Capítulo 7

Geoquímica de Rocha Total

7.1. Introdução geral.

Como demonstrado nos capítulos precedentes, as litologias da região de Araxá foram envolvidas em diversos episódios deformacionais e metamórficos que obliteraram suas feições sedimentares e ígneas primárias, dificultando as interpretações quanto à sua gênese e seu contexto geotectônico. A geoquímica de rocha total tem sido empregada como ferramenta para elucidar a natureza pré-deformacional e metamórfica das rochas, complementando os dados oriundos de outros estudos.

Sob o ponto de vista geoquímico foram estudados os metassedimentos do Grupo Ibiá e os anfibolitos e granitóides do Grupo Araxá, visando caracterizar a proveniência dos primeiros, classificar quimicamente os granitóides e determinar os protólitos dos anfibolitos.

Foram selecionadas 9 amostras de metassedimentos, 13 amostras de granitos e 12 amostras de anfibolitos (figura 7.1). Os critérios seguidos para esta seleção basearam-se na ausência de efeitos intempéricos, homogeneidade textural, ausência de veios e fraturas preenchidas por minerais secundários e representatividade geológica. As amostras foram preparadas e analisadas para elementos maiores e traços no Laboratório de Geoquímica da Universidade de Brasília. Os óxidos e elementos: SiO2, TiO2, Al2O3, Fe2O3, MnO, CaO, P2O5, Zn, Co, Ni, Cr, V, Be, Cu, Zr, Y, Sr, Ba, foram analisados por ICP/PLASMA, o FeO por volumetria, Na2O e K2O através de absorção atômica e a perda ao fogo por gravimetria. Os Elementos Terras Raras (ETR) foram separados através do método de minicolunas conectadas à uma bomba peristáltica de 6 canais, da marca ALITEA C6-XV, e analisados em equipamento ICP/AES.

7.2. Geoquímica e proveniência dos metassedimentos do Grupo Ibiá.

7.2.1. Introdução.

Normalmente a composição e a textura dos grãos detríticos e as estruturas sedimentares presentes em sedimentos clásticos terrígenos são suficientes para embasar interpretações a respeito do ambiente de sedimentação e da área fonte dos sedimentos. A destruição de feições sedimentares primárias durante deformação e metamorfismo, afetam as interpretações quanto aos paleoambientes de sedimentação. As dificuldades aumentam em rochas de granulometria fina, como os siltitos e argilitos, necessitando-se de técnicas laboratoriais complementares (Tucker, 1985). Este é o caso dos metassedimentos do Grupo Ibiá. Estudos petrográficos (Capítulo 5), mostram que as áreas fonte destes sedimentos eram constituidas por rochas ígneas intermediárias a ácidas. Ferrari (1989b) defende uma origem vulcânica para os metassedimentos do Grupo Ibiá, na região de Araxá, com base na abundância de plagioclásios e presença de clorita. Alternativamente, a origem dos metassedimentos do Grupo Ibiá na região de Paracatu, a norte de Araxá, foi atribuida a processos glaciogênicos, ocorridos na borda oeste do Cráton do São Francisco, correlatos à Glaciação Jequitaí, do Proterozóico Superior (Pereira, 1992). Neste último caso, a argumentação baseia-se na presença de fácies de paraconglomerados com seixos estriados. No caso de uma glaciação ocorrida nas margens do Cráton do São Francisco, este teria importante papel como fornecedor de detritos sedimentares. Castro (1997), em trabalhos de campo guiados por Pereira, ressalta, no entanto, que "...os afloramentos visitados da Formação Ibiá não mostraram características que pudessem ser, inequivocamente, associadas a uma glaciação". Embora seja difícil argumentar a favor ou contra um processo glacial para os metassedimentos do Grupo Ibiá, é possível avançar na compreensão da origem destes metassedimentos através de uma análise dos padrões de distribuição de elementos maiores e traços.

Segundo Bhatia (1983) a composição química de rochas sedimentares terrígenas é função de complexa interação entre o relevo e a composição da área fonte, intemperismo, transporte e diagênese, mas com o ambiente geotectônico representando o controle primário dos processos. O mesmo autor destaca que nem sempre a composição dos clastos reflete diretamente o ambiente crustal de origem dos sedimentos, pelo fato de que fragmentos de rochas vulcânicas e plutônicas podem ter se originado a partir de arcos magmáticos desenvolvidos em diversos ambientes geotectônicos. Autores como Bhatia (1983), Bhatia e Crook (1986), Floyd et al. (1991) e Cox e Lowe (1995) propuseram um conjunto de critérios geoquímicos para discriminar os ambientes geotectônicos de origem de rochas sedimentares e metassedimentares. A presente abordagem é baseada nas conclusões destes autores.

7.2.2. Elementos maiores.

Os resultados analíticos gerais para os metassedimentos do Grupo Ibiá são reproduzidos na tabela 7.1.

A comparação visual entre os valores de elementos maiores de diversos tipos de rochas sedimentares e os metassedimentos do Grupo Ibiá (tabela 7.2), permite traçar um paralelo com as grauvacas, especialmente quanto aos teores de Al2O3. Diferenciam-se dos folhelhos Fanerozóicos e das ardósias Pré-Cambrianas e Fanerozóicas que apresentam teores mais elevados de Al2O3 e K2O, e dos arenitos arcoseanos, que têm mais SiO2 e K2O e menos Al2O3. Os altos teores de MgO e FeO devem-se à presença de matriz clorítica e os valores de Na2O, ao plagioclásio. A semelhança composicional com grauvacas é interessante. As grauvacas possuem matriz finamente granulada composta de clorita, sericita e grãos de quartzo e feldspato. No arcabouço contêm quartzo, feldspato e fragmentos de rochas vulcânicas. Estes sedimentos muitas vezes são sinorogênicos e acham-se associados a margens continentais ativas e a arcos de ilhas vulcânicos (Tucker, 1985). A comparação é pertinente tendo em vista que os metassedimentos do Grupo Ibiá são ritmitos, onde finas camadas de argilitos intercalam-se a siltitos, sendo ricos em plagioclásio e clorita (Capítulos 3 e 5).

Tabela 7.1. Resultados analíticos gerais para as rochas metassedimentares do Grupo Ibiá. Elementos maiores em % e elementos traço em ppm.

 

Tabela 7.2. Comparação dos valores médios de elementos maiores das rochas metassedimentares do Grupo Ibiá com médias de outras rochas detríticas. (*) Dados de Pettijohn (1975) para folhelhos Fanerozóicos, ardósias1 = Pré-Cambrianas, ardósias2 = Paleozóicas; (**) dados de Tucker (1985); (***) dados de Füchtbauer (1974) para grauvacas Paleozóicas. nd= não determinado.

As variações químicas dos metassedimentos do Grupo Ibiá podem ser melhor apreciadas através dos diagramas de Harker (figura 7.2). Nestes diagramas, para efeitos comparativos, plotou-se as variações químicas dos sedimentos terrígenos das suites Tamworth (Devoniano), Hill End (Siluriano-Devoniano), Hodgkinson (Devoniano), Bendigo (Ordoviciano) e Cookman (Siluriano), que representam grauvacas finas provenientes de ambientes tectônicos bem estudados e estabelecidos do leste da Austrália (Bhatia, 1983). As linhas de evolução dos gráficos representam a variação composicional de sedimentos gerados em arcos de ilhas oceânicos, com baixa maturidade, até sedimentos de margens passivas, com elevada maturidade composicional, passando por arcos de ilhas continentais e margens continentais ativas. Os metassedimentos do Grupo Ibiá situam-se entre os valores das suites Tamworth e Hill End, que representam ambientes de arcos de ilhas oceânicos e arcos de ilhas continentais, respectivamente (tabela 7.3).

Segundo Bhatia (1983), com relação aos elementos maiores, os melhores discriminantes de ambientes geotectônicos são os diagramas TiO2, Al2O3/SiO2, K2O/Na2O, e Al2O3/(CaO + Na2O) versus Fe2O3 + MgO, onde Fe2O3 representa ferro total. Plotando-se os dados dos metassedimentos do Grupo Ibiá nestes diagramas (figuras 7.3 e 7.4), verifica-se que os valores caem no campo dos arcos de ilhas oceânicos (TiO2) com alguma tendência para arcos de ilhas continentais (Al303/SiO2).

