SBG - COMISSÃO ESPECIAL DO SERVIÇO GEOLÓGICO NACIONAL
Excertos do texto relatado no Congresso Brasileiro de Geologia de 1984 (Rio de Janeiro) e integralmente publicado pelo Núcleo do Centro-Oeste (Goiânia)


    Neste tempo de crises propulsionadas, em grande parte, pelo processo de globalização que interfere na capacidade política de desenvolvimento social e na soberania das nações "imersas e emergentes", tempo este pleno de polêmicas sobre estado mínimo e estado máximo, e em que os recursos de investimentos públicos estão tão escassos que levam a crises de identidade de vários órgãos públicos brasileiros, forçando-os a buscarem artifícios de privatizaçao (ou privativismo?) pela cobrança de taxas de serviços, muitos já pagos por altos impostos, ou, pior, à abulia do órgão público, não é demais recolocar questões pertinentes ao desenvolvimento das geociências no Brasil levantadas pela comissão da SBG.
    Apesar de que alguns dos pontos talvez estejam ultrapassados, os tópicos básicos selecionados abaixo certamente permitirão uma reflexão sobre a importância da atuação do geólogo na sociedade brasileira e sobre os instrumentos necessários para que ele possa ter atuação mais decisiva do que a atual, principalmente agora em que o geólogo vem perdendo espaço de atuação com a criação de várias instituições dispersando finalidades e atividades públicas diversas que deveriam estar colimadas em um verdadeiro SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL  (M.Winge).

2. SÍNTESE
6. PRINCÍPIOS PARA UMA POLÍTICA DE PESQUISA GEOLÓGICA BÁSICA
7. PROPOSTAS E DIRETRIZES


2. SÍNTESE

Desde os seus primórdios, as instituições encarregadas da pesquisa geológica no País, careceram de apoio e prestígio junto ao Governo Federal.

A inexistência de uma política global de pesquisa geológica, em especial no tocante aos levantamentos geológicos básicos, resultou em objetivos e ações permanentemente condicionados pela escassez de recursos e pela insuficiência de quadros técnico-científicos.

As instituições permaneceram aquém das solicitações do processo de desenvolvimento do País, sendo episodicamente dinamizadas em época de crise.

A partir da década de 50, com a intensificação do processo de industrialização, o Estado tem criado mecanismos e instituições, na busca da solução de problemas relativos aos suprimentos das matérias primas minerais, sem contudo ordenar suas ações num planejamento de longo prazo.

As instituições nacionais responsáveis pela condução das pesquisas geológicas, apresentam na atualidade um quadro bastante complexo, caracterizado por um desordenamento funcional, que resulta em inúmeras deficiências e distorções

Os principais problemas diagnosticados através da ação global dos organismos governamentais na realização das pesquisas geológicas, podem ser assim sintetizados:

.Evidencia-se a ausência de um planejamento global para a realização dos levantamentos geológicos básicos, que seja vinculado a uma política de desenvolvimento tecnológico e económico-social da Nação. A subordinação dos levantamentos geológicos básicos ao setor mineral, sem considerar a sua aplicação para outras atividades, resulta na subestimação de sua importância e utilização.

.A ação governamental, na consecução da pesquisa geológica, caracteriza-se pela instabilidade de objetivos e seu condicionamento a interesses políticos imediatistas.

.Verifica-se na realização da cartografia geológica, uma inadequação dos objetivos e da aplicação de métodos e escalas, em relação as atuais necessidades de desenvolvimento da Nação. O nível de conhecimento geológico do País baseia-se, essencialmente, em levantamentos em escala de reconhecimento (1:250.000, ou menores), não sendo programados ou executados, em caráter sistemático, trabalhos em escalas maiores.

.Os recursos orçamentários são orientados prioritariamente para a prospecção e avaliação de bens minerais, sendo relegados a um plano secundário os programas de cartografia geológica bâsica.

.Os recursos financeiros destinados a realização dos levantamentos geológicos básicos tem sido descontínuos, exíguos e limitados quase que exclusivamente ao custeio das instituições, forçando a sua busca em áreas extragovernamentais, no país e no exterior. Tais recursos, quando obtidos, são geralmente aplicados em programas de interesse específico dos agentes financiadores.

