PREOCUPAÇÕES AMBIENTAIS NÃO PODEM SER MONOPÓLIO DOS AMBIENTALISTAS

 

Tendo a divulgação do histórico Relatório Nosso Futuro Comum pela ONU em 1987 como marco da institucionalização e sistematização das teses ambientalistas em todo o mundo, contabilizam-se já 20 anos de um intenso e tenso processo de incorporação dessas teses à prática das administrações públicas em seus vários níveis, das empresas privadas, em todo seu enorme espectro, e da sociedade, consideradas suas instituições civis e seus cidadãos.

Em todos esses anos pode-se afirmar que a única força política que verdadeiramente insistiu permanentemente para a “oficialização” das preocupações ambientais foi o movimento ambientalista, constituído essencialmente por cientistas independentes, mas engajados aos princípios ambientalistas, por organizações não governamentais, as quais se multiplicaram geometricamente nos últimos anos, e por cidadãos, especialmente os jovens, que ajudam a repercutir as bandeiras e reivindicações associadas à conservação ambiental. Secundaram e reforçaram essa força política independente alguns departamentos de poderosos organismos internacionais, com real destaque para a ONU.

Importante considerar que apesar de todos os enganos, exageros, ingenuidades que possam ter sido cometidos pelo movimento ambientalista, algumas vezes até se deixando servir a fortes interesses escusos, esse sempre será um preço muito barato que a Humanidade paga pelos enormes benefícios que esse movimento já produziu para todos os cidadãos. Não fosse esse movimento, com todos seus méritos e deméritos, a sustentabilidade do planeta estaria já sensivelmente mais comprometida.

Porém, em que pese todo esse esforçado proselitismo e as insistentes pressões políticas a ele associadas, infelizmente não se pode ainda afirmar que as preocupações ambientalistas disseminadas aos quatro ventos tenham realmente encontrado eco e se reproduzido, além de débeis e demagógicas concessões, nas administrações públicas e privadas de nosso país. Hosanas às honrosas e esperançosas exceções.

Ao contrário do êxito esperado, o que se nota é que além de débil, e muitas vezes demagógica, essa assunção das práticas e preocupações de conservação pelo mundo público (governo) e privado (empresas e suas entidades representativas) se faz acompanhada de perigosíssima deformação funcional, ao delegar as preocupações e as responsabilidades ambientais a instâncias insuladas dentro dos organogramas de gestão. Essa grave deformação, pela qual na administração pública as questões ambientais ficam exclusivamente a cargo de ministérios e secretarias específicas, e na administração privada ficam a cargo de ouvidorias e departamentos exclusivos, o que poderia ser justificado em uma etapa inicial e primária, leva à idéia e ao comportamento geral segundo o qual todo o corpo restante das organizações públicas e privadas descompromissa-se de preocupações e práticas ambientais sob o argumento, ou constatação, ou pressuposição, de que essa temática não lhes compete, sendo de responsabilidade exclusiva de tal e tal departamento responsável para tanto. Algo assim que sugere o seguinte raciocínio generalizado no corpo realmente funcional das instituições e empresas: “vamos tocar isso à nossa moda e o mais rápido possível, antes que aqueles chatos do Meio Ambiente apareçam. E sem esquentar a cabeça, porque no fundo é assim que o chefe gosta.”

Com as mesmas raízes, também no mundo acadêmico e da Ciência e Tecnologia verifica-se esse deletério fenômeno de segregação e isolamento disciplinar e profissional da formação e da atividade em Meio Ambiente. Em resposta oportunista aos empregos que a legislação ambiental induziu na área pública e na área privada, Universidades, Faculdades e Cursos Técnicos apressaram-se a apresentar-se como formadores de especialistas em Meio Ambiente. Como decorrência direta, absurdamente multiplicam-se por aí engenheiros ambientais, geólogos ambientais, advogados ambientais, biólogos ambientais, técnicos ambientais, etc., etc. Fato que sugere no meio profissional a mesma reação de descompromisso por parte das demais especialidades: “vamos em frente, não dá bola para essas coisas, depois os especialistas em Meio Ambiente passam por aqui e resolvem os problemas que eles achem que possam existir.”

