4.4.1. Principais estruturas D3.

A foliação associada com a fase D3 tem atitude média 223/66 , tendendo sempre à subverticalidade ( figura 4.31a ). Foi desenvolvida sob regime de baixo grau metamórfico. Nas zonas de maior deformação, apresenta-se como uma foliação S-C, onde os ângulos entre as superfícies S e C são pequenos, aumentando à medida que diminui a intensidade da deformação (figuras 4.32 a , b, c e d ). Como consequência, geraram-se lentes assimétricas com tamanhos variados, milimétricos a métricos, onde a foliação S2 acha-se mais ou menos preservada, ou totalmente transposta. Neste caso, no plano XZ ( seções paralelas à Le3 e perpendiculares à S3 ) só se observa a foliação S3 acompanhada de fitas de quartzo policristalino assimétricas, enquanto que no plano YZ (seções perpendiculares à Le3 e S3 ) ocorrem dobras isoclinais, em cujas charneiras S2 está preservada.

Nos ortoquartzitos, S3 apresenta-se como um bandamento milonítico, marcado por bandas de ultramilonitos que lembram chert. Nos granitos desenvolve zonas miloníticas (figuras 4.33 e 4.34) e foliações S-C.

S3 é acompanhada de uma lineação de estiramento subhorizontal Le3 (figura 4.35), paralela à uma lineação mineral Lm3, ambas mostrando caimento 295/16 na zona de cisalhamento da Bocaina, e 348/08 em zonas de cisalhamento no interior do Grupo Araxá (figuras 4.31 b e c). Os diversos indicadores cinemáticos associados em sua maioria mostram movimentos sinistrais (figuras 4.32, 4.33 e 4.34).

As dobras geradas durante D3 podem ser de dois tipos. As mais abundantes têm linhas de charneiras subhorizontais, com caimento 299/16 , e superfícies axiais subverticais paralelas à S3 (figura 4.31 d e e). Mostram uma morfologia em Z olhando-se para NW e vergência para NE (figura 4.36), e morfologia em S no plano horizontal. Desenvolvem-se desde a escala macroscópica até a microscópica (figuras 4.37 a e b e 4.38 a e b) e suas charneiras paralelizam-se à Le3 . O leve caimento para WNW das charneiras destas dobras e seus pequenos ângulos interflancos, com superfícies envoltórias mergulhantes para NE, geraram situações em que ora as rochas do Grupo Ibiá ora as do grupo Canastra afloram em sinformas e antiformas alongadas (figuras 4.38 a e b, e anexo II) paralelizadas à zona principal da falha da Bocaina. Em algumas dobras, verificou-se a presença de clivagens oblíquas às linhas de charneiras o que configura típicas dobras transectas (figura 4.39 a e b). Também ocorrem dobras intrafoliais, com eixos subverticais e superfícies axiais paralelizadas à S3 nas zonas de maior deformação, que algumas vezes servem como indicadores cinemáticos (figura 4.40).

 

4.4.2. Estruturas D3 secundárias.

Algumas estruturas geradas na transição dúctil-rúptil foram associadas ao desenvolvimento das zonas de cisalhamento transcorrentes D3. As mais abundantes são zonas de cisalhamento estreitas com cinemática dextral, que cortam todas as litologias da região. A S3 é defletida para dentro destas zonas de cisalhamento (figura 4.41), quando têm caráter mais dúctil. Quando são mais rúpteis, apresentam típica clivagem espaçada anastomosada, em cujos planos observam-se estrias subhorizontais, que também indicam movimentos dextrais (figura 4.42) e zonas de cataclasitos. Estas zonas de cisalhamento podem representar falhas antitéticas. Fraturas sintéticas, rúpteis, também foram encontradas ao longo da falha da Bocaina (figura 4.43). Falhas reversas dúcteis-rúpteis, subhorizontais, associadas à dobras assimétricas, cortam as estruturas anteriores (figuras 4.44). Por fim, ondulações suaves das dobras F3, crenulações e kinks que dobram S3, podem representar os estágios finais de evolução da fase deformacional D3.

