métodos convencionais da geologia sedimentar e da geologia estrutural; a pesquisa envolveu reavaliação de dados já publicados, atividades de campo, elaboração de um mapa em escala 1/250.000 e de diversas seções geológicas, assim como estudos estratigráficos e estruturais e discussão e proposição de modelos geológicos.
As investigações de geologia sedimentar possibilitaram organizar e reconstruir o arcabouço estratigráfico do Espinhaço setentrional de forma sistemática, por meio do reconhecimento e caracterização de oito sintemas, os quais eqüivalem a unidades limitadas por discordâncias ou descontinuidades estratigráficas de extensão regional na bacia. São eles: Algodão, São Simão, Sapiranga, Pajeú e Bom Retiro, definindo o intervalo inferior, São Marcos e Sítio Novo, remontando o intervalo intermediário, e Santo Onofre, finalizando o empilhamento do Espinhaço; para cada intervalo foram avaliados os processos sedimentares, os sistemas deposicionais, o estilo de preenchimento e o sítio tectônico que os acolheu, calcado principalmente na caracterização e nas variações laterais e verticais das associações de fácies que os materializam. Os sintemas são entendidos aqui como ciclos estratigráficos de primeira ordem, com duração de tempo a depender do mecanismo de subsidência tectônica envolvido na geração do espaço bacinal que acomodou a unidade. Os sintemas Bom Retiro e São Marcos correspondem ao preenchimento de duas sinéclises de interior continental, enquanto que as assinaturas sedimentares dos sintemas Pajeú, Sítio Novo e Santo Onofre são compatíveis com o desenvolvimento de bacias do tipo rifte, as duas primeiras geradas por tectônica distensiva e a última unidade mediante uma tectônica transcorrente; os sintemas Algodão e Sapiranga são interpretados como o preenchimento de duas bacias do tipo rifte-sinéclise, ao passo que o São Simão, apenas relacionado com uma tafrogênese sem formação de uma bacia sedimentar associada.
Com base no contexto descrito, o autor conclui que as denominações ‘Sg. Espinhaço’ e ‘ciclo Espinhaço’ deveriam ser abandonadas ou, no mínimo, profundamente revisadas, por suas definições originais não suportarem os resultados dessa análise. Em vez deles, sugere-se o uso apenas do termo ‘bacia Espinhaço’ no sentido de que ela é policíclica, constituída de diversos ciclos estratigráficos, multitemporal, preenchida em determinados períodos de sua história, e poliistórica, onde cada ciclo foi conformado por um processo geodinâmico específico; uma estimativa inicial revela que esse registro é pontuado no tempo e que as discordâncias consomem quase dois terços do período envolvido no seu desenvolvimento.
Sob o enfoque da geologia estrutural, foi possível visualizar um novo modelo cinemático para explicar o arcabouço deformado da área investigada, em essência calcado no conceito de inversão tectônica; as relações entre geometria pré-inversão e de inversão da bacia são evidentes e traduzem um caso típico de herança tectônica. Nesse modelo, os blocos crustais que foram nucleados em episódios de formação de bacia anteriores tiveram papel fundamental ao deformar a cobertura; de oeste para leste são reconhecidos os blocos de Guanambi-Correntina, de Ibotirama, de Boquira e do Paramirim, o limite entre eles feito através das falhas do Muquém, de Santo Onofre e do Carrapato, respectivamente. Em traços gerais verifica-se que as estruturas pré-inversão, ocasionaram a extrusão simples (vergência para oeste) ou bipolar (dupla vergência, para leste e oeste) da cobertura no interior de bacias com morfologia em hemigrábens assim como deformação penetrativa e metamorfismo associados em graus variáveis; a intensidade e os efeitos decorrentes da inversão diminuem progressivamente em direção a norte. Ainda nesse modelo supõem-se que os blocos se deslocaram ao longo de uma falha intracrustal, sendo alçados de forma passiva no interior da bacia sob inversão. Não há evidências de campo, por exemplo, que suportem o bloco do Paramirim cavalgando as cobertura do Espinhaço no sentido oeste, como suposto em outros modelos; em vez disso ela que é acomodada sobre o bloco, isto é, retroempurrada, ao longo de um descolamento situado na interface com rochas cristalinas. Os dados radiométricos existentes permitem posicionar a deformação descrita no final do Neoproterozóico e relacionada com o evento tectono-metamórfico Brasiliano; não há indícios da ocorrência de um evento de inversão positiva anterior da bacia Espinhaço.
Ao final desta tese, o autor enfatiza que os modelos de blocos cratônicos existentes na literatura devem ser reavaliados para explicar melhor a evolução de bacias proterozóicas no contexto de escudo Atlântico. A princípio o cráton do São Francisco, visto em sentido amplo, pode se mantido, todavia seus limites devem ser modificados a fim de contemplar as informações novas oriundas desta tese; descarta-se o desenvolvimento de uma faixa móvel atravessando esse segmento e dividindo-o em dois crátons. Por outro lado, o segmento cratônico em discussão pode constituir uma unidade continental bem mais ampla, no interior da qual encontrava-se a bacia Espinhaço; processos inversão tectônica originariam o corredores de inversão dessa bacia, estruturado ao longo de zonas de fraqueza, dos quais o corredor de deformação do Paramirim seria uma delas.