Sem falar do absurdo em se formar um profissional especializado em Meio Ambiente que possa prescindir de uma formação profunda e consistente nos fundamentos básicos e na prática de campo de sua profissão, seja a Engenharia, a Geologia, a Biologia, a Química, a Agronomia, etc. Como um Engenheiro ou um Geólogo, ditos ambientais, poderiam, por exemplo, resolver um problema de contaminação de solos e do lençol freático sem uma sólida formação em hidrogeologia, hidrogeotecnia e geoquímica? E como resolver um problema de estabilidade e estanquidade de uma barragem de rejeitos industriais sem consistente conhecimento de geotecnia de fundações, tratamento de ombreiras, e de todos os aspectos de uma barragem que são críticos para sua segurança? Somente conhecendo alguma legislação ambiental, a classificação dos contaminantes mais perigosos e alguns elementos de técnicas de descontaminação? Somente aplicando classificações de risco e quantificando os danos associados a um eventual acidente? Se for isso, desastre à vista.

Registre-se, de passagem, que tristemente muitos de nossos auto-intitulados “especialistas em meio ambiente” curtem e prezam essa propalada exclusividade para o tratamento de problemas de ordem ambiental, notoriamente movidos pelos bons rendimentos pessoais que disso lhes advêm. O cenário construído para sustentar essas disfunções é velho e conhecido: gerar dificuldades para vender facilidades.

Mas o mesmo fenômeno estende-se além das instituições e da Universidade, a mesma segregação está a verificar-se na própria sociedade, onde a imensa maioria dos cidadãos exime-se de qualquer participação em campanhas, ações e práticas ambientais porque em seu imaginário existem por aí um milhar de ONGs dedicadas à causa e “a elas cabe o papel de agir em defesa do Meio Ambiente”. E assim, também na sociedade, a atividade de conservação ambiental tende a ser segregada, isolada e, também por isso, muitas vezes folclorizada e ridicularizada.

Parafraseando Clemenceau, poderíamos dizer que o Meio Ambiente é muito importante para ser deixado na mão dos ambientalistas.

É essencial que com a maior rapidez possível ultrapassemos essa primeira fase, em que seria natural uma certa segregação funcional e organizacional da ação de conservação ambiental, para um estágio onde esse tipo de preocupação e raciocínio esteja disseminado e impregnado por todos os departamentos das instituições públicas e das empresas privadas, como por todos os cursos acadêmicos e não acadêmicos, como por todas as profissões e suas especialidades, como por todos os segmentos formadores de nossa sociedade.

Não faz o mínimo sentido que um Ministério de Transportes, uma Secretaria de Obras ou um Serviço de Águas e Esgotos não tragam já incorporadas em seus métodos de trabalho, em sua abordagem técnica, em sua prática diária, em sua cultura interna, as preocupações de ordem ambiental. Essas preocupações não devem refletir apenas uma visão filosófica ou o respeito cultural pelo Meio Ambiente, são indissociáveis de qualquer bom raciocínio técnico. As providências e procedimentos técnicos recomendados por uma abordagem ambiental na implantação de uma obra, ou um empreendimento  humano qualquer que vá interferir com a Natureza, obedecem, antes de mais nada, um protocolo elementar de boa técnica, uma medida essencial para o pretendido êxito técnico e econômico da atividade.

Como também não faz o menor sentido uma formação universitária ou técnica de profissionais específica e exclusivamente voltada à problemática ambiental. Engenheiros, geólogos, arquitetos, agrônomos, químicos, geógrafos, biólogos, veterinários, físicos, advogados, etc. todos devem ser preparados nos bancos escolares para a investigação, equacionamento e solução de problemas de ordem ambiental, enfim para o “pensar” ambiental, independentemente das especialidades a que vão se dedicar em sua vida profissional.

Nas áreas pública e privada os departamentos específicos para as questões ambientais não precisariam deixar de existir, e nem seria bom que isso ocorresse, mas deveriam passar a desempenhar uma ação muito menos responsável pela área do que têm hoje, fixando-se a uma função matricial frente as outras instâncias organizacionais, na promoção de discussões e treinamentos que lhes sejam comuns.

Certamente esse “transbordamento” das preocupações ambientais para todas as instâncias que compõem a administração pública, as empresas privadas e a Academia, refletirá virtuosamente em toda a sociedade, aproximando o tempo em que cada cidadão incorpore a responsabilidade íntima de bem cuidar de sua casa, sua cidade, seu planeta e seu espaço vital.

 

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

·   Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia  

·   Foi Diretor Geral do DCET - Deptº de C&T da Secretaria de C&T do Est. de São Paulo

·   Ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Mogi das Cruzes

·   Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar” e “Cubatão”

·   Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia  e Meio Ambiente

·   Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão