UnB - Instituto de Geociências - Produção Científica
RESUMOS EXPANDIDOS / EXPANDED ABSTRACTS 


A TRANSIÇÃO ENTRE A SEQUÊNCIA GABRO-ANORTOSÍTICA SERRA DA MALACACHETA (SSM) E OS METABASALTOS DA BASE DA SEQUÊNCIA JUSCELÂNDIA (SJ) - IMPLICAÇÕES NA GÊNESE DOS COMPLEXOS BARRO ALTO (CBA), NIQUELÂNDIA (CN) E CANABRAVA (CC), GOIÁS.

Manfredo Winge-UnB
José Caruso Moresco Danni-UnB

In: Simpósio de Geologia do Centro-Oeste, 4, Brasília/DF; 1994, SBG. Resumos Expandidos:131-134.

1. Introdução

A ocorrência de complexos máfico-ultramáficos granulitizados associados a suites gabro-anortosíticas anfibolitizadas é uma feição comum em várias regiões cratônicas(18). Nos domínios do Maciço Mediano de Goiás, os complexos Canabrava, Niquelândia, e Barro Alto definem uma zona de colisão de blocos crustais com cerca de 350 km de extensão longitudinal no interior da qual estão tectonicamente imbricadas distintas associações de rochas plutogênicas e supracrustais. Falhas inversas e transcorrentes, geradas e reativadas em sucessivas épocas, impuseram a segmentação interna dos complexos imprimindo a cada um diferentes formas, organização e distribuição de suas unidades. Apesar de exibirem diferentes anatomias, guardam estreitas analogias entre seus tipos de associações petrogenéticas e os registros tectono-metamórficos impressos em suas rochas.
As interpretações tectono-magmáticas sobre a origem destes complexos têm seguido três principais linhas de racionalização: 1) origem a partir de uma câmara magmática basáltica situada em ambiente cratônico (15;9;7). Girardi et al.(9) não reconhecem eventos tectono-metamórficos no CN; as associações minerais seriam produtos de cristalização orto ou tardimagmáticas. Ferreira et al.(7) reconhecem a atuação de metamorfismo que seria monocíclico, progressivo nos fácies anfibolito e granulito, com desenvolvimento de dobras e foliações e definem a idade magmática do CN (1.580 Ma) e a do metmorfismo (780 Ma); 2) Modêlo ofiolítico em que todas rochas plutogênicas integrariam sistema de câmara-manto sob crosta oceânica obductada durante a orogênese uruaçuana (1;2;3;14;17); 3) Modêlo policíclico (6;8;4) com dois estágios: a) formação de complexos acamadados infracrustais submetidos a evento metamórfico granulítico e b) geração de rifts com formação de crosta oceânica. Nesta proposta é advogada uma divisão interna, com duas suites de rochas plutogências, geneticamente independentes, e dois eventos metamórficos distintos: um de fácies granulítico e outro anfibolítico. As unidades gabro-anortosíticas e metabasálticas exemplificariam a formação de uma crosta oceânica.
Independentemente das controvérsias sobre a origem das rochas máfico-ultrmáficas granulitizadas é fundamental para a definição genética dos complexos o esclarecimento das relações petrogenéticas e estratigráficas entre as suites gabro-anortosíticas e as rochas supracrustais meta-basálticas e, neste sentido, a geologia da região da Serra da Figueira assume singular importância.

2. Transição entre as sequências Serra da Malacacheta e Juscelândia na Serra da Figueira

A Serra da Figueira, com cerca de 10 x 2km de extensão EW, está situada entre os rios das Almas e São Patrício, na porção N-NW do CBA. Suas elevações são sustentadas por um gabro fino que exibe textura diabásica (microfoto 1), ocasionalmente porfirítica, perfeitamente preservada em meio a rochas parcial ou totalmente convertidas em anfibolitos. Associam-se a este microgabro: hornblenda gabros médios com texturas sub-ofíticas tendendo a granoblásticas com fenocristais milimétricos de plagioclásio e fases pegmatóides esparsas com hornblenda até centimétrica; coronitos com Ol (ou OPx) envolvida por simplectitos de CPx+Esp, granada e hornblenda; granada anfibolitos maciços a bandados, médios a grosseiros, com textura granoblástica a nematoblástica. Estes tipos petrográficos, à exceção dos termos diabásicos, correspondem, exatamente, às rochas da SSM que ocorre 20km a leste da serra e daí se estende ao longo do CBA, delimitada por falhas entre a sequência de rochas granulíticas, estruturalmente abaixo, e as supracrustais da SJ. Esta unidade plutônica faz contato transicional, em toda a extensão da Serra da Figueira, com os anfibolitos finos (metabasaltos) da SJ na forma de fácies microgranulares de diabásio os quais representam o elo de transição entre rochas plutogênicas e as basálticas conforme já referido anterioremente (16;4).

