Manfredo Winge
Departamento de Geologia Geral e Aplicada - UnB
Pesquisador Associado
Envie-nos sua crítica/sugestão
I - PORQUE?
A reforma universitária brasileira na década de 60 teve por
mérito democratizar a docência e a pesquisa ao extinguir o obsoleto sistema de
cátedras, substituido-o por uma organização em colegiados departamentais como unidades
decisórias da universidade.
Infelizmente, ao mesmo tempo, foi implantado o regime de ensino modulado (créditos por
disciplinas), copiado das universidades americanas, e que objetivava, provavelmente,
eliminar a "rigidez" do ensino seriado e, assim, atender a uma provável
variabilidade de interesses e tendências de futura atuação profissional de cada aluno
Inúmeros problemas foram criados com este novo sistema. Entre outros, podem ser citados:
1) a integração interdisciplinar, discutida e praticada por
professores da mesma série, característica do sistema seriado, tornou-se mínima a
inexistente devido a estanqueidade das disciplinas;
2) esta independência e estanqueidade das disciplinas favoreceu, também, inúmeras
redundâncias, por um lado, e lacunas ou omissões, por outro, no conjunto das matérias
curriculares fluxogramadas. Estas redundâncias e omissões nem sempre são perceptíveis
ao simples exame das ementas;
3) não se constituíram mais turmas constantes de alunos cursando conjuntos de
disciplinas integradas em uma mesma etapa do aprendizado, despolitizando o alunado;
4) o sistema de matrícula por disciplinas é realizado, geralmente, de forma aleatória,
fazendo com que, por um lado, se tenha falta de vagas em determinadas turmas e, por outro,
um número irrisório de alunos em outras turmas de outras disciplinas ou de outros
semestres, conturbando a programação curricular (orientada ou não) de um grande
número, sinão de todos os alunos;
5) o "casamento" de horários de disciplinas oferecidas de acordo com esta
"lei de oferta e procura" assim aleatória, torna-se difícil: ao mesmo tempo
que ocorrem choques de horários em algumas disciplinas, muitos horários vagos fazem com
que o aluno, principalmente o que trabalha em horários determinados, seja muito
prejudicado;
6) a extraordinária burocracia envolvida pelo sistema de créditos por disciplina exige,
de professores e alunos, um tempo muito grande para discutir e solucionar problemas
completamente adjetivos como choques de horários, falta de vagas e outros que não tem
nada a ver com o conteúdo das matérias.
Este sistema que aí está é defendido pela "flexibilidade
(autonomia)" na escolha e matrícula de disciplinas, que propiciaria uma formação
mais "universal" do alunado juntamente com uma visão e capacitação
multidisciplinar.
Isto é uma falácia porque , dia mais dia menos, as disciplinas obrigatórias devem ser
cursadas e, obviamente, que deveriam ser cursadas em momentos certos, integradas com
outras e dentro de uma metodologia de ordenação cronológica do aprendizado.
O que vem ocorrendo com frequência, alem dos pontos negativos numerados acima, é o fato
de muitos alunos cursarem disciplinas inócuas para a sua formação profissional (só
para "ganharem"créditos), por um lado, e disciplinas básicas, lecionadas em
outros departamentos, muitas vezes não tem a profundidade ou a extensão requerida para o
curso profissional.
Este último fato, levou, inclusive, o Instituto de Geociências da UnB a modificar o
curso de geologia, chamando para a sua responsabilidade várias disciplinas básicas que
eram ofertadas por outros departamentos, mas agora com "case histories",
exercícios práticos e a extensão exigida para a adequada formação profissional dos
graduandos em geologia.
O profissional formado nas nossas universidades deve ter, a par de um possível início de
especialização de seu interesse, uma formação básica, teórica e prática, que lhe
sirva de sólido alicerce profissional com uma capacitação polivalente, habilitando-o
tanto a vir a se especializar onde desejável, quanto a encaminhar trabalhos de
integração multidisciplinar, ou, mais simplesmente, ser um bom profissional com base
universitária e não um mero técnico.