Figura 7.2. Diagramas de variação de Harker dos elementos maiores para os metassedimentos do Grupo Ibiá. Linhas tracejadas indicam variações composicionais típicas para grauvacas originadas em arcos de ilhas oceânicos (A) até margens passivas (B), passando por ambientes intermediários de arcos de ilhas continentais e margens continentais ativas (Bhatia, 1983).

Tabela 7.3. Comparação entre a média dos valores de elementos maiores do Grupo Ibiá (óxidos em %) com as médias dos valores de elementos maiores de grauvacas originadas em arcos de ilhas oceânicos - AIO (andesitos calco-alcalinos), arcos de ilhas continentais - AIC ( rochas vulcânicas félsicas) , margens continentais ativas – MCA (rochas vulcânicas, plutônicas e sedimentares - tipo Andino) e margens passivas - MP ( rochas de diferentes composições); + dados de Bhatia (1983); ++ dados de Floyd et al. (1991), com ferro total como Fe2O3.

Figura 7.3. Diagramas TiO2 x Fe2O3t + MgO (a) e Al2O3/SiO2 x Fe2O3t + MgO (b) discriminantes para ambientes geotectônicos (Fe2O3t representa ferro total como Fe2O3 ) . Os pontos representam as amostras de metassedimentos do Grupo Ibiá. As áreas tracejadas representam os campos composicionais de grauvacas de A - arcos de ilhas oceânicos, B - arcos de ilhas continentais, C - margens continentais ativas e D - margens passivas (Bhatia, 1983).

Nos diagramas c e d da figura 7.4 os pontos dos metassedimentos do Grupo Ibiá caem fora dos campos das suites Australianas. Isto se deve aos teores relativamente mais baixos de Na2O e mais elevados de K2O nos primeiros, em relação aos últimos, o que eleva as razões K2O/Na2O. No diagrama d o efeito do Na2O é reduzido, alguns pontos caindo dentro do campo A. Este fato pode ser explicado pela presença de grãos detríticos de feldspatos potássicos que, aliados à grãos de turmalina, granada e zircão, indicam áreas fonte graníticas, ricas em K2O, para os metassedimentos do Grupo Ibiá. Pode ser também explicado por lixiviação de Na2O. Neste último caso, a probabilidade de ocorrer lixiviação de outros elementos considerados móveis em ambientes superficiais ou metamórficos seria a mesma e eles deveriam mostrar variações maiores dentro da população analisada, o que não ocorre. Segundo Cox e Lowe (1995) a estabilidade composicional dos elementos maiores e traços de argilitos persiste tanto durante processos diagenéticos como durante metamorfismo. Deste modo, levando-se em conta que a composição química dos metassedimentos é herdada das áreas fontes, pode-se dizer que é notável o distanciamento composicional dos metassedimentos do Grupo Ibiá com os campos de ambientes de margens continentais passivas e relevante sua semelhança com ambientes de arcos de ilhas oceânicos ou continentais

Figura 7.4. Diagramas K2O/Na2O x Fe2O3t + MgO e Al2O3/(CaO + Na2O) x Fe2O3t + MgO discriminantes para ambientes geotectônicos (Fe2O3t representa ferro total como Fe2O3 ). Os pontos representam as amostras de metassedimentos do Grupo Ibiá. As áreas tracejadas representam os campos composicionais de grauvacas de A -arcos de ilhas oceânicos, B - arcos de ilhas continentais, C - margens continentais ativas e D - margens passivas (Bhatia, 1983).

Tabela 7.4. Resultados de análises químicas para elementos traços (em ppm) dos metassedimentos do Grupo Ibiá em comparação com dados químicos para rochas sedimentares de arcos de ilhas oceânicos (AIO), arcos de ilhas continentais (AIC), margens continentais ativas (MCA), margens passivas (MP) e oceânicas intra-placa (OIP = ilhas oceânicas e montes submarinos). * Dados de Bhatia e Crook (1986). ** Dados de Floyd et al. (1991).

 

 

7.2.3. Elementos traço

Bhatia e Crook (1986) e Floyd et al. (1991) propõem alguns parâmetros com relação aos elementos traço que auxiliam na discriminação das áreas fontes dos sedimentos. Segundo Bhatia e Crook (1986) a abundância de Al, Ti, Fe, Mg, e Na e dos elementos traço Sc, V, Co, Zn e Ga indica fontes vulcânicas. A abundância dos elementos K, Ba, La, Ce, Nd, Th, U, Nb, Zr, Rb e Pb acha-se relacionada à micas, feldspatos potássicos e minerais pesados (turmalina, zircão e rutilo), portanto a fontes graníticas ou detritos reciclados.

Floyd et al. (1991) mostram que o grau de seleção de um sedimento, a presença de minerais pesados e a entrada de detritos de origem máfica podem dificultar as análises baseadas em diagramas binários e ternários e nem sempre fornecer uma correlação direta entre composição e área fonte e, portanto, ambiência tectônica. Além disso, destacam o caráter geográfico limitado do trabalho de Bhatia (1983) e Bhatia e Crook (1986), embora estes autores tenham feito correlações entre as rochas sedimentares da Austrália com sedimentos modernos de diversos ambientes. Floyd et al. (1991) propõem um esquema mais abrangente, baseado em aracnídeogramas de elementos traço importantes que podem mostrar a participação de áreas fonte diferentes. Além disso, utilizam médias mundiais de análises químicas de rochas cujos ambientes tectônicos se encontram bem estabelecidos e comparam-nas utilizando normalização em relação à crosta continental superior. Comparando-se os dados químicos de elementos traço dos metassedimentos do Grupo Ibiá com dados de Bhatia e Crook (1986) e Floyd et al. (1991) (tabela 7.4), pode-se traçar um paralelo entre os diversos ambientes tectônicos. Os valores de Ba dos metassedimentos do Grupo Ibiá estão próximos de AIO. Sr e Nb aproximam-se dos valores para MCA. Zr, La, Ce e V sugerem padrões similares aos de AIC e MCA. Cr, Co, Ni, Cu e Zn são muito elevados e indicam forte contribuição de detritos máficos, enquanto os altos valores de Y mostram contribuição em minerais pesados, talvez monazita, indicando fontes de rochas ígneas félsicas.

Utilizando aracnídeogramas é possível comparar as tendências dos elementos traços dos metassedimentos do Grupo Ibiá com as tendências de sedimentos de diversos ambientes tectônicos (Figuras 7.5 e 7.6).

Dos diagramas deduz-se que a curva de melhor ajuste aos valores dos metassedimentos do Grupo Ibiá é a de arcos de ilhas continentais e margens continentais ativas. A curva referente aos arcos de ilhas oceânicos é similar mas seus valores absolutos são diferentes. As anomalias positivas (> 1) de V - Cr - Ni nas três curvas indicam contribuição de detritos originários de rochas máficas. A curva dos sedimentos oceânicos de intra-placa apresenta forte anomalia positiva V - Cr – Ni, bem acima dos valores das curvas anteriores, indicando grande contribuição de detritos de origem máfica. Deve-se destacar que esta anomalia é expressiva nos metassedimentos do Grupo Ibiá em relação às anomalias para arcos de ilhas oceânicos e continentais. Anomalias negativas (<1) de Nb são comuns a todos os sedimentos menos para os oceânicos intra-placa. Nos metassedimentos do Grupo Ibiá esta anomalia assemelha-se à de arcos de ilhas continentais e margens continentais ativas.

 

Figura 7.5. Aracnídeogramas para elementos traços de diversos ambientes tectônicos (a) ( a seta preta indica trecho da curva de margem passiva com diminuta contribuição de detritos máficos), com base em Floyd et al. (1991), e para os metassedimentos do Grupo Ibiá (b), com indicação dos números das amostras. Ambos os diagramas com valores normalizados para crosta continental superior.

Figura 7.6. Aracnideogramas onde foram plotados apenas os valores das análises disponíveis para os metassedimentos do Grupo Ibiá, eliminado o elemento Yb ( b-linhas contínuas pretas) comparados com os valores dos mesmos elementos para diversos ambientes tectônicos ( a - modificado de Floyd et al., 1991). Legenda de a igual à da Figura 7.5. Normalização em relação à crosta continental superior.