3. Afinidade geoquímica entre as rochas das sequências Juscelândia e Serra da Malacacheta

Nos diagramas anexos encontram-se os dados de 59 análises de rochas da SJ e da SSM obtidos de R.A.Fuck (inéditos), Moraes (12) e M.Winge (inéditos). Nota-se a natureza bimodal do magmatismo e a distribuição sistemática entre campos de basaltos e gabros LKT de geração em áreas de expansão oceânica conforme já identificada anteriormente (5;11;13). 
Os metagabros da SSM, incluindo os termos mais diferenciados, estão agrupados, nos diagramas de discriminação, junto com os metabasaltos da SJ o que é indicativo da cogeneticidade magmárica das duas sequências.

4. Considerações sôbre a relação entre os fácies gabronoríticos granulitizados e os gabro-anortosíticos anfibolitizados 

O contato entre as unidades gabronorítica granulitizada e gabro-anortosítica anfibolitizada é, cacteristicamente, tectônico e envolve fragmentos de rochas siálicas milonitizadas, verificando-se, também, fatias tectônicas de granulitos dentro da sequência gabro-anortosítica e em gnaisses de embasamento. Além disso, os granulitos apresentam-se poli-metamorfisados sendo comum a ocorrência de paragêneses anfibolíticas barrovianas superimpostas às paragêneses granulíticas, de maior gradiente geotérmico. Ademais, é feição marcante a ocorrência, na sequência granulitizada, de brechas magmáticas (eg. Córrego do Guará e Vista Alegre no CBA e João Caetano no CN) com os mais variados tipos de xenólitos (gabronoritos a gabro-dioritos finos, os mais comuns, piroxenitos, mármores, granada quartzitos, rochas cálcio-silicáticas, leptinitos..); alguns, completamente angulosos, são testemunho de ambientes com tectônica rúptil. A matriz destas brechas tem composição gabronorítica a granodiorítca, comumente quartzo diorítica. Por outro lado, significativamente, não são conhecidas ocorrências de xenólitos nas sequências gabro-anortosíticas. Consequentemente, refuta-se a concepção de que estas duas suites (granulítica e anfibolítica) correspondam à evolução tectono-metmórfica de uma mesma câmara magmática.

5.Conclusões

I- O conjunto gabro-anortosito-coronítico anfibolitizado da SSM corresponde à base crustal oceânica (camada 2) da SJ (camada 1 + depósitos terrígenos) verificando-se, além de quimismo afim, gabros diabásicos como termos de transição entre as sequências. Este conjunto é distinto das fácies apicais de uma intrusão tipo Bushveld, em ambiente de rift continental, como tem sido proposto. É possível que as sequências anortosíticas correspondam a compartimentos e/ou estágios especiais de constituição de crosta oceânica com câmaras magmáticas mais desenvolvidas em um modêlo que poderia ter analogia moderna com o ofiolito Yakuno do Japão estudado por Ishiwatari(10). 
II- Os metabasaltos da base da SJ constituem o teto vulcânico da suite plutônica gabro-anortosítica. Os metabasaltos não podem ser considerados, portanto, como as encaixantes de uma intrusão tipo Bushveld e, consequentemente, a idade da sequência vulcano-sedimentar deve ser a mesma da dos gabro-anortositos.
III- As sequências granulitizadas e anfibolitizadas dos complexos não podem ter se originado em um mesmo aparelho intrusivo com magmatismo cogenético visto que: a) estão sistematicamente separadas por falhas; b) intrusões tardias com brechas plutônicas apresentando xenólitos por vezes angulosos e de diversos tipos ocorrem nos granulitos mas não são encontradas, nem como vestígios, em nenhuma das sequências gabro-anortosíticas anfibolitizadas. Presume-se que estas sequências, granulíticas e gabro-anortosíticas, estejam sistematicamente associadas, a exemplo do que ocorre em outras regiões da Terra, porquê: a)desenvolveram-se em um mesmo ciclo tectogênico mas em ambientes geológicos diferentes; ou porquê: b)sendo de idades diferentes, foram tectononicamente acopladas devido a um tipo de evolução que tenha favorecido a ocorrência de rupturas crustais, intrusões (underplating?) e metamorfismo de alto grau em sítios preferenciais retomados em ciclos tectogênicos sucessivos.