Para isto, há necessidade, dentro das nossas universidades, de uma maior integração
entre professores/pesquisadores especialistas de ramos distintos do conhecimento e
envolvendo o alunado, seja através de pesquisas conjuntas com metas de alcance geral,
envolvendo várias metodologias (exemplos: extinção da fome; melhorias da saúde e da
habitação; aproveitamento da energia...), seja através da integração de pesquisas com
métodos comuns a vários objetivos (exemplos: sistema de banco de dados e de pacotes
estatísticos/matemáticos na informática; sistema comum de processamento de dados de
imagens de satélites para geografia, engenharia florestal, agronomia, ecologia...;
sistemas padronizados de análises químicas...). Esta integração , na realidade, já
ocorre mas embrionariamente ao nível de pesquisa e pós-graduação.
Ao nível da graduação há necessidade mais preemente de maior consistência
interdisciplinar favorecendo uma sólida base profissional, hoje dificultada pelo sistema
de matrículas aleatórias. Ao "tempo" da graduação, a visão multidisciplinar
pode ser adquirida e promovida, mais eficientemente, através de:participação do aluno
em pesquisas multidisciplinares; prática e desenvolvimento profissional através de
estágios;articulação mutildisciplinar em cursos de extensão.
O porquê da presente proposta resume-se à idéia de reunir aspectos positivos, tanto do
sistema de créditos por disciplina, quanto do antigo sistema seriado, em um novo sistema
semi-seriado, proposto a seguir.
II - COMO?
O sistema semi-seriado poderia prever cinco tipos principais de
disciplinas:
1. disciplinas referentes às matérias definidas pelo currículo mínimo e/ou
necessárias ao cumprimento legal da competência profissional da carreira escolhida pelo
aluno (obrigatórias);
2. disciplinas de nivelamento (optativas);
3. disciplinas de pré-especialização (optativas);
4. disciplinas extra-curriculares (não contariam créditos para o currículo).
5. disciplinas de estágios supervisionados simulando a ação profissional (obrigatórias
no fim do curso).
Como uma tendência, as disciplinas de nivelamento teriam maior
incidência no começo do curso, enquanto que às de especialização teriam maior
desenvolvimento ao fim do curso de graduação.
Disciplinas que não tivessem domínio conexo às do curso de graduação (extra-
curriculares) poderiam ser cursadas como optativas, desde que houvesse vagas, mas não
contabilizariam como créditos da formação profissional. Seriam as disciplinas de
interesse particular do aluno.
A organização do curso seria efetuada por turmas matinais e turmas vespertinas (por exemplo: das 7:00 às 13:00 e das 13:00 às 19:00, respectivamente) que contariam exclusivamente com as matérias obrigatórias compondo 30 créditos para cada semestre ou série. Desta forma, o estudante que trabalha poderia escolher o turno mais apropriado ao seu horário disponível, sem necessidade de picotar horários como ocorre com o sistema atual.
Dentro desta proposta, duas alternativas podem ser analisadas em
cada curso:
a. uma turma matinal e uma vespertina de mesma série (duas turmas por semestre) ou
b. em semestres alternados uma turma matinal e outra vespertina (uma turma por semestre).
Em qualquer uma destas hipóteses, o aluno que sofresse
reprovação em, digamos, até no máximo 3 disciplinas poderia cursar as disciplinas em
que foi reprovado com a turma da série anterior e do turno alternado e, ao mesmo tempo,
continuar com a sua turma original no outro turno ou, alternativamente, somente cursar
a(s) disciplina(s) em que foi reprovado no turno mais apropriado.
Isto minimizaria, em parte, o problema de retenção do aluno, lembrando, também, que a
melhor integração das disciplinas deve melhorar o nível e aproveitamento por parte do
aluno diminuindo os índices de reprovação.
