Serra da Bodoquena:
Parque
Nacional ou APA?
Paulo
César Boggiani
Prof. da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
e Diretor Científico da FUNDECT-
Fundação de Apoio e de Desenvolvimento ao Ensino, Ciência e Tecnologia do
Estado de Mato Grosso do Sul
Diante do processo de criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena venho a público esclarecer minha opinião pessoal a respeito do assunto da mais alta importância aos interesses não só do Estado como de toda a Nação devido ao fato de envolver a questão da preservação de nossos recursos naturais para as gerações futuras.
O Estado de Mato Grosso do Sul é conhecido pelas suas inusitadas belezas naturais, com destaque para o Pantanal e a Serra da Bodoquena. Não temos em Mato Grosso do Sul nenhuma unidade de conservação do tipo Parque Nacional. Nas proximidades do Rio Paraná, vem sendo implantado o Parque Estadual de Invinhema, como medida compensatória da Usina Hidrelétrica Sérgio Motta e na cidade de Campo Grande há uma reserva de apenas 170 ha, o que é insuficiente diante do potencial do Estado em áreas naturais ainda preservadas.
O Estado de Mato Grosso do Sul encontra-se em débito com a humanidade no sentido de demonstrar seu real compromisso com a preservação através da criação de parques e reservas, ainda a melhor forma de preservação de áreas naturais, e destiná-las à pesquisa científica e fins educativos e recreacionais, com a possibilidade ainda de viabilizar atividade turística desde que controlada e monitorada. Estas unidades de conservação são denominadas de uso indireto, porque apenas é permitido o aproveitamento indireto dos seus benefícios.
Para toda obra causadora de algum tipo de impacto ambiental, é exigido como medida compensatória a destinação de recursos para unidades de conservação que tiverem suas áreas ou proximidades atingidas pelo empreendimento. Esta exigência foi colocada pelo CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, Resolução 02/96, segundo a qual serão revertidos, para este fim, 0,5 % do valor da obra.
Com relação à obra do Gasoduto Bolívia – Brasil, que atravessa diversos estados brasileiros, recursos compensatórios estão sendo destinados para levantamento fundiário, demarcação e aquisição de terras do Parque Nacional de Aparados da Serra (RS e SC), São Joaquim (SC) e Superagüi (PR). Para o Estado de Mato Grosso do Sul, estão reservados R$ 1 500 000,00 para levantamento fundiário e aquisição de terra para para criação do Parque Nacional de Serra da Bodoquena.
É preciso lembrar que a área sugerida pelo IBAMA para criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, que totaliza 90 000 ha, é o que restou de floresta nativa em área que apresenta relevo acidentado onde a rocha é aflorante, não sendo apropriada à agricultura e nem à pecuária. Esta região foi preservada em função da dificuldade de acesso e estão excluídos os assentamentos agrícolas, com exceção de uma pequena parte do Assentamento Canaã.
A área proposta para o Parque, além do indiscutível interesse científico, é de fundamental interesse para preservação dos atrativos turísticos em exploração na região de Bonito, Jardim e Bodoquena. Isto porque trata-se de um maciço rochoso calcário elevado onde as águas infiltram e ressurgem na planície abaixo, formando os olhos d’água e os rios de águas límpidas e transparentes. A presença do calcário proporciona a formação de um relevo muito frágil, que recebe o nome de carste. As águas apresentam carbonato de cálcio dissolvido, o que proporciona o crescimento das cachoeiras de tufas calcárias que formam conjuntos de rara beleza cênica.
Deve-se deixar muito claro, portanto, que a manutenção de forma intacta da área sugerida para o Parque Nacional da Serra da Bodoquena é de extrema necessidade para a continuidade da atividade turística das áreas de entorno, ou seja, como o avanço do desmatamento sobre aquela área, todos os atrativos da região encontram-se seriamente ameaçados, assim como a crescente atividade turística da região.
Considerando que as formas apropriadas para preservação permanente de determinados biomas são as unidades de conservação de uso indireto, ou seja, parques e reservas, vejo com muita preocupação o fato de importantes áreas naturais do Estado de Mato Grosso do Sul não se encontrarem sob este tipo de proteção.
Deve ser destacado que o aumento do desmatamento no nosso estado provavelmente é uma das causas do aumento da incidência da leishmaniose visceral, doença que pode causar até a morte, aumento este que poderia ser minimizado com a manutenção das florestas na área sugerida para o Parque, o que demonstra que a preservação das nossas florestas é necessária para a manutenção da qualidade de vida.