Com relação aos valores de La e Ce as tendências de todas as curvas são similares, mas para o Grupo Ibiá ocorrem tanto valores elevados (fontes félsicas) como baixos (fontes máficas) de La. Nos metassedimentos do Grupo Ibiá ocorre forte anomalia positiva de Y, o que, em conjunto com La e Ce, pode estar indicando presença de monazita e, portanto, de áreas fonte ricas em rochas félsicas. A dispersão dos valores de Ba pode estar ligada à quantidade maior ou menor de feldspatos potássicos de amostra para amostra, o que é coerente com os estudos petrográficos. O Sr é muito variável, o que pode estar indicando graus diferenciados de intemperismo nas áreas fonte. Normalmente este elemento é lixiviado com o aumento da maturidade dos sedimentos (Bhatia e Crook, 1986). Notar que seus valores são baixos em sedimentos de margens passivas e altos em oceânicos intra-placa, arcos de ilhas oceânicos e continentais.

O padrão de distribuição dos ETR também fornece alguns dados adicionais (figura 7.7) quando comparado com padrões de folhelhos e grauvacas e rochas sedimentares de diversos ambientes tectônicos (figura 7.8). O padrão geral é de depleção em ETR pesados (ETRP) o que coincide com o comportamento geral de folhelhos e grauvacas (Henderson, 1984). O padrão de distribuição dos ETRP é uniforme para as 9 amostras do Grupo Ibiá, variando apenas as concentrações, enquanto que para os ETR leves (ETRL) não há esta uniformidade. Duas amostras apresentam forte anomalia negativa para Nd e valores altos para La e ETRP. Estas diferenças são contraditórias, mas podem estar refletindo complexas misturas de detritos de diferentes tipos de áreas fonte. Leves anomalias negativas de Eu em algumas amostras denunciam contribuição de áreas fonte graníticas, comportamento similar ao da Suite de Hodgkinson (margem continental ativa - Bhatia e Crook, 1986) e de grauvacas em geral. Henderson (1984) destaca o fato de que sedimentos do Arqueano têm anomalia positiva de Eu, enquanto que os folhelhos Proterozóicos não mostram esta anomalia demonstrando mudança no comportamento composicional crustal com o passar do tempo. Já a média dos folhelhos norte americanos (Fanerozóicos) apresenta anomalia negativa de Eu e Ho. Os metassedimentos do Grupo Ibiá apresentam anomalia positiva de Ho (figura 7.8b). As variações apresentadas pelos metassedimentos do Grupo Ibiá são creditadas à misturas de detritos de diferentes tipos de áreas fonte, ora máficas, ora félsicas.

Figura 7.7. Padrões de distribuição dos ETR nos metassedimentos do Grupo Ibiá.

Figura 7.8. a) Comparação dos padrões de ETR do Grupo Ibiá com médias para folhelhos e grauvacas (Henderson, 1984); b) Comparação dos padrões de ETR do Grupo Ibiá com curvas estabelecidas para as grauvacas das Suites Australianas ( Bhatia e Crook, 1986).

Estas características aliadas aos demais aspectos petrográficos destas rochas permitem supor que elas foram geradas por aportes de detritos de 1° ciclo sedimentar, com pouco retrabalhamento. Segundo Cox e Lowe (1995) argilitos depositados durantes as fases iniciais de formação crustal apresentam composições mistas devido a variações composicionais nas áreas fonte. Além disso, argilas recicladas tendem a ter elevados teores de K2O (5 a 10%) diferindo dos valores mais baixos dos metassedimentos do Grupo Ibiá.

7.2.4. Conclusões.

O estudo geoquímico dos metassedimentos do Grupo Ibiá indica que:

  1. com relação aos elementos maiores eles são similares às médias composicionais de grauvacas, especialmente para Al2O3, MgO e Fe2O3t;
  2. os valores médios para elementos maiores, situam-nos entre valores médios de elementos maiores de rochas sedimentares de arcos de ilhas oceânicos e arcos de ilhas continentais; isto é válido para TiO2 , Al2O3/SiO2 e Fe2O3t + MgO, mas a razão K2O/Na2O indica contribuição de detritos com feldspato potássico;
  3. valores elevados de elementos traço compatíveis ( V, Cr, Co, Ni, Cu, Zn) referem-se a detritos de origem máfica, enquanto valores altos de Zr, La, Ce e Y sugerem detritos derivados de fontes félsicas; em geral os valores de elementos traço posicionam-nos entre os ambientes de arcos de ilhas oceânicos e continentais e margens continentais ativas;
  4. os ETR têm padrão de depleção em ETRP assemelhando-se às assinaturas de folhelhos e grauvacas, e coincidindo com os padrões apresentados por sedimentos de arcos de ilhas e margens continentais ativas;
  5. anomalias negativas suaves de Eu mostram contribuição de detritos de áreas fonte félsicas e são similares aos padrões de sedimentos de margens continentais ativas;
  6. as variações nos padrões de ETR são creditadas à misturas de detritos de diferentes tipos de área fonte, tanto máficas como félsicas;
  7. de modo geral representam sedimentos imaturos, pouco retrabalhados, depositados em ambientes marinhos situados nas proximidades de arcos magmáticos, ricos em rochas vulcânicas máficas/félsicas e com corpos graníticos já em exposição, diferenciando-se muito dos padrões geoquímicos apresentados por sedimentos de margens passivas.

7.3. Geoquímica dos anfibolitos do Grupo Araxá.

7.3.1. Introdução.

Corpos de anfibolitos associados aos metassedimentos do Grupo Araxá têm sido mapeados e estudados em diversas regiões dos Estados de Minas Gerais e Goiás. Em Minas Gerais destacam-se os anfibolitos da Nappe de Passos estudados por Correia e Girardi (1989), Valeriano (1992) e Valeriano e Simões (1997), e os anfibolitos de Abadia dos Dourados estudados por Brod et al. (1992). Em Goiás destaca-se o estudo dos anfibolitos de Abadiânia por Strieder e Nilson (1992) e Strieder (1993).

A grande distribuição espacial dos anfibolitos na região de Araxá (anexo I) e sua posição geográfica situada entre os anfibolitos de Passos, a sudeste, e os anfibolitos de Abadia dos Dourados, a noroeste, acompanhando a direção geral dos afloramentos do Grupo Araxá ao longo da Faixa Brasília, foram os fatores fundamentais que motivaram a presente abordagem. Ademais, como destacado por outros autores ( Hyndman, 1985, Nicolas, 1989, Condie, 1989, Valeriano, 1992), a geoquímica dos anfibolitos muitas vezes é o único indicador da composição de seus protólitos e pode ser importante na definição de seus ambientes tectônicos, uma vez que texturas e estruturas ígneas geralmente são obliteradas por metamorfismo e deformação.

A escassez de bons afloramentos com anfibolitos frescos na região da Sinforma de Araxá foi um dos principais fatores limitantes com relação à amostragem. Este fato também é observado nas demais ocorrências de rochas máficas da Faixa Brasília em função do elevado grau de intemperismo destas rochas. No entanto, uma das amostras da região de Araxá ainda exibe texturas ígneas vulcânicas preservadas. Este fato, aliado ao grande volume de anfibolitos finos e a diversas intercalações de anfibolitos com metassedimentos e de metassedimentos em anfibolitos na forma de corpos tabulares, sugere uma origem ígnea para os mesmos. Deste modo, não foram realizados estudos de caracterização sobre a origem orto ou paraderivada.

A localização das amostras é apresentada na figura 7.1.

7.3.2. Elementos maiores.

Os resultados analíticos para elementos maiores e as respectivas normas das 12 amostras de anfibolitos da Sinforma de Araxá são apresentados na tabela 7.5. Os anfibolitos de Araxá apresentam teores de SiO2 variando de 43,79 a 49,29 %, mostram pequena variação de Al2O3 com valores entre 11,29 e 13,94 %, elevados valores de FeO de 9,82 a 13,94 %, TiO2 de 1,65 a 4,77 % e de MnO de 0,2 a 0,36 %. Os anfibolitos podem ou não apresentar quartzo e olivina normativos, mas todos têm hiperstênio normativo, assemelhando-se a basaltos toleiíticos subsaturados a levemente saturados em SiO2 (Condie, 1989). A amostra 485f apresenta SiO2 compatível com rochas ultrabásicas, mas seus valores de MgO são relativamente baixos, o que pode estar indicando alguma modificação química. Algumas amostras têm quartzo modal como produto metamórfico. Os diagramas que relacionam Na2O x CaO e Na2O/K2O x Na2O+K2O (figura 7.9 a e b) indicam que os anfibolitos de Araxá não apresentam alteração química com relação aos elementos em foco. Alterações hidrotermais podem gerar enriquecimento em MgO e empobrecimento em SiO2, CaO, K2O, Rb, Cs, Ba e Sr que tenderiam a gerar espalhamentos de pontos nos gráficos. Isto não é verificado para os anfibolitos de Araxá, podendo, no entanto, ter ocorrido em pequena escala.

