A FORMAÇÃO DO GEÓLOGO BRASILEIRO
E O MERCADO DE TRABALHO

Manfredo Winge

A carta (Email) que enviei para a revista Veja (transcrição abaixo) com cópia para colegas do Instituto de Geociências da UnB e da Comissão dos Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil, suscitou inúmeras mensagens de apoio, demonstrando a oportunidade de levantarmos questões pertinentes à nossa profissão junto à sociedade em geral para que  hajam um entendimento razoável do que é geologia e um melhor aproveitamento dos profissionais da geologia no país.

Entretanto, em algumas destas mensagens, percebe-se que houve uma idéia errada da intenção exposta na carta e com implicações na questão da formação do geólogo brasileiro.

A formação do nosso geólogo foi objeto de candentes discussões nos colegiados do antigo GEO - Departamento de Geociências, e do atual IG - Instituto de Geociências da Universidade de Brasília, principalmente quando o tema era revisão do currículo de graduação. O assunto foi enfocado, inclusive, em reuniões específicas e gerais (professores, alunos e técnicos) no ano de 1995 durante a gestão do Prof. Fuck, com o objetivo de rever matérias e metodologias em virtude das progressivas dificuldades no mercado de trabalho da geologia no Brasil e no mundo.

Entre as diversas teses, contrapunham-se, e aqui entra a questão que procuramos levantar, (1) a proposta de  manutenção das disciplinas fundamentais da geologia como base da formação de um geólogo polivalente, acrescentando-se somente algumas disciplinas de preparação profissional e estágios supervisionados, e, por outro lado, (2) a filosofia de formação bem objetiva e completamente dirigida para as necessidades do mercado, sendo que disciplinas básicas que não interessassem, não precisariam ser cursadas pelo aluno na dependência da "especialização" profissional que ele escolhesse.

O curso de geologia da UnB vinha (e vem) sendo, por vários anos, classificado como dos melhores do país segundo vários conceitos, desde a Capes/CNPq até o "ranking" da revista PlayBoy.

Cabe dizer que o curso sempre seguiu a filosofia da primeira tese acima acompanhada da idéia de que "fazendo é que se aprende", isto é, com muitos trabalhos práticos  de campo e de laboratório, destacando-se o trabalho de "tese de graduação" (TG), tambem chamado "trabalho final" (TF), verdadeiro exercício profissional de cartografia e levantamento geológico de regiões didaticamente selecionadas ao fim do curso, com os alunos trabalhando em duplas, orientados, com revezamento, por professores que os acompanham, lado a lado, no campo e no laboratório. Assim, dentro do princípio de que "em time que está ganhando, não se mexe",   venceu a primeira proposta nesses seminários e reuniões internas.

Esta linha programática é defensável, usando-se, entre outros, os seguintes argumentos:

Este conhecimento de novas técnicas e equipamentos associados pode (deveria?) ser patrocinado pelo setor empresarial interessado, dentro da Universidade ou como treinamento em serviço nas próprias empresas, contando, sempre que possivel, com a  parceria da Universidade.

A formação especializada do geólogo polivalente, visando o mercado de trabalho poderia ser realizada em patamares:

  1. Durante a graduação, em nível de conhecimento (approach): disciplinas de fim de curso que hoje são dadas esporádicamente e que, seguramente, são de importantes campos de aplicações, como hidrogeologia, geologia ambiental em diversos aspectos de conteúdo e metodológicos, geotecnia,.. seriam mais enfatizadas e, se justificado, transformadas em obrigatórias. Assim, o aluno ao concluir o curso já teria um V0 em algumas das principais especializações da aplicação da geologia;

  2. Formalização de sistema de estágios profissionais durante a graduação, envolvendo maior integração no relacionamento Universidade-Empresa, seja de estágios nas empresas, seja de programa de estágios na universidade. Deve ser evitado o uso de estagiários como mão de obra qualificada barata e cobrada a responsabilidade de professores orientadores dos estagiários

  3. Cursos/disciplinas de extensão ensinando o uso de novas tecnologias que interessam ao mercado de trabalho. A clientela pode ser representada por geólogos de empresas interessadas, geólogos recem-formados e alunos formandos com pré-requisitos definidos. Vários desses cursos de interesse profissional podem ser patrocinados por empresas interessadas.