 

4.4.3. A zona de cisalhamento transcorrente da Bocaina

A principal estrutura D3 é a falha transcorrente da Bocaina (figura 4.45) que representa um conjunto de zonas de cisalhamento subverticais, anastomosadas, cuja largura média é de 10 Km, correspondendo à continuidade do sistema de cisalhamento Campos Altos - Lagoa da Prata (Magalhães, 1989).

Em suas bordas, a deformação é atenuada, encontrando-se zonas de cisalhamento cada vez mais estreitas. A zona principal ramifica-se lateralmente, compondo zonas de cisalhamento menos espessas, cujos traços em mapa são defletidos para N (anexo - I). Quando afetadas por estas zonas de cisalhamento, as estruturas D2 podem rotacionar, tendendo a se paralelizar às mesmas. Isto fica claro, principalmente, quando se observa o padrão de distribuição das lineações L2 em mapa. A falha desenvolveu-se preferencialmente ao longo do contato entre os Grupos Ibiá e Canastra, envolvendo neste último espessas camadas de quartzitos e no primeiro de calcifilitos. Os processos erosivos diferenciais entre estas unidades permitiram que parte da zona de cisalhamento fosse preservada como um conjunto de cristas topograficamente elevadas.

Uma questão interessante na evolução desta falha é a coexistência de estruturas dúcteis e rúpteis (figura 4.46). Verifica-se que dobras e bandas de ultramilonitos são cortadas por estruturas rúpteis como falhas reversas, e que as dobras transectas foram cortadas por clivagem oblíqua, que parece ser posterior à geração das mesmas. Ao mesmo tempo, fraturas distensivas, preenchidas por quartzo e rotacionadas (tension gashes) indicam a existência de uma transição nos campos deformacionais.

Poder-se–ia, a princípio, pensar na transição rúptil-dúctil (Hobbs et al., 1976) onde fraturas distensivas apresentam rotação e deformação dúctil. Mas cabe do mesmo modo a ressalva levantada por Ramsay (1980), que alerta para o fato de que a história da deformação dúctil pode ter ocorrido em tempo diferente daquele da deformação rúptil. Para a falha da Bocaina imagina-se um modelo evolutivo no qual os grandes dobramentos e as zonas de ultramilonitos tenham se desenvolvido num contexto preferencialmente dúctil. Esta situação modificou-se gradualmente alcançando a transição dúctil-rúptil, marcada pelas tension gashes, possivelmente durante o soerguimento final do orógeno, até atingir campos rúpteis, quando se desenvolveram falhas que deslocam as estruturas dúcteis. O esquema teórico do cisalhamento simples responsável pela evolução desta zona de falha pode ser comparado ao apresentado por Woodcook e Schubert (1994), verificando-se a existência de rotações de estruturas e a passagem de domínios dúcteis para rúpteis (figura 4.46).

4.5. Interferência entre D2 e D3.

A relação de corte entre os planos S2 e S3 gera uma lineação de interseção com atitude média 295/14 (figura 4.47). Esta lineação é paralela às charneiras F3 e à Le3/Lm3. A trama final é uma estrutura linear muito expressiva, bem marcada nos quartzitos do Grupo Canastra ao longo da Falha da Bocaina (figura 4.48). Embora a relação de corte das foliações pareça bem clara, nem sempre ela é nítida no campo, havendo situações em que a foliação subhorizontal S2 parece se subverticalizar transicionalmente. Isto sugere um ajuste geométrico de S2 em direção à atitudes S3, durante D3, uma vez que esta fase efetivamente é mais nova que D2, pois não foi encontrada nenhuma estrutura D2 que afetasse ou fosse contemporânea à D3.

A existência de lentes contendo planos S2 preservados entre planos S3, permite a observação de feições de rotação das lineações de estiramento/minerais contidas em S2 (figuras 4.49 e 4.50), verificando-se que elas se paralelizam às zonas D3 nos locais de maior magnitude de deformação.