.Como decorrência da carência de recursos financeiros, são priorizadas as atividades de escritório em detrimento dos trabalhos de campo, indispensáveis para a geração de novos conhecimentos geológicos.

.A concepção dos projetos como unidades estanques, resulta na dispersão de equipes e dos sistemas de apoio logístico. A sucessiva reorganização de equipes, em novos projetos, com objetivos diferenciados, desvaloriza a experiência geológica acumulada e resulta em sobrecustos sociais e financeiros.

.A ausência de integração das atividades específicas na realização dos levantamentos geológicos básicos, resulta na dissociação do conhecimento, prejudicando a formação profissional, bem como a qualidade do produto final.

.A deficiência na publicação e divulgação dos resultados da pesquisa geológica básica, verificada nos vários campos de sua aplicação, constitui um dos principais motivos da reduzida demanda e subestimação dos levantamentos geológicos básicos.

.A estruturação dos organismos governamentais, responsáveis pela execução dos levantamentos geológicos básicos, em entidades distintas, com funções de: a)planejamento, coordenação e fiscalização e b) de execução; conduz à descaracterização das responsabilidades e a dificuldades operacionais.

.A realização de serviços ou atividades afins, imprescindíveis para a execução dos levantamentos geológicos básicos, não apresenta coordenação, sendo efetuados por entidades independentes, a exemplo dos levantamentos topográficos, recuperação e interpretação de imagens, cartografia geológica, etc... Além disso, diversas entidades realizam serviços geológicos similares, sem intercâmbio caracterizando, às vezes, evidentes superposições.

.As instituições governamentais estão incapacitadas de preservar e consolidar um corpo técnico-científico qualificado, devido à inadequação das carreiras funcionais, à insuficiência de remuneração dos profissionais, à deficiência dos programas de aperfeiçoamento e de desenvolvimento técnico-científico de seus quadros.

.Em adição às disfunções e contradições caracterizadas no setor Federal, incumbido da execução dos levantamentos geológicos básicos, é ressaltada a dificuldade para uma efetiva atuação conjunta e complementar com os sistemas Estaduais existentes.

A partir do estudo dos documentos oficiais encaminhados à SBG Por serviços Geológicos de diversos países (Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, África do sul, Finlândia, Tchecoslováquia e Guiana Britânica), foram ressaltados alguns aspectos básicos relativos aos conceitos que regem a sua atuação, definem sua estruturação orgânica, sua inserção no aparelho do Estado e sua interação com a realidade sócio-econômica de cada nação.

O estádio de organização e atuação dos Serviços Geológicos destes países, em muito superior ao caso brasileiro, reflete o maior grau de conhecimento geológico de seu território e os diferentes níveis de solicitação sócio-econômica de suas populações.

Os principais subsídios resultantes da análise crítica dos diversos Serviços Geológicos, dizem respeito a:

.A unanimidade dos Serviços Geológicos assume compromissos com a excelência do produto final.
A partir do conceito de que as atividades do Serviço Geológico estão voltadas para o planejamengo e solução de problemas atuais e futuros, é exigida a realização de trabalhos técnicos científicos de elevada qualidade.

.Os Serviços Geológicos, para atingir os níveis de excelência pretendidos, contam em seus quadros com profissionais competentes, experientes e atualizados. A manutenção de profissionais deste nível na organização, é proporcionada por carreiras técnico-científicas, estruturadas de forma a concorrer com a iniciativa privada, com outros organismos do Estado e com as Universidades.

.A perspectiva histórica dos Serviços Geológicos demonstra que a sua evolução é proporcionada pela identidade entre os seus objetivos e produtos, e as necessidades das comunidades por eles assistidas.
Como tais necessidades são mutantes com o tempo, os objetivos e a estrutura dos Serviços Geológicos são continuamente revistos, para evitar a obsolescência e ineficácia.

.A subordinação do Serviço Geológico a um ou outro Ministério, parece irrelevante. É importante a existência de um Conselho de Administração que funcione como amortecedor das pressões políticas diretas e pessoais sobre o organismo, preservando sua independência de atuação dentro dos programas, que refletem as necessidades da comunidade.