 

A identificação de bimodalidade para os valores de TiO2 na região de Passos ( Valeriano, 1992), definindo duas populações, uma de alto e outra de baixo TiO2, separadas por intervalo composicional, tende a se repetir na região de Araxá e em Abadiânia, mas não se faz presente na região de Abadia dos Dourados (figura 7.10). Em Abadiânia, o grupo de alto TiO2 está representado por apenas três amostras. Os anfibolitos de Araxá distinguem-se por teores mais elevados de TiO2 que os das outras regiões. Os padrões de distribuição dos elementos maiores podem ser apreciados nos diagramas de variação da figura 7.11. Para efeitos de comparação, plotou-se os campos composicionais dos anfibolitos das outras regiões da Faixa Brasília, e elaborou-se tabela com as médias para elementos maiores (tabela 7.6).

O comportamento dos elementos maiores é diferente para as quatro regiões focalizadas, destacando-se especialmente nos diagramas TiO2 x MgO, FeO x MgO e MnO x MgO. Os campos de TiO2 dos anfibolitos de Adadia dos Dourados situam-se em posições intermediárias entre os anfibolitos de alto e baixo TiO2 de Passos. Tanto os anfibolitos de Passos como os de Araxá e Abadia dos Dourados têm seus valores de TiO2 diminuidos com o aumento de MgO. No entanto, em Abadiânia ocorrem tanto valores altos como baixos de TiO2 para valores ora elevados, ora baixos de MgO, sem definir uma tendência de enriquecimento ou empobrecimento relativos. O Ti tem comportamento de elemento incompatível em basaltos, assim como o K (Hess, 1989), tendendo a se enriquecer nos termos mais fracionados. Esta observação não se verifica em Abadiânia, onde os basaltos são menos fracionados em relação às outras regiões.

Os anfibolitos de baixo TiO2 de Passos e de Abadiânia tendem a mostrar valores mais baixos de TiO2, FeO, MnO e P2O5 do que os anfibolitos de baixo TiO2 de Araxá, mas valores mais altos de SiO2, Al2O3 e CaO que os últimos. Os anfibolitos de alto TiO2 de Araxá e de Passos tendem a mostrar valores mais baixos de MgO em relação a todas as outras amostras. O grupo de alto TiO2 de Araxá é mais rico em FeO e MnO que o grupo de alto TiO2 de Passos, mas mais pobre em Fe2O3, SiO2, Al2O3, Na2O e K2O.

Considerando-se que os anfibolitos em questão representam protólitos ígneos, e que as proporções entre os elementos não devem ter variado muito em função de processos de alteração pós-magmáticos (espilitização, hidratação metamórfica, deformação com retrometamorfismo e intemperismo) pode-se dizer que as tendências gerais para SiO2, K2O, Na2O, P2O5 e CaO assemelham-se àquelas de processos de cristalização fracionada, indicando que os grupos de alto TiO2 representam basaltos mais fracionados que os de baixo TiO2.

Os anfibolitos da região de Araxá formaram-se a partir de protólitos basálticos (figura 7.12). O forte enriquecimento de FeO em relação à MgO denota sua tendência toleiítica (figura 7.13), acompanhando a tendência dos basaltos toleiíticos de cadeias meso-oceânicas. No diagrama de Jensen (1976, apud Fujimori, 1990) (figura 7.14) as análises caem no campo dos toleiítos de alto Fe. Estes padrões são similares aos dos anfibolitos de Passos, embora estes mostrem maior espalhamento nos diagramas (Valeriano, 1992), e também são verificados para as regiões de Abadia dos Dourados e Abadiânia.

 

7.3.3. Elementos traço.

Os resultados analíticos para elementos traço dos anfibolitos da região da Sinforma de Araxá são apresentados na tabela 7.7 e incluem 7 análises para Elementos Terras Raras (ETR). No sentido de facilitar a observação dos padrões de distribuição, foram construidos diagramas de variação dos elementos traço em relação à MgO (figura 7.15). Os ETR são analisados no final deste item, uma vez que apenas os anfibolitos de Araxá e Passos possuem análises destes elementos. Nos diagramas de variação foram plotados os campos composicionais dos elementos traço disponíveis para as regiões de Passos, Abadia dos Dourados e Abadiânia. Os padrões de distribuição dos elementos traço são distintos para todas as regiões (tabela 7.8).

Tabela 7.6. Valores mínimos, máximos e médios para elementos maiores dos anfibolitos das regiões de Araxá (1), Abadia dos Dourados (2) (Brod et al., 1992), Abadiânia (3) (Strieder, 1993) e Passos (4) (Valeriano, 1992). n= número de amostras.

Tabela 7.7. Análises químicas para elementos traço dos anfibolitos da região de Araxá. Nd= não determinado.

 

Os aspectos notáveis são expressos pelos diagramas Zr x MgO, V x MgO, Y x MgO, Co x MgO e Nb x MgO, elementos considerados poucos móveis em diversos ambientes geológicos.

No diagrama Zr x MgO a população de alto TiO2 de Passos mostra forte enriquecimento com relação à de baixo TiO2 e mais rica em MgO, aspecto compatível com processos de fracionamento magmático. Para Araxá não ocorre este enriquecimento para as duas populações, os valores de Zr mantendo-se num único patamar baixo. No caso do diagrama V x MgO os anfibolitos de Araxá mostram nítido enriquecimento com a diminuição de MgO, o mesmo não se verificando para os anfibolitos das demais regiões. Esta mesma tendência é clara com relação ao Y e, neste caso, há certa semelhança com os anfibolitos de Passos, mas grande diferença quanto aos valores absolutos, que, em Araxá são bem mais elevados. Não há tendências de enriquecimento ou empobrecimento para Abadia dos Dourados e Abadiânia em relação ao Y. Para o diagrama Co x MgO, tanto os anfibolitos de Passos como os de Abadia dos Dourados mostram tendência de empobrecimento com a diminuição de MgO. Para Araxá esta tendência é inversa. Tanto os anfibolitos de baixo TiO2 como os de alto TiO2 acompanham a tendência de enriquecimento em Co com a diminuição de MgO dos anfibolitos de alto TiO2 de Abadiânia. É notável a existência de dois campos de Co para os anfibolitos de baixo TiO2 de Abadiânia, um de alto Co e outro de Baixo Co. Os anfibolitos de Passos e de Araxá também se diferenciam no diagrama Nb x MgO, ambos apresentando enriquecimento de Nb com a diminuição de MgO, mas os últimos apresentando enriquecimento bem mais pronunciado que os primeiros. O Nb mostra-se mais incompatível nos anfibolitos de Araxá do que nos de Passos, à semelhança do Y.

Cr e Ni tendem a decrescer com o decréscimo de MgO para todas as regiões indicando a atuação de processos de fracionamento. A observação destes padrões típicos de rochas ígneas basálticas indica que os anfibolitos relacionados ao Grupo Araxá ainda preservam boa parte de sua herança ígnea. Estes aspectos sugerem que as assinaturas dos diversos elementos químicos, tanto maiores como traço, devem representar populações específicas de rochas ígneas, geradas sob ambientes tectônicos e condições diferentes.