Disciplinas optativas, de nivelamento ou de especialização, devem ser previstas de
acordo com a clientela encaminhada por professores orientadores e fixadas em horários
compatíveis através de pré-matrículas ou sistemas semelhantes que evitem o atual
disparate de se ter somente 3, 4 ou 5 alunos por turma (disciplinas optativas
principalmente) como ocorre em muitos casos na UnB e que eleva, extraordinariamente, os
custos per capita do ensino de graduação.
A par desta estruturação em um tronco ou fluxo básico de matérias obrigatórias,
perfeitamente integradas em séries (às quais se acrescentariam disciplinas de
nivelamento, principalmente no início do curso, e de especialização, principalmente no
fim do curso), o sistema de ensino deve prever o envolvimento do aluno em práticas de
pesquisa e de treinamento profissional.
A participação de alunos, na forma de estágios, bolsas de trabalho e de iniciação
científica, etc..., em pesquisas, sejam multidisciplinares, sejam de especialização
setorial, complementa a visão crítica da área profissional escolhida.
Ao fim do curso, uma ou mais disciplinas devem simular o exercício profissional e serem
finalizadas, se possível, em projeto ou tese de graduação, prevendo-se um menor número
de horas/aula das demais disciplinas para o bom desenvolvimento desta prática
profissional.
III - QUANDO?
Todo administrador sabe que a substituição de um sistema
obsoleto por um novo deve se dar com uma fase de transição em que os dois vigorem em
paralelo.
No caso de um sistema de ensino, é fácil entender que a implantação deve se dar do
início para o fim de cada curso, envolvendo somente as novas turmas a partir deste
momento inicial, de entrada na universidade. O sistema semi-seriado proposto favorece a
implantação em paralelo, pois basta se organizar o oferecimento integrado das
disciplinas em turnos e em séries tais que não provoque choques de horários. Isto deve
ser feito gradativamente, série a série: no primeiro semestre a 1ª série; no segundo
semestre de implantação a 2ª série e assim sucessivamente.
Os alunos antigos poderão aproveitar as vagas destas mesmas disciplinas reorganizadas se,
por acaso, eles ainda não as cursaram. Antes desta implantação gradativa torna-se
necessário o estudo dos fluxogramas de cada curso de graduação. Todos os cursos que
utilizem disciplinas de outros departamentos devem consultá-los antes para então definir
os horários disponíveis para as disciplinas do próprio departamento.
Assim, teríamos a implantação completa do novo sistema em cerca de 4 a 5 anos
dependendo do total de créditos de cada curso.
IV - ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA PROPOSTO
A reorganização das disciplinas na forma de séries conduzirá
a uma forte interação do corpo docente da mesma série (mesma turma) eliminando-se
redundâncias, corrigindo-se omissões e acertando o "timing" em que conceitos
básicos devem ter sido assimilados pelo aluno para as disciplinas de área profissional.
No caso específico da geologia, outra facilidade desta integração é a melhor
organização dos trabalhos de campo: o aluno não perderá aulas de outras disciplinas da
mesma série, já que a saída de campo será programada em conjunto com os demais
professores da "série",
"Last but not the least", com este sistema semi-seriado, uma nova filosofia de
organização acadêmica deverá alterar o conceito de "congregação de
carreira".
Hoje um departamento "servidor" é "praticamente" independente dos
interesses dos vários cursos "clientes". A constituição de turmas (séries)
em cada curso profissional levará os professores de disciplinas de departamentos
servidores a adequar o seu programa de curso, usando "case histories" e
exercícios mais ligados aos interesses da formação profissional do "curso
cliente". Em decorrência, será exigida do professor uma atuação mais intensa nas
congregações de carreira dos cursos para os quais ele leciona. Isto promoverá,
simultaneamente, uma maior integração entre os departamentos da universidade.
Brasilia, 22/6/96 (modificação de texto de 1986).