.Os Serviços Geológicos têm por definição uma missão de Serviço Público e seu domínio de competência é a gestão (técnica e econômica) dos recursos naturais e a segurança de suprimentos, a organização do território, a ocupação do espaço natural, a segurança das populações e construções em relação aos agentes naturais, a proteção ao meio ambiente e o fornecimento de elementos de decisão, pela disseminação de informações úteis para fins múltiplos.

.A missão de investigação científica e técnica, é desenvolvida na maioria dos Serviços Geológicos, enquanto que a de prospecção mineral em geral não faz parte de suas atividades, a não ser em caráter pioneiro, lançando as base para o desempenho da iniciativa privada.

.Quanto aos recursos, os Serviços Geológicos tentam compatibilizar por um lado o interesse na diversificação de fontes, que inibe ingerências prejudiciais a evolução de suas atividades e por outro, de uma destinação orçamentária global que permita maior flexibilidade na sua aplicação. A diversificação das fontes de recursos muitas vêzes é promovida por interêsses específicos no desenvolvimento de determinados programas. A conjugação dos dois interesses é facilitada pela adoção do Conselho de Administração.

Após a análise das diferentes estruturas dos serviços Geológicos, das diversas maneiras de orientar seus objetivos e recursos, bem como das várias formas de atuação, conclui-se que o elemento propulsor de sua ação e eficácia, é o real propósito de fazê-lo, vencendo o imobilismo para construir algo melhor, sem recuar frente às necessidades de mudanças.

No transcurso do processo de reflexão e análise crítica dos fatores que contribuem para o estabelecimento do átual panorama da pesquisa geológica no País, foram ressaltados os critérios básicos que devem reger uma política consequente que atenda as atuais necessidades da sociedade brasileira. Tais conceitos, destacados no Capítulo 6, permitem a formulação de propostas e diretrizes, consideradas fundamentais para ordenar a ação do Estado no desenvolvimento dos levantamentos geológicos básicos, explicitados no Capítulo 7, e que constituem o escopo do presente trabalho.

6. PRINCÍPIOS PARA UMA POLÍTICA DE PESQUISA GEOLÓGICA BÁSICA

A pesquisa geológica básica compreende toda atividade necessária ao pleno conhecimento da natureza, das características e das propriedades do solo e subsolo, do estudo e avaliação das potencialidades dos recursos minerais, dos mananciais hídricos, das características geotécnicas dos materiais, da utilização e conservação dos ambientes naturais e do desenvolvimento de métodos e de tecnologias relacionadas.

Os levantamentos geológicos básicos, por sua vez, constituem a base do conjunto de informações e conhecimentos, providos pelo Estado à Sociedade, para atender, em qualidade e quantidade, as necessidades do aproveitamento racional e harmônico do solo e subsolo do País e o permanente avanço do conhecimento técnico-científico das geociências.

A consecução destes levantamentos deve ser consubstanciada em princípios permanentes, norteadores de programas de longa duração. Por sua natureza, constitui uma atividade de contínua aquisição de conhecimentos, necessitando de um constante aprimoramento e atualização.

O conteúdo técnico-científico da pesquisa geológica básica, deve primar pela excelência e pela multiplicidade de sua utilização.

Por se constituir numa área de conhecimento básico, sobre a qual se assentam múltiplas utilizações e aplicações, as informações e resultados advindos desta atividade, constituem um acervo de utilidade pública.

Assim sendo, tais elementos devem ter ampla e sistemática divulgação, de modo a possibilitar e estimular a criação de oportunidades ao setor produtivo e a sua efetiva utilização pela sociedade.

O planejamento, coordenação e execução da pesquisa geológica básica do território nacional (áreas continental e oceânica), nas suas diversas modalidades e formas, é atribuição precípua do Estado, que deve assumir integralmente os encargos decorrentes e abrigar em sua estrutura a Instituição responsável por tais atividades.