Diante da iminência da criação do Parque, houve a reação dos proprietários da área. Muitos destes preservaram as florestas, mas há aqueles que as vem desmatando. Os proprietários reclamam, com razão, de que não foram ouvidos e não participaram do processo, o que levou a Comissão do Meio Ambiente da Câmara Federal a realizar reuniões com o objetivo de levantar as opiniões da comunidade envolvida.
Durante este processo, a questão evoluiu com a formulação de duas propostas muito claras: a proposta de criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, com área de 90.000 ha, e a proposta da FAMASUL de, ao invés de um parque, ser criada uma APA – Área de Proteção Ambiental.
A APA se insere na definição de Unidade de Conservação de Uso Direto, ou seja, onde é permitida a utilização dos recursos naturais porém de forma sustentável. São no geral áreas mais extensas do que os parques e reservas e têm como objetivo disciplinar a ocupação das terras e promover a proteção ambiental. Nas APA’s, ao contrário dos parques e reservas, a atividade humana pode e deve existir, desde que orientada e regulamentada de forma a evitar a degradação ambiental.
A área proposta para o Parque é terminantemente imprópria à ocupação humana. Literalmente é rocha e floresta com escassez de água, restrita aos dois rios que cortam a área, o Rio Salôbra e o Rio Perdido. A vocação natural da mesma é um parque ou reserva, o que já foi apontado por estudos anteriores como o Projeto RADAM – BRASIL, realizado em 1982, durante o qual forma efetuados levantamentos dos recursos naturais de grande parte do território brasileiro.Em 1989 foi realizado o Macrozoneamento Geoambiental do Estado de Mato Grosso do Sul, no qual participaram mais de cinqüenta técnicos e pesquisadores da Secretaria de Planejamento, EMBRAPA, IBGE entre outras instituições do Estado. Neste estudo é mencionado na sua página 213 o seguinte:
Considerando-se que o Estado de Mato Grosso do Sul não possui até o momento nenhuma área de preservação permanente aprovada por lei seja do tipo Parque Nacional ou Estadual, seja Reserva Biológica, sugere-se que sejam incrementados estudos de viabilidade para sua implantação o mais rápido possível, antes que os recursos naturais, que se queira e devem ser preservados, esgotem-se ou tenham sua destruição acelerada de forma irreversível. Na Serra da Bodoquena, ocorre uma área com várias características naturais que a tornam merecedora de estudos, para transformá-la em uma unidade de preservação permanente. Além de se constituir, possivelmente, na maior extensão de floresta natural do Estado sem estar descaracterizada pela ação antrópica, possui relevo cárstico, onde o processo de dissolução contribui para gerar paisagens originais.
A área sugerida pelo Macrozoneamento Geoambiental do Estado de Mato Grosso do Sul é diferente da proposta pelo IBAMA para o Parque, por não incluir o Vale do Rio Salôbra e inserir a Bacia do Rio Formoso. A proposta do IBAMA é mais apropriada por incluir apenas as áreas de morraria, as quais na sua maioria já são Áreas de Preservação Permanente, em função da declividade do terreno.Entendo a dificuldade pela qual o IBAMA vem passando devido ao número reduzido de funcionários, mas vejo uma possibilidade de articulação entre as diversas instituições governamentais e não-governamentais do Estado e as quatro Universidades presentes em Mato Grosso do Sul para propor uma forma de gerenciar o parque juntamente com a comunidade local e os fazendeiros que permanecerão nas áreas limítrofes ao parque.
Com a criação do Parque, será aberta uma possibilidade de obtenção de recursos, inclusive internacionais a fundo perdido, para realização de pesquisas científicas e desenvolvimento de uma atividade turística sustentável que possibilite a geração de emprego e renda para uma das regiões mais pobres e pouco desenvolvidas de Mato Grosso do Sul.
A atividade de ecoturismo vem se mostrando uma alternativa na geração de emprego e renda neste momento de crise. O IBAMA e a EMBRATUR vem estrurando programas de ecoturismo nos parque nacionais e vejo a um risco de nosso estado ficar fora deste processo por não termos ainda nenhum parque ou reserva.
Sou favorável, portanto, à criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, nos moldes propostos pelo IBAMA, para o qual os proprietários devem receber a indenização justa pelas suas terras abrangidas pelo parque e por entender, ainda, que as áreas onde se desenvolvem a pecuária e agricultura não serão atingidas e que, com o parque, poderão se beneficiar ainda com a atividade turística. Defendo também o equacionamento da questão da reserva legal das fazendas lindeiras.
Vislumbro na criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena a oportunidade de mostrar para a Nação e o Mundo o compromisso do Estado de Mato Grosso do Sul de preservar nossos recursos naturais para as gerações futuras e estruturar um parque nacional que seja exemplo para o Brasil e o Mundo.