Os ETR dos anfibolitos de Araxá apresentam padrões de distribuição uniformes para as 7 amostras analisadas (figura 7.16 a). Os Elementos Terras Raras Leves (ETRL) estão enriquecidos em relação aos Elementos Terras Raras Pesados (ETRP), com razão La/Lu = 23,35, (La/Yb)CH = 4,74 e mostrando leve anomalia positiva de Eu, Ho e forte anomalia negativa de Yb. Considerando-se a razão (La/Yb)CH os valores dos anfibolitos de Araxá ( 3,15 a 9,67 ) aproximam-se dos de E-MORB (4,8 a 6,9 ) e distanciam-se dos de N-MORB (0,35 a 1,1) e de T-MORB (1,7 a 4,3). Isto indica origem em região do manto enriquecida em ETRL e empobrecida em ETRP. Razões menores que 1 indicam fontes muito depletadas ( Hess, 1989). No entanto, basaltos tipo E-MORB apresentam enriquecimento em Zr ao contrário dos anfibolitos de Araxá que têm baixos valores neste elemento. Outro aspecto é o de que basaltos tipo E-MORB têm razões 143 Nd /144 Nd entre 0,51295 e 0,51286, mais baixos que N-MORB (0,51312 e 0,51302) e mais altos que os de Araxá, situados em torno de 0,51256 (ver Capitulo 8). Com e Nd de + 1,1 e razão 147Sm/144Nd = 0,166, os anfibolitos de Araxá caem no campo dos basaltos toleiíticos, mas afastam-se muito dos campos de MORB com e Nd = + 10 e 147Sm/144Nd variando entre 0,13 e 0,32 (DePaolo, 1988). O baixo valor de e Nd pode estar indicando uma fonte mais enriquecida em elementos incompatíveis do que a fonte que dá origem aos basaltos tipo MORB, ou a uma mistura de fontes empobrecidas com enriquecidas.

A comparação com os padrões de ETR da região da Nappe de Passos (figura 7.16 b) mostra que a única semelhança nos diagramas é o enriquecimento de ETRL em relação aos ETRP. Os anfibolitos de Passos foram subdivididos por Valeriano (1992) e Valeriano e Simões (1997) em três grupos composicionais: a) baixo Ti não-fracionado, b) baixo Ti fracionado e c) alto Ti. Todos têm anomalias negativas de Eu e razões La/Lu de 10 a 14, 25 a 83 e 55 a 111, respectivamente. As anomalias de Eu negativas indicam que o magma foi depletado neste elemento durante processos de cristalização fracionada de plagioclásio (Hess, 1989), o que pode ter sido o caso dos anfibolitos de Passos, ao contrário dos de Araxá que têm anomalias positivas. Nos anfibolitos de Araxá o grupo de baixo Ti tende a apresentar valores mais baixos de ETR do que o grupo de alto Ti. A amostra de mais alto Ti tem La/Yb = 5,17 e a de mais baixo Ti tem La/Yb = 4,67. De qualquer modo, os anfibolitos de Araxá pertencem a uma única suite ígnea com base na assinatura homogênea dos ETR, enquanto que os anfibolitos de Passos representam pelo menos duas suites ígneas.

As diferenças entre os anfibolitos das duas regiões ficam evidentes também nos aracnideogramas (figura 7.17). Os anfibolitos de Araxá mostram forte anomalia negativa de Zr em contraste com os anfibolitos de Passos.

 

7.3.4. Ambiência tectônica e conclusões.

As análises realizadas nos tópicos precedentes demonstram que, sob o ponto de vista geoquímico, os anfibolitos da Faixa Brasília compõem populações diferentes. Comparando-se os resultados analíticos dos anfibolitos de Araxá com médias para elementos maiores e traço de basaltos mundiais bem caracterizados quanto ao seu ambiente tectônico, verifica-se que as diferenças são grandes (tabela 7.9).

Deve-se ressaltar que as médias de basaltos obtidas na bibliografia referem-se a rochas relativamente jovens e representam termos extremos, havendo toda uma transição geoquímica em termos práticos. Segundo Hyndman (1985) isto é devido à graus diferentes de alteração das rochas, definindo-se zonas de transição entre campos composicionais nos diagramas de elementos maiores. De qualquer modo, aceitando-se que as médias calculadas na tabela 7.9 representam efetivamente tipos basálticos específicos, pode-se dizer que os anfibolitos de Araxá são mais empobrecidos em SiO2 que os basaltos em geral, aproximando-se dos valores de basaltos oceânicos alcalinos, basaltos toleiíticos de alto Al2O3 e de basaltos alcalinos de rifts continentais. Mas seus altos valores de TiO2, Fe2O3t, FeO, e seus baixos valores de Al2O3 e CaO, afastam-nos de todas as médias de basaltos mundiais. Também notáveis são as baixas concentrações de Zr e altas de Nb nos anfibolitos de Araxá. A razão La/Yb de 6,5 aproxima-os mais dos toleiítos de rift continental (7,5), e afasta-os dos demais basaltos.

Utilizando-se curvas médias de ETR de basaltos bem caracterizados com relação ao ambiente tectônico em comparação com as curvas de ETR dos anfibolitos de Araxá (figura 7.18), deduz-se que estes mostram comportamento muito distinto de N-MORB e basaltos de arcos de ilhas. Assemelham-se às curvas de basaltos calco-alcalinos, basaltos de rifts continentais e de E-MORB, todas apresentando enriquecimento de ETRL em relação aos ETRP. No entanto, detalhes como as anomalias positivas de Eu e Ho e negativas de Yb, além de valores de Lu mais elevados, demonstram diferenças expressivas. Segundo Condie (1989) empobrecimentos ou enriquecimentos em Eu são ausentes ou muito pequenos na maioria dos basaltos.

Dos aracnídeogramas (figura 7.19), deduz-se que os anfibolitos de Araxá aproximam-se mais da curva dos basaltos E-MORB, mas diferenciam-se destes pela forte anomalia negativa de Zr. Mostram padrões diferentes em relação aos padrões de N-MORB, T-MORB, basaltos de ilhas oceânicas e de basaltos de rifts continentais. Em relação à BABB,têm valores mais elevados de Nb e mais baixos de Zr (Cousens et al., 1994). Além disso, em relação aos elementos maiores, os BABB têm valores bem mais elevados de Al2O3 e bem mais baixos de FeO do que os anfibolitos de Araxá (Price et al., 1990).Deve-se destacar que, no caso de BABB, autores como Price et al. (1990) propõem que eles não representão um termo final, e sim um conjunto de magmas derivados por mistura de fusões derivadas tanto do processo de subducção como do manto litosférico, podendo apresentar composições extremamente variadas.

Todas as evidências apresentadas e discutidas permitem concluir que os anfibolitos de Araxá distinguem-se dos anfibolitos, relacionados ao Grupo Araxá, de Passos, Abadia dos Dourados e Abadiânia, tanto em relação ao comportamento dos elementos maiores como em relação aos menores. Também diferenciam-se dos padrões geoquímicos de basaltos descritos em diversos ambientes tectônicos mundiais. Sua gênese esteve ligada provavelmente a uma fonte enriquecida em Nb, Y, Co, V e ETRL e empobrecida em Zr e ETRP parecida, em alguns aspectos, com fonte mantélica enriquecida que origina os basaltos tipo E-MORB. Deste modo é possível imaginar um contexto oceânico similar à E-MORB para a geração dos anfibolitos de Araxá e, portanto, considerá-los como possíveis fragmentos ofiolíticos, fato reforçado por sua associação com fragmentos de rochas ultramáficas. O comportamento anômalo de Zr, que está presente em maiores quantidades em fontes enriquecidas, é, no entanto, um fator complicador na interpretação do possível ambiente tectônico dos anfibolitos de Araxá. A complexidade do problema é destacada por Nicolas (1989) ao analisar diversas sequências ofiolíticas. Segundo aquele autor, enquanto as seções mais profundas dos ofiolitos mostram assinaturas de ETR e isótopos similares às de MORB, as seções vulcânicas superiores apresentam padrões extremamente variáveis que podem refletir a história evolutiva subsequente à sua formação. Padrões variáveis de ETR são comuns nas seções vulcânicas de ofiolitos, incluindo tendências tipo MORB, e tendências empobrecidas e enriquecidas em ETRL. Segundo Nicolas (1989) o uso de discriminantes geoquímicos para identificar ambientes de origem oceânicos deve ser tratado com muita cautela. Deste modo, as conclusões gerais deste item podem ser apreciadas como uma abordagem inicial ao problema.

 

7.4. Geoquímica das rochas granitóides do Grupo Araxá.

7.4.1. Introdução.

Os diversos corpos de rochas granitóides intrusivas nos micaxistos e rochas metabásicas do Grupo Araxá, na região da Sinforma de Araxá, representam um evento magmático associado ao desenvolvimento de zonas de cisalhamento de baixo ângulo. Este evento ocorreu também a noroeste de Araxá, na região de Abadia dos Dourados, onde Brod et al. (1991) descreveram corpos granitóides, sincinemáticos, intrusivos em micaxistos e rochas metabásicas do Grupo Araxá. Estes corpos são petrograficamente similares aos de Araxá. No sudeste de Goiás, nas regiões de Ipameri e Pires do Rio também foram descritos alguns corpos granitóides alojados sincinematicamente em metassedimentos do Grupo Araxá (Pimentel et al.,1999). Estes autores relacionam estes corpos a um evento colisional, em função de sua tendência peraluminosa. Deste modo, o magmatismo ácido associado ao Grupo Araxá parece representar importante evento no setor meridional da Faixa Brasília, merecendo investigações mais detalhadas.