Referências bibliográficas
1)ALMEIDA,F.F.M. 1967. DNPM/DFPM,Boletim 241, Rio de Janeiro.
2)ALMEIDA,F.F.M. 1968. Anais Acad.Bras.Ciências,40 (Suplemento): 285-295, Rio de Janeiro.
3)BERBERT,C.O.1970. Boletim1:20-24; Congresso Brasileiro Geologia,Brasília.
4)DANNI,J.C.M.;FUCK,R.A.;KUYUMJIAN,R.M.; LEONARDOS,O.H.; WINGE,M. 1984. RBG. 14(2): 128-136.
5)DANNI,J.C.M.;KUYUMJIAN,R.M.1984.Anais..:4126-4136; Congresso Brasileiro de Geologia,33; Rio de Janeiro.
6)DANNI,J.C.M.;LEONARDOS.O.H. 1980. Abstr.V.1: 35; Intern. Geolog. Congrss, 26, Paris.
7)FERREIRA,C.F.;NILSON,A.A.;NALDRET,A.J.1992. Precambrian Research,59:125-143.
8)FUCK,R.A.;DANNI,J.C.M.;WINGE,M.;ANDRADE,G.F.;BARREIRA,C.F.;LEONARDOS,O.H.;KUYUMJIAN,R.M. 1981. Atas: 447-467; Simposio Geologia Centro-Oeste,1; Goiânia.
9)GIRARDI,V.A.V.;RIVALENTI,G.;SINIGOI,S. 1986. Journal Petrology,27:715-744.
10)ISHIWATARI,A.1985. Journal Petrology.,26: 1-30.
11)KUYUMJIAN,R.M.;DANNI,J.C.M.1991. Revista Bras. Geociências.,21(3):218-223.
12)MORAES,R.1992. Dissertação de Mestrado No. 75, IG/UnB (inédito).
13)MORAES,R.;FUCK,R.A.1992. Boletim Resumos, v.2:27; Congresso Brasileiro Geologia, 37; São Paulo.
14)MOTTA,J.;ARAÚJO,V.A.;MELLO,J.C.R. 1972. Projeto Niqulândia. DNPM/CPRM. Goiânia. (inédito)
15)PECORA,W.T.;BARBOSA,A.L.M.1944. DNPM/DFPM,Boletim 64; Rio de Janeiro.
16)RIBEIRO,M.E.R.;NABUT,A.F.1982. Trabalho Final de Graduação, UnB/GEO (inédito).
17)THAYER,T.P.1972. Anais, 1:35; Congresso Brasileiro de Geologia,26
18)WINDLEY,B.F.1977. The evolving continents. London; John Willey.385p.


Fotomicrografia 1 - micro-gabro com textura diabásica (ponto 2MW599) no leste da Serra da Figueira, NW do CBA; representa fácies de transição entre o conjunto gabro-anortosítico da SSM e os metabasaltos da SJ. Ripas de bitownita (0,5mm) reliquiares entre hornblenda e opacos com raros CPx reliquiares e granada neoformada que tende a formar coroas entre Ol (ou OPx) e Plag em fácies associados. Representa o elo entre níveis infra e supracrustais oceânicos. Luz //; lado maior=3,3 mm 

Figura 1 - dados químicos de 59 amostras de rochas da SJ (triângulos e asteriscos) e da SSM (quadrados) obtidas de M.Winge (inéditos), Moraes(1992) e de R.A.Fuck (inéditos) mostram agrupamento indicativo de afinidade química e cogeneticidade magmática. Tanto metabasaltos quanto metagabros indicam ambiência de geração em expansão crustal oceânica.

Figura 2 - mesmos dados químicos da Figura 1, observando-se aqui o caráter bimodal do magmatismo juscelândia, característico de sequências em regime extensional, sem a formação de rochas andesíticas que poderiam indicar geração em área colisional