Cabe ao Estado garantir, através de dotações orçamentárias regulares, o desenvolvimento continuado das pesquisas geológicas, definidas em programas institucionalizados. Neste contexto, assume especial prioridade e importância a elaboração de cartas geológicas, geoquímicas, geofísicas e outras, em suas diversas escalas e temas, como bases indispensáveis para o aproveitamento dos recursos minerais e hidrícos, ocupação do solo para a instalação de obras viárias, de sítios urbanos para o aproveitamento agrícola e para a proteção e preservação do meio ambiente.

7. PROPOSTAS E DIRETRIZES

Assumindo-se tais bases conceituais, urge ordenar a ação do Estado no desenvolvimento dos levantamentos geológicos básicos, centrada em uma Instituição específica, eficientemente estruturada para desempenhar suas atribuições, tendo objetivos permanentes, identificados com os interesses da sociedade Brasileira.

Visto a natureza e as condições de realização das pesquisas geológicas, é indispensável que a instituição responsável pela sua execução, seja dotada de autonomia financeira e administrativa, com grande agilidade de ação e decisão. O caráter técnico-científico da instituição deverá prevalecer sobre os demais. Seu corpo técnico incluirá profissionais experientes e altamente qualificados, abrindo espaço às novas gerações, oriundas das universidades, para assegurar uma coordenação eficaz e favorecer a renovação continuada dos quadros, mantendo-se a permanente transferência e o aprimoramento do conhecimento.

As atividades de pesquisa, função básica da instituição, devem ser harmonizadas com os programas aprovados e na sua execução devem privilegiar a interação entre as diversas áreas do conhecimento geológico e de suas aplicações.

A organização da instituição deve proporcionar a permeação de idéias, possibilitar concepções inovadoras e induzir o efetivo avanço no conhecimento têcnico-científico.

A atividade de pesquisa deve ser desenvolvida de maneira criativa, integrada e dinâmica, evitando sempre a compartimentação das áreas técnicas e a sua subordinação a normas burocráticas rígidas.

A carreira técnico-científica na instituição, deve ser ordenada basicamente em função da qualificação do pesquisador ou do técnico, de seu desempenho e da sua experiência. O estímulo à progressão na carreira deve ser permanente e pautado por mérito, independente do exercício de atividades administrativas e do tempo de serviço.

A Instituição deve se constituir, à nível nacional, num centro de excelência, promotor e irradiador do conhecimento geológico, proporcionando um efetivo intercâmbio com outras instituições, através do apoio a pesquisadores (mestrandos e doutorandos) no escopo de seus programas.

As diretrizes da pesquisa geológica básica a serem executadas pela instituição em questão, devem ser estabelecidas por um Conselho superior de Geologia, que deverá acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos programas. O Conselho deverá ser constituído por representantes ilustres da comunidade técnico-científica, do setor produtivo e do Estado.

A Instituição em sí, deverá ser administrada por uma diretoria, composta por membros dos seus quadros permanentes.

A concretização do desenvolvimento da pesquisa geológica básica, consoante os conceitos acima explicitados, passa obrigatoriamente pela reordenação do setor mineral brasileiro, e pela aglutinação de sua atual capacidade técnico-administrativa, numa Instituição a exemplo de um Serviço Geológic Nacional, com os seguintes objetivos:

.planejar, coordenar e executar os levantamentos geológicos básicos do Território Nacional, em escalas convenientes para a sua utilização multidisciplinar, empregando as diversas técnicas indispensáveis â excelência dos trabahos;

.planejar, coordenar e executar pesquisas geocientíficas especiais, com vistas ao conhecimento geológico básico e às diversas aplicações do mesmo no interêsse da nação;

.promover o desenvolvimento de novas tecnologias, com vistas ao aprimoramento metodológico da pesquisa geológica nacional;

.desenvolver, manter, revisar e difundir o sistema informático e de publicações do conhecimento geológico nacional, para o atendimento dos diversos usuários e à preservação da memória geológica brasileira;

.promover o intercâmbio dos conhecimentose o aperfeiçoamento de recursos humanos nas áreas de geologia e afins;

.promover a integração e compatibilização técnico-científica das pesquisas geolõgicas com os demais setores e organismos nacionais.


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