Os granitos sintectônicos associados ao Grupo Araxá apresentam-se geralmente muito deformados, sendo comum o desenvolvimento de uma foliação milonítica, conferindo às rochas um aspecto gnáissico (capítulo 3 e 4). Além disso, o grau de deformação dos granitóides dificulta as análises petrográficas modais, fato já discutido no capítulo de Petrografia. Neste sentido, uma abordagem geoquímica visando a classificação dos granitóides e suas possíveis implicações petrológicas é fundamental para a compreensão da história evolutiva da região de Araxá.

 

7.4.2. Elementos maiores.

A localização das amostras analisadas pode ser apreciada na figura 7.1. As amostras representam cinco conjuntos de corpos graníticos que receberam as denominações de Serra Velha (460a, 484c, 486b e 2Bn), Araxá (27a, 186c, 216 e 1Cn), Tamanduá (252a e 3An), Quebra Anzol (56b, 205a, 285b, 425a, 446b, 4Dn e 5An) e Pirapetinga (440a) (localização dos corpos - figura 5.50). Os resultados analíticos para elementos maiores são apresentados na tabela 7.10, juntamente com as respectivas normas. Os três primeiros podem representar um só corpo desmembrado tectonicamente.

Algumas amostras têm razões Fe2O3/FeO mais altas que 0,6 o que indica certo grau de oxidação e implica em possíveis alterações químicas (Sial e McReath, 1984) merecendo alguns comentários. A amostra 446b representa a borda do Granito Quebra Anzol, ao longo da rampa lateral sinistral da escama tectônica superior, no contato com os calcifilitos do Grupo Ibiá. É um fácies porfirítico com fenocristais de feldspatos potássicos, contendo de 10 a 15% de biotita cloritizada, acha-se intensamente milonitizada, com quartzo em fitas e está levemente intemperizada. A razão Fe2O3/FeO = 1, com FeOt = 4,48 % e elevado teor de MgO, ambos função da quantidade de biotita e clorita. O baixo teor de SiO2 pode estar relacionado a um empobrecimento neste elemento, com enriquecimento relativo de outros elementos como Al2O3, CaO, FeO, TiO2, Ba e Zr. O enriquecimento em Na2O e CaO e empobrecimento em K2O podem ser devidos à albitização e epidotização de plagioclásios e feldspatos alcalinos durante a milonitização. Outra amostra com problemas é a 440a que também se localiza em situação de rampa lateral sinistral, encontrando-se intensamente milonitizada. Além disso, possui xenólitos de anfibolitos. Em seção delgada contêm anfibólio e titanita, provavelmente xenocristais oriundos do anfibolito, sendo forte candidata à contaminação pelas encaixantes. Estes fatos petrográficos se refletem na norma. É a amostra com maior valor de hiperstênio normativo. Também apresenta SiO2 baixo e quantidade maior de Al2O3, indicando possível lixiviação de SiO2. Ilmenita normativa é elevada, reflexo da titanita modal. As amostras 27a e 1Cn pertencem a um fácies sienítico dos granitos situados nas proximidades de Araxá. O quartzo modal é extremamente baixo, resultando em valores de 0 e 3,4 % nas normas, respectivamente.

A amostra 1Cn tem o maior valor de Al2O3 dentre os granitóides, com 4,2 % de córindon normativo. A amostra 27a tem elevada perda ao fogo. Outras amostras com problemas em relação aos elementos maiores são a 3An, 4Dn e 5An, todas com razões Fe2O3/FeO indicando processos de oxidação. Curiosamente, estas amostras foram analisadas em outro laboratório e referem-se ao artigo de Sgarbi et al. (1998), tendo sido coletadas nos mesmos afloramentos que outras amostras que não apresentam razões Fe2O3/FeO elevadas. Deste modo, além dos problemas ligados às variações nas proporções dos elementos maiores por contaminação por encaixantes, milonitização e intemperismo, acrescente-se certa incerteza analítica. Além disso, a presença de abundantes corpos pegmatíticos associados a todos os granitos e fluorita no granito Quebra Anzol, demonstra que houve intensa atividade de fluidos tardi-magmáticos que podem ter provocado modificações químicas. Sial e McReath (1984) comentam que no caso das rochas ácidas, " a cristalização de fases-traço que concentrem elementos raros, ou liberação de fases voláteis, pode causar grande variação composicional ". Com estas ressalvas em mente, tanto a variação dos elementos maiores em função de um índice de diferenciação, como a classificação normativa devem ser vistas com cautela.

Como a maioria das amostras têm pequena variação de SiO2 a utilização deste parâmetro não é sensível o suficiente para indicar tendências ligadas à processos de diferenciação magmática. Deste modo, para testar as hipóteses de diferenciação magmática e cogeneticidade, optou-se pelo índice de diferenciação de Thornton e Tuttle (Idtt = Q + Or + Ab + Ne + Ks + Lc) que utiliza minerais normativos (figura 7.20). De modo geral, verifica-se que TiO2, FeO, MgO e CaO diminuem com o aumento do Idtt e que SiO2 e K2O aumentam, o que é compatível com tendências de gradação entre granitos menos e mais diferenciados (Hyndman, 1985) (figura 7.20). Levando-se em conta os campos composicionais de cada corpo granítico, nota-se que os granitos Araxá e Serra Velha têm linhas de tendência bem melhor definidas para Al2O3, MgO, CaO, FeO, Na2O e K2O do que o granito Quebra Anzol. Muscovitas primárias dos primeiros, têm variações composicionais de amostra para amostra (Capítulo 6), concordando com este fato. O granito Quebra Anzol possui menos K2O, P2O5, MgO, FeO, TiO2 e CaO, e mais MnO e Na2O, em relação aos outros corpos, desconsiderando-se as amostras 446b e 285b. O granito Quebra Anzol mostra-se composicionalmente e texturalmente mais variado que os granitos Serra Velha e Araxá, embora estes apresentem um fácies sienítico.

Parâmetros multicatiônicos (De La Roche et al., 1980; Batchelor e Bowden, 1985), que representam melhor a distribuição de cátions numa amostra em relação aos diagramas binários de óxidos x índice de diferenciação, foram utilizados na classificação química dos granitos de Araxá (figura 7.21). Este diagrama utiliza dois fatores discriminantes baseados em proporções de miliátomos, os índices R1 {4Si – 11 (Na + K) – 2 (Fe + Ti)} e R2 ( 6 Ca + 2 Mg + Al), que permitem a classificação das rochas e têm implicações petrogenéticas. Do diagrama da figura 7.21 verifica-se que a amostra 285 b é um granodiorito, as amostras 2Bn, 486 b, 252 a e 484 c são granitos, as amostras 460 a, 5An, 216, 186 c 56 b, 425 a e 4Dn são transicionais entre granitos e álcali-granitos, as amostras 3An e 205 a são álcali-granitos e as amostras 1Cn e 27 a representam termos sieníticos. As amostras 446 b e 440 a caem no campo dos granodioritos, mas têm problemas geoquímicos. Portanto, predominam os temos graníticos dentre as amostras estudadas.

Seguindo tendência mais moderna, como o abandono de classificações com fortes vínculos genéticos, como as alfabéticas (granitos tipo I, tipo S, tipo M, Tipo A), Clarke (1992) propõe a utilização do conceito de saturação em alumina de Shand, no qual a razão Al2O3/ (CaO + Na2O +K2O), abreviada como A/CNK, permite distinguir três categorias de rochas granitóides: peraluminosas (A/CNK > 1), metaluminosas ( A/CNK < 1) e peralcalinas ( A < NK). Esta proposição é seguida no presente trabalho, concordando-se com a opinião de Clarke (1992), de que "dada a complexidade genética e química da crosta, granitóides com fontes híbridas devem ser a regra", e por exemplo, " por quê designar um granito como tipo-S, quando ele provavelmente não teve uma fonte exclusivamente sedimentar ?". As amostras dos granitos de Araxá distribuem-se nos três campos, com o índice A/CNK variando de 0,87 a 1,29( Tabela 7.10 e figura 7.22). As amostras 446b, 285b, 186c e 484c caem no campo dos granitos metaluminosos, apenas duas, 205a e 3An são peralcalinas, com 56b e 425a transicionais entre metaluminosas e peralcalinas. As amostras 216, 5An, 27a, 460a , 1Cn, 486b, 440a e 2Bn são peraluminosas, enquanto 4Dn e 252a são transicionais entre metaluminosas e peraluminosas. Os granitos Araxá, Serra Velha e Pirapetinga têm tendência peraluminosa, enquanto o granito Quebra Anzol tende a ser metaluminoso.