  
 
UNIVERSITY OF BRASILIA / INSTITUTE OF GEOSCIENCES

PhD THESIS No 34

ANDRÉ DANDERFER FILHO

SEDIMENTARY GEOLOGY AND TECTONIC EVOLUTION OF THE SETENTRIONAL ESPINHAÇO RANGE, BAHIA STATE

KeyWords: Espinhaço Basin, Espinhaço Supergroup, Proterozoic, Tectonics, Stratigraphy, São Francisco Craton

DATE OF ORAL PRESENTATION:31/03/2000
TOPIC OF THE THESIS:REGIONAL GEOLOGY
SUPERVISOR:PROF. MARCEL AUGUSTE DARDENNE (UnB)
COMMITTEE MEMBERS:PROF. CARLOS JOSÉ SOUZA DE ALVARENGA (UnB)
PROF. JOSÉ ELÓI GUIMARÃES CAMPOS (UnB)
PROF. CARLOS SCHOBBENHAUS FILHO (DNPM)
PROF. ALEXANDRE UHLEIN (UFMG)

ABSTRACT
The stratigraphic sequence of the Espinhaço basin, located in the center-oriental portion of the Atlantic shield, is represented in two great fisiographic domains: the Espinhaço Range and the Diamantina Plateau. The sedimentary evolution of this basin dates from the Staterian to the Tonian. In this thesis the sedimentary geology and the tectonic evolution of the northern prolongation of the Espinhaço Range, located between the 11°45 ' and 14°00'S parallels, were investigated as well as their geological relations with other segments of that basin.
This research was motivated by several problems regarding the evolution of the Northern Espinhaço Range, some of which are: the insufficient knowledge of its tectonostratigraphic framework, the absence of sedimentologic and stratigraphic studies in the area, the lack of knowledge on the basin formation events and on the inversion tectonic processes that lead to its configuration and the absence of an thorough and multidisciplinary basin analysis. These aspects were approached and partly solved in this work by using ‘Synthem Stratigraphy’ concepts, along with sedimentary and structural geology conventional methods. The research involved a reanalysis of published data, field activities, the elaboration of a map in a 1:250000 scale and of several geologic sections as well as stratigraphic and structural studies, besides discussion and proposition of geological models. 
The sedimentary geology investigations enabled the organization and rebuilding of the stratigraphic framework pertaining the Northern Espinhaço Range in a systematic way through the recognition and characterization of eight synthems that are equivalent to units bounded by unconformity, or stratigraphic discontinuities with regional extension over the basin. These synthems are: Algodão, São Simão, Sapiranga, Pajeú e Bom Retiro (lower interval), São Marcos and Sítio Novo (intermediate interval) and Santo Onofre (upper interval). For each interval the sedimentary processes, the depositional systems, the filling style of the basin and the tectonic settings were evaluated, based mainly on the facies association characteristics and their lateral/vertical changes. The synthems are considered here as the first order stratigraphic cycles, with a time duration that depends on the type of tectonic subsidence mechanisms (mechanic or passive) involved in the generation of the basin. The Bom Retiro and São Marcos synthems correspond to intracontinental sag basins. The Pajeú, Sítio Novo and Santo Onofre synthems are compatible to the evolution of rift basins; the first two generated by extensional tectonics, and the last one by transcurrent events. The Algodão and Sapiranga synthems are interpreted as rift-sag basins. Finally, the São Simão Synthem is related only to a taphrogenesis, without the formation of an associated sedimentary basin. 
Based on the described context, the author concludes that the ‘Espinhaço Supergroup’ and ‘Espinhaço Cycle’ denominations should be abandoned or, at least, deeply revised. Instead, the author suggests the use of the term ‘Espinhaço Basin’, considering that this basin is polycyclic, multi-temporal and polyhistoric. As an initial estimate the author considers that the unconformities represent almost two thirds of the period of time involved in the basin evolution, implying that the studied geological records are significantly discontinuous in time. 
Under the structural geology approach, it was possible to visualize a new cinematic model to explain the deformed framework of the investigated area based on inversion tectonics concepts. The relations between pre-inversion and post-inversion geometry of the basin are evident and represent a typical case of tectonic inheritance. In this model, the crustal blocks nucleated in previous basin formation episodes had a fundamental role in deforming the sedimentary cover. From west for east, four blocks are recognized: the Guanambi-Correntina, Ibotirama, Boquira and Paramirim Blocks, with their limits being the Muquém, Santo Onofre and Carrapato faults, respectively. The inversion of the original structures of the basin favored the unipolar extrusion to the west of the sedimentary cover in the Ibotirama block, or bipolar to the east and west in the Boquira block, as well as the penetrative deformation and the associated metamorphism with variable intensity. Also in this model, the author proposes that the blocks moved along an intracrustal fault, being raised in a passive way inside the basin under inversion. There is no field evidence to support that the Paramirim block overthrusted the Espinhaço cover westward, as supported by other models. Instead, the Espinhaço cover, which settled over the Paramirim block, was backthrusted against the block along a detachment situated on the contact. The radiometric data allow the positioning of the described deformation in the end of the Neoproterozoic age and relate it with the Brazilian tectonometamorphic event. There is no evidence of any positive inversion event before the generation of the Espinhaço Basin. 
In the end of this thesis, the author emphasizes that the cratonic block models which exist in the literature should be reevaluated in order to better explain the evolution of the Proterozoic basins in the Atlantic Shield context. In a more general way, the São Francisco Craton can be maintained. Yet it’s limits should be modified in a way as to contemplate the new information contained in this study.