  4. Cursos de especialização e pós-graduação (mestrado e doutorado). Como já vem ocorrendo incipientemente, as empresas e a universidade podem dar as mãos nesta atividade para a formação de pessoal com alto nível técnico e científico e com temas de tese de interesse mútuo.

    Maio de 2000

Veja tambem:

Cópia do email enviado à revista VEJA:

Senhor editor

Na matéria "MEU EMPRÊGO É VERDE" (Veja de 17/05/2000), entre os profissionais que tem atuação na preservação do meio ambiente, foi esquecida uma das categorias da maior importância nesta área: o geólogo.

Entre os diversos profissionais que pesquisam a "mãe natureza" cabe um destaque especial ao geólogo (Geologia=> geos= terra; logus=estudo/conhecimento).

O conhecimento geológico básico é fundamental ao desenvolvimento social e econômico de qualquer país e, por isto, deve ser considerado patrimônio público, o que implica em que os governos devem aplicar recursos para a sua obtenção. Veja-se, neste sentido, o importante papel dos levantamentos geológicos na economia e na preservação ambiental dos países mais desenvolvidos.

Pode-se fazer uma analogia entre a nossa nação, proprietária de um imenso e rico país, e um fazendeiro, proprietário de extensas glebas: se tiver, previamente, os conhecimentos técnicos adequados e um bom mapeamento do seu "trato de terra", esse proprietário saberá onde arar e onde deixar a vegetação original para não provocar erosão e para preservar as fontes de água, onde construir a sua moradia e fazer estradas, evitando as quedas de barreiras, a erosão e consequentes assoreamento e inundações de rios, entre outros riscos, onde buscar a água mais pura de nascentes ou de poços artesianos e como não poluir o seu manancial de água subterrânea, como explorar eventuais jazidas sem poluir o meio ambiente, como aproveitar melhor os seus resíduos, onde fazer as suas fossas e depositar o lixo para evitar a poluição dos lençóis de água subterrânea, etc...

Por falta de uma correta divulgação, o geólogo tem sido visto quase que exclusivamente como um pesquisador de jazidas minerais. Ao mesmo tempo, os levantamentos geológicos básicos, função de govêrno, vêm sendo contemplados com recursos ínfimos face à atual política imediatista de esterilização do nosso dinheiro público (derivado da tributação do povo) para o pagamento de uma dívida impagável deste modo ("papagaio" sobre "papagaio") somente para a manutenção aparente da moeda (que pode se tornar podre de uma hora para outra face às rapinagens da ciranda financeira internacional).

Talvez por conta destes fatos que a reportagem veiculada na edição de 17/5/2000, mostrando as novas perspectivas de emprego que as políticas de preservação do meio ambiente vem trazendo para várias profissões, ignorou o importante papel do geólogo que é um profissional preparado para atuar em várias frentes do monitoramento e preservação ambiental, desde a macro-visão, usando a fotointerpretação de imagens obtidas por satélites, a sismologia e várias outras técnicas geofísicas, passando por uma série de habilitações como o estudo das estruturas, da geoquímica e dos tipos de rochas e seus minerais, até a micro-visão, como, por exemplo, o rastreamento isotópico de contaminantes da água subterrânea, os estudos cristalográficos de tipos de argilas, de sistemas coloidais em suspensão,.. que afetam a qualidade do ar, da água, da terra e da vida da região estudada.

Não se trata de fazer aqui apologia de uma profissão, buscando com "esprit de corp" um lugar ao sol para os inúmeros geólogos desempregados (ou sub-empregados fazendo cursos de pós-graduação para sobreviver como geólogos), mas sim, de abrir um melhor horizonte sobre os campos profissionais que realmente são substantivos quando se deseja, com seriedade, estudar e preservar o meio ambiente e a qualidade de vida de nossa terra arrasada por interesses "madeireiros", "carvoeiros" e outros típicos de uma sociedade que perdeu o seu norte cultural para uma visão mesquinha e egoista da vida.

Prof. Manfredo Winge - mwinge@terra.com.br

Pesquisador associado do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília ) e
membro da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos

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