O índice de Shand permite separar-se estas populações e compará-las com médias de outros granitos peraluminosos, metaluminosos e peralcalinos (tabela 7.11). Os granitos peraluminosos de Araxá são parecidos aos granitos tipo-S fracionados de Chappell e White (1992, apud Almeida, 1996) e diferem da média dos granitos peraluminosos por apresentarem A/CNK um pouco mais elevado, e teores mais altos de Si e mais baixos de Al e Na. O índice A/CNK um pouco mais elevado é função do teor mais baixo em Na. Petrograficamente são similares aos granitos peraluminosos, pertencendo ao grupo MPG (Muscovite Peraluminous Granites) de Barbarin (1996), que compreende leucogranitos (granitóides félsicos ricos em feldspato potássico e plagioclásio sódico, contendo menos de 5% e minerais máficos) com muscovita primária, granada e turmalina e com xenólitos das encaixantes nas proximidades dos contatos.

O granito Quebra Anzol, quimicamente mais metaluminoso, tem, no entanto, mineralogia similar à dos granitos peraluminosos, com exceção de não conter muscovita primária e ter proporcionalmente mais biotita. Não contém minerais como ortopiroxênio, clinopiroxênio e anfibólio, típicos de granitos metaluminosos, e contém granada e turmalina, típicos de peraluminosos. Têm características similares às dos granitos do grupo CPG (Cordierite Peraluminous Granites) de Barbarin (1996), embora a cordierita não tenha sido identificada.

Uma possibilidade de interpretação para este granito é a mudança da composição química original por processos tardi-magmáticos, contaminação por encaixantes e processos metamórfico/deformacionais, afastando-o de composicões peraluminosas. O mesmo é válido para algumas amostras com mineralogia típica de granitos peraluminosos (186c, 484c, 425a e 56b), que caem no campo metaluminoso, colocando-se também em dúvida as amostras que caem no campo peralcalino. Estes fatos mostram que apesar de problemáticos, os granitos de Araxá mostram uma forte tendência à peraluminosidade, quando observados à luz de dados mineralógicos e geoquímicos conjuntamente.

7.4.3. Elementos traço.

Enquanto os elementos maiores têm relação com a mineralogia dos granitos (Clarke, 1992), os elementos traço nem sempre apresentam ligação direta com a moda. Embora não sejam úteis para a classificação das rochas, os elementos traço podem ser utilizados para inferências petrogenéticas e sobre os ambientes tectônicos nos quais os granitos foram gerados (Pearce et al., 1984; Harris et al, 1986; Föster et al, 1997).

Os resultados analíticos para elementos traço, incluindo os ETR, são apresentados na Tabela 7.12. A distribuição dos diversos elementos traço pode ser apreciada na figura 7.23. Ba, Sr, Zr, V e Cu descrescem com o Idtt, enquanto os demais elementos não têm tendências claras. Nb é mais enriquecido no granito Quebra Anzol em relação aos granitos Serra Velha e Araxá. Estes últimos têm teores similares de Nb em relação ao granito Tamanduá.

Os diferentes padrões de distribuição dos ETR evidenciam que os corpos graníticos da região de Araxá apresentam diferenças marcantes que podem ser reflexo tanto das fontes que originaram seus magmas como dos processos pelos quais passaram em sua evolução (figura 7.24). Os granitos da Serra Velha, Tamanduá e de Araxá apresentam forte anomalia negativa de Eu (figura 7.24a e c), em contraste com os granitos Quebra Anzol e Pirapetinga (figura 7.24 b, d e e).

Dentro do grupo com forte anomalia de Eu discrimina-se três subgrupos diferentes, dados por: a) 486b e 484c, b) 252a, e c) 27a, 186c e 460a (figura 7.24a e c). O subgrupo a têm razões La/Lu de 40,77 e 28,86. Já o subgrupo b tem razão La/Lu de 352,6. Este último valor é decorrente do elevado enriquecimento em ETRL em relação aos ETRP. O fácies sienítico, amostra 27a, tem padrão de ETR similar à amostra 460a, do granito Serra Velha, e à amostra 186c, do granito Araxá, supondo-se ligação genética entre os mesmos (figura 7.24 c). Suas razões La/Lu são 12,39, 20,37 e 50,9, respectivamente. O último valor deve-se a teores mais baixos de Lu na amostra 186c. No entanto, as razões La/Yb são baixas e os valores são de 2,68, 3,16 e 4,27, respectivamente, o que indica que o fracionamento de ETRL em relação aos ETRP neste grupo foi menor do que o primeiro grupo.

Duas amostras, 440a e 446b, a primeira do granito Pirapetinga e a segunda do granito Quebra Anzol, têm anomalias negativas de Eu quase imperceptíveis (figura 7.2 b e d). O padrão das curvas é similar, porém a primeira, com razão La/Lu de 112,32, é mais fracionada em relação à segunda (razões La/Lu = 78,26). A amostra 285b, do granito Quebra Anzol, tem anomalia positiva de Eu, distoando das demais, e apresentando razão La/Lu = 160,66, evidenciando forte fracionamento de ETRL em relação aos ETRP (figura 7.24 e). A anomalia positiva de Eu pode ser uma herança da área fonte, possivelmente por fusão de rocha ígnea, mais do que sedimentar. É possível que também as amostras 440a e 446b, com fracas anomalias negativas de Eu, tenham certa contribuição ígnea em sua composição. Isto também é observado, por exemplo, para o granito Barousse, dos Pirineus, que mostra anomalia de Eu positiva (Harris et al., 1986) (figura 7.24 e).

Comparando-se os padrões de ETR de Araxá com a média dos granitos colisionais Himalaianos e Hercinianos conclui-se que, pelo menos os granitos Serra Velha, Araxá e Tamanduá, são semelhantes àqueles (figura 7.24). Em relação ao granito peraluminoso Capivara (Almeida, 1996), os granitos de Araxá têm menor fracionamento de ETRL em relação aos ETRP (figura 7.24 f).

Uma análise integrada dos elementos traço é apresentada na figura 7.25. Diversos aracnídeogramas mostram as diferenças composicionais dos granitos de Araxá e relacionam-nos com padrões típicos para outros corpos graníticos. Os diagramas foram construidos com os mesmos parâmetros utilizados por Pearce et al. (1984) para efeitos de comparação. Utiliza-se elementos incompatíveis (grau de incompatibilidade crescendo do Yb ao Rb) e a composição dos granitos de cadeias oceânicas como fator de normalização. No entanto, a não disponibilidade de dados de alguns elementos ( Th, Ta e Hf), impõe certos limites à análise comparativa. As curvas completas para comparação são ilustradas nas figuras 7.25 g e h. Destas curvas subtraiu-se os valores para Th, Ta e Hf, além do Rb para a maioria das amostras, comparando-as, então com os dados de Araxá. Nas figuras 7.25 a e b, que descontam os elementos Th, Ta e Hf e os ETR, realça-se a diferença nos valores de Nb mais altos para o granito Quebra Anzol e mais baixos para os granitos Araxá, Serra Velha e Tamanduá. Estes têm suas curvas melhor ajustadas aos valores médios para os granitos colisionais, enquanto as curvas do granito Quebra Anzol são bem distoantes. Quando os ETR são incluidos, e excluidos Rb, Th, Ta e Hf ( figuras 7.25 c, d, e e f) observa-se que as curvas dos granitos Quebra Anzol e Pirapetinga, têm padrões diferentes dos demais granitos de Araxá e da média para os granitos colisionais. Já os granitos Araxá, Serra Velha e Tamanduá têm padrões similares, parecidos aos das médias de granitos colisionais.

Estes resultados, aliados aos demais dados de elementos traço e maiores, permitem concluir-se que os corpos graníticos de Araxá, têm tendência peraluminosa, foram derivados por fusão de fontes crustais mistas, sedimentares e ígneas, e têm histórias evolutivas complexas, num contexto tectônico colisional.