Padrões de interferência entre as dobras F2 e F3 apresentam-se em laço (figura 4.51). Ambas as lineações L2t e L3 caem para o quadrante NW, desconsiderando-se aquelas que foram fortemente rotacionadas, o que, em conjunto com os padrões de interferência, indica que tanto D2t como D3 evoluiram em resposta à campos tensionais similares, com os eixos de compressão máxima posicionados em torno de E-W. Em um único afloramento foram observadas dobras em bainha D2 redobradas por F3 (figura 4.52). Nestas dobras as estruturas D2 acham-se preservadas da deformação D3, pois ainda é possível observar-se a lineação de estiramento Le2.

4.6. Conclusões e correlações regionais.

Correlações regionais são possíveis entre a região da Sinforma de Araxá e a região da Nappe de Passos (figura 4.53), pelo fato desta unidade tectônica estar bem descrita sob o ponto de vista estrutural ( Valeriano, 1992; Simões, 1995). A evolução estrutural das duas regiões é muito parecida, especialmente no que se refere à fase deformacional D2. Esta semelhança é notável, expressando-se tanto no arranjo geométrico como na cinemática das estruturas D2. Em Passos a fase D1, acompanhada de um metamorfismo M1 (fácies

anfibolito), também é um tanto obscura, porém Simões (1995) defende a idéia de que D1 transiciona para D2. Em Passos, o pico metamórfico (fácies anfibolito) ocorreu pré- ou cedo-D2, e um evento retrometamórfico acompanhou a fase D2, durante a colocação da nappe. Em Araxá há o registro de uma fase D1, materializada por uma foliação que se desenvolveu durante um evento metamórfico M1 (facies anfibolito). Após este evento houve retrometamorfismo (cloritóides substituindo granadas) e só então, inciou-se a implantação da fase D2, também sob regime tangencial, porém com registro de empurrões precoces para NNE. Num momento tardio, D2 passa a mostrar empurrões para SE, de modo similar à Nappe de Passos. Em Araxá, a presença de granitos intrusivos durante D2 precoce, permite este monitoramento. A fase D3 também é similar à Passos, desenvolvendo falhamentos transcorrentes com cinemática sinistral e dobramentos associados. A fase D4 é representada em Passos por dobramentos e crenulações suaves das estruturas anteriores. Simões (1995), alega que elas podem representar as manifestações tardias de colocação da nappe. Em Araxá, dobramentos suaves das estruturas anteriores podem estar ligados a uma fase D4, mas é mais provável que representem dobramentos gerados durante D3. De qualquer modo, tanto a evolução de D2t como D3 em Araxá, segundo campos de tensão principal orientados E-W, é muito parecida com a evolução de D2 e D3 em Passos. Para Valeriano (1992), o deslocamento da Nappe de Passos para SE foi acompanhado de encurtamento lateral N-S, uma vez que as dobras F2 são assimétricas, com planos axiais mergulhando para sul. É possível que este encurtamento N-S tenha sido mais expressivo durante a fase D2p em Araxá, gerando empurrões para NNE. Deve-se destacar ainda que, Valeriano et al. (1998) assinalam o registro de um evento de desenvolvimento de empurrões para norte, ligado ao Domínio Externo da Faixa Brasília (figura 2.4), um conjunto de lâminas de empurrão que envolve lascas do embasamento granito-greenstone,

sequências siliciclásticas ( Serra da Boa Esperança - Grupo Canastra ?) e turbidíticas, além de ardósias do Grupo Bambuí. Aqueles autores, baseados em geocronologia K-Ar advogam idades de alojamento sobre o Domínio Cratônico, de 673-566 Ma. para a Nappe de Passos, e de 588-567 Ma. para o Domínio Externo. Estes fatos são importantes, uma vez que o metamorfismo principal M1 em Araxá ocorreu em torno de 630 Ma. ( isócrona Sm-Nd - capítulo 8), e o alojamento dos granitos e escamas tectônicas ocorrendo após esta idade, com resfriamento regional em torno de 566 Ma. (K-Ar). Deste modo, existem fortes evidências de que, tanto a região da Sinforma de Araxá como a região da Nappe de Passos, tenham história estrutural e evolução tectônica parecidas.

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