 

7.4.4. Ambiente tectônico e conclusões.

Nos itens precedentes traçou-se algumas considerações em relação ao possível ambiente tectônico em que se geraram os granitóides de Araxá, concluindo-se por um ambiente colisional. Para testar esta hipótese foram utilizados os diagramas multicatiônico de Batchelor e Bowden (1985) e Rb x Y + Nb e Nb x Y de Pearce et al. (1984).

Os fatores discriminantes R1 e R2 possibilitam uma compreensão sobre a progressão das composições químicas de granitos através de um ciclo orogênico (figuras 7.26 e 7.27), desde as etapas de pré-colisão e colisão, até pós-colisão (Batchelor e Bowden, 1985). A mudança progressiva de composições do grupo 2 ao 4 reflete um aumento geral em K2O e Na2O e pode estar ligada a uma fonte comum. Esta variação é denominada tendência da fonte (source trend). A variação perpendicular em relação à tendência da fonte, dentro de cada grupo, é denominada tendência da série. O grupo 7 representa magmatismo pós-orogênico e o 5 anorogênico, e o campo 1 refere-se aos plagiogranitos derivados diretamente de fontes mantélicas. Os granitóides de Araxá caem no campo dos granitos colisionais tendendo aos granitos anorogênicos, e geraram-se por fusão parcial de fontes crustais.

Apenas cinco análises podem ser plotadas no diagrama Rb x Y + Nb (figura 7.28). Elas caem nos campos dos granitos colisionais ( 1Cn – sienito, 3An – Tamanduá) na transição para os granitos intra-placa (2Bn – Serra Velha, 4Dn – Quebra Anzol) e no de granitos intra-placa (5An – Quebra Anzol). No diagrama Nb x Y (figura 7.29), os elevados teores de Nb dos granitos Quebra Anzol e Pirapetinga, fazem-nos cair no campo dos granitos intra-placa, com exceção da amostra 285b. Os granitos Araxá, Tamanduá e Serra Velha caem no campo dos granitos colisionais e de arcos vulcânicos, adentrando o campo dos granitos de intra-placa.

Föster et al. (1997) fizeram uma revisão crítica sobre a utilização e o significado destes diagramas e comentam que "... o problema principal, apontado por Pearce et al. (1984), mas não levado a fundo por muitos usuários dos diagramas, é que a composição dos granitos depende da natureza das rochas fonte, e, somente nos casos mais simples, esta é controlada pelo ambiente tectônico. Nós mostramos exemplos onde o magmatismo de arcos continentais envolveu rochas fonte pelíticas para produzir granitos com uma assinatura colisional. Também comuns são casos onde granitos intra-placa tem uma assinatura de granitos de arcos vulcânicos, porque as rochas fonte foram formadas em antigos arcos vulcânicos. Parece ser claro que ambientes colisionais são capazes de justapor rochas de diferentes proveniências e, se estas, sofrem anatexia, os granitóides resultantes não necessariamente têm uma assinatura colisional." Aqueles autores sugerem que a utilização dos diagramas seja realizada de forma judiciosa, sempre como parte de uma análise mais completa que inclua outras informações geológicas.

A partir da reunião de todos os dados geoquímicos dos granitos da região de Araxá, deduz-se que existem pelo menos dois grupos bem distintos e que não devem ser cogenéticos: de um lado os granitos Araxá, Serra Velha e Tamanduá (que podem ser um só corpo desmembrado tectonicamente) e de outro os granitos Quebra Anzol e Pirapetinga. Os primeiros são claramente peraluminosos, enquanto os segundos são quimicamente metaluminosos, mas petrograficamente peraluminosos. Os primeiros parecem ter sido derivados de fonte crustal sedimentar, enquanto os últimos podem ter tido contribuição ígnea. Os diversos padrões apresentados pelos ETR sugerem que as áreas fonte foram mistas e que a evolução dos magmas até o alojamento final dos diversos corpos graníticos foi complexa.

Clarke (1992) destaca o fato de que a composição de um granito é um somatório de fonte mais processos, porém o mapeamento dos diversos tipos de granitos, peraluminosos, metaluminosos e peralcalinos, demonstra que cada um deles predomina em determinado ambiente tectônico, mas, geralmente, sem a exclusão completa dos outros tipos. Assim, granitos peraluminosos acham-se fortemente associados a ambientes de colisão continental, granitos metaluminosos associam-se com zonas de colisão oceano-continente ou oceano-oceano, e os granitos peralcalinos com zonas de extensão crustal.

Um possível modelo petrogenético para os granitos peraluminosos de Araxá é extraido de Barbarin (1996) e resumido na figura 7.30. Segundo aquele autor, a muscovita primária e a cordierita são indicadores de magmatismos peraluminosos distintos e que as fases como biotita, muscovita, cordierita e granada podem estar relacionadas uma à outra através do equilíbrio: feldspato potássico + granada + cordierita + H2O « muscovita + biotita + quartzo . Deste modo, à medida que a atividade da água aumenta, a assembléia a duas micas é favorecida. O mesmo autor, citando Wyllie (1977), destaca que resultados experimentais confirmam que os granitos a duas micas cristalizam sob fugacidades de água mais elevadas que os granitos a cordierita. O conteúdo inicial de água no magma não ultrapassa os 4% para os granitos a cordierita, mas alcança 7 a 8% para permitir a precipitação de muscovita nos granitos à muscovita. Segundo aquele autor, a grande quantidade de água nestes magmas é fornecida por grandes zonas de cisalhamento ou empurrões que concentram e canalizam fluidos na crosta. Estes fluidos não apenas lubrificam as zonas de cisalhamento, mas também promovem extensiva fusão. Os MPGs mostram evidências de deformação, desde cisalhamento localizado nos bordos das intrusões até completo cisalhamento e alongamento dos corpos paralelamente à estrutura tectônica. Os MPGs são abundantes nos cinturões orogênicos Hercinianos, onde há abundantes zonas de cisalhamento transcorrentes e empurrões, bem como ao longo do Empurrão Principal Central dos Himalaias e são raros nos cinturões em que há poucas zonas de cisalhamento. Desta forma, confirma-se a ligação temporal e espacial destas rochas com estruturas crustais maiores. Além disso, a petrogênese dos granitos peraluminosos a duas micas acha-se intrinsecamente ligada ao controle estrutural regional. Já os granitos CPGs, são rochas menos evoluidas que os MPGs, e são formados por fusão "a seco" de materiais crustais provocada pelo calor que resulta da intrusão de magmas derivados do manto. A anatexia "a seco" resulta em magmas peraluminosos tonalíticos a monzograníticos dos quais cristalizam minerais livres de água como a cordierita. Em contraste, a anatexia "umida" resulta em magmas peraluminosos leucograníticos a monzograníticos dos quais cristalizam minerais hidratados como a muscovita. A abundância de água nos MPGs resulta também na presença de abundantes corpos pegmatíticos que permanecem nas proximidades dos corpos graníticos. Ainda segundo Barbarin (1996), a mobilidade destes magmas na crosta é baixa e geralmente eles se encontram próximos de suas rochas fonte. Destaca que o modelo enfatiza a prevalência dos parâmetros físicos de fusão parcial sobre a natureza das fontes na gênese dos dois tipos principais de granitos peraluminosos. Assim, estes granitos refletem mais as condições da fusão parcial na crosta e suas causas, do que simplesmente sua origem crustal. Isto implica que o ambiente tectônico (colisional) e o desenvolvimento de grandes zonas de cisalhamento (transcorrentes e empurrões) têm papel predominante na gênese destes granitos.

Figura 7.30. Modelo petrogenético para a geração de granitos anatéticos a duas micas (MPG) ou ricos em cordierita (CPG), durante evento de colisão crustal. Modificado de Barbarin (1996).

Deste modo, o alojamento dos granitos peraluminosos de Araxá ao longo de zonas de cisalhamento subhorizontais (lâminas de empurrão), num contexto colisional, suas características petrográficas e geoquímicas, a presença de xenólitos das rochas metassedimentares e metaígneas máficas encaixantes, sua intensa milonitização e a presença de abundantes corpos pegmatíticos e turmaliníticos, aproximam sua gênese da dos granitos peraluminosos a duas micas, no âmbito do modelo proposto por Barbarin (1996).

 

 

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