A SOCIEDADE BRASILEIRA DE GEOLOGIA E A MEMÓRIA GEOLÓGICA DO BRASIL

 A Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), sociedade técnico-científica cinqüentenária que congrega mais de 2000 geocientistas e profissionais do Brasil e do exterior, tendo em vista a perspectiva de criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), vem manifestar a sua mais fundada preocupação com os rumos que vem tomando a orientação governamental, sobretudo no que diz respeito ao destino e ao futuro do Museu de Ciências da Terra e do seu rico acervo cultural, abrigado no histórico prédio da Avenida Pasteur, (o "Palácio da Geologia"), tombado pela Prefeitura do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural em 11/10/94.

A principal missão da SBG é a de promover e divulgar o conhecimento geológico e as geociências no país. Entre outras finalidades, cabe-lhe defender a preservação da memória geológica brasileira, que é parte integrante e indissociável da memória cultural de nosso país. Os recentes movimentos que estão sendo realizados para desvincular do âmbito do Setor Mineral o Museu de Ciências da Terra e o prédio histórico que o abriga, e que podem resultar na sua desativação definitiva, tem provocado a indignação e a manifestação de vários membros da comunidade, tanto do meio acadêmico como empresarial. Esta indignação soma-se à fundada preocupação com os rumos da própria ANM, caso ela promova o desmembramento e pulverização dos diversos órgãos do Setor Mineral.

O Museu de Ciências da Terra foi formalmente criado em 24/11/92, com base em Portaria do então Ministro das Minas e Energia, Dr. Paulino Cícero, que teve a sensibilidade de reconhecer a sua importância cultural. Por meio dessa Portaria, deu-se amparo legal ao órgão destinado a gerir as coleções de minerais, fósseis e materiais relacionados com a memória geológica do país. O Museu já existe, entretanto, desde 1909, sempre sediado no mesmo prédio onde funcionou, a partir de 1908, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil sob a direção de Orville Derby, considerado o "Pai da Geologia Brasileira". Em 1972, com a transferência da sede do DNPM para Brasília, o Museu foi temporariamente desativado, sendo reaberto à visitação pública somente em 1981. Devido às limitações de espaço, impostas pela instalação da sede da CPRM no mesmo prédio, apenas uma pequena parte do grande acervo pôde ser exposta, com a maior parte permanecendo encaixotada.

Do acervo de minerais e rochas do Museu constam milhares de amostras coletadas nos mais diversos pontos do território nacional, incluindo espécimens que foram reconhecidas e classificadas, pela primeira vez, no Brasil. O acervo de meteoritos é de grande relevância científica e o acervo de fósseis possui 35000 espécimens já catalogados. O Museu possui, ainda, uma enorme quantidade de documentos históricos relacionados ao desenvolvimento do conhecimento geológico do país tais como: mapas, cadernetas de campo, manuscritos e anotações elaborados pelos pioneiros da geologia brasileira.

Entretanto, sua importância cultural não se resume à existência de um vasto acervo. Entre suas atividades principais estão a promoção de exposições permanentes e eventuais, mostras itinerantes e a realização de pesquisas científicas. Com uma freqüência muito grande o museu é visitado por alunos do ensino fundamental e médio, que ali assistem a aulas práticas, por estudantes universitários e por cientistas e turistas de toda parte.

No momento em que toma curso um processo de reestruturação do Setor Mineral e tendo o Museu de Ciências da Terra uma tão grande relevância para a difusão do conhecimento geológico do Brasil, causam-nos profunda estranheza e legítima preocupação as manifestações recentes de altos funcionários desse Setor, presenciada por empresários, executivos de empresas de mineração e representantes de sociedades científicas, inclusive pelo Presidente da SBG. Em recente evento na cidade de Belém, Pará, O Sr. Diretor Geral do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), falando a respeito da reestruturação do Setor, expressou que "ainda não sabia qual o destino a ser dado ao Museu de Ciências da Terra", no que foi secundado pelo Sr. Presidente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM, o Serviço Geológico do Brasil), que afirmou que "nada temos a ver com museus, o nosso negócio não é museu".

A Sociedade Brasileira de Geologia discorda totalmente dessa visão reducionista, que reflete pouco caso com a história do conhecimento e com a informação geológica, e com a cultura nacional e mundial, evidenciando uma forma imediatista de se tratar o bem público e os alicerces do próprio desenvolvimento econômico e social do país. Pois, de fato, a preservação da memória geológica nacional, além das necessárias finalidades culturais, serve também aos interesses econômicos do país, cuja produção mineral representa parcela significativa do nosso Produto Interno Bruto. Ao preservar e divulgar a memória geológica nacional estamos transmitindo às novas gerações que o conhecimento geológico do nosso território nos tem trazido benefícios econômicos e sociais. Ao preservar e divulgar a memória geológica, estamos consolidando o interesse pela contínua geração de conhecimento, pré-requisito inegável do desenvolvimento de uma nação. Aliás, assim o fazem, há muitos séculos, os países mais plenamente desenvolvidos do planeta.

Um museu não é um simples depósito de amostras ou espécimens raras ou exóticas, mas sim uma instituição com finalidades educativas muito claras e, em grande parte das vezes, também promotora de pesquisas e geradora de novos conhecimentos. Não é à toa que países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, África do Sul e diversos outros da Europa se preocupam em manter várias instituições desse tipo, como repositório e fonte histórica do conhecimento acumulado sobre a geologia de seu território e sobre os seus recursos minerais.

A Sociedade Brasileira de Geologia, que em diversas ocasiões, mesmo recentemente, tem colaborado ativamente com iniciativas governamentais destinadas ao desenvolvimento das geociências no país, sente-se no dever de promover este alerta. Ao mesmo tempo, conclama as demais sociedades científicas, as empresas e instituições do Setor Mineral, a comunidade acadêmica e, sobretudo, os nossos representantes na Câmara Federal e no Senado a unir esforços e a não permitir que a memória geológica nacional seja perdida. A preservação do Museu de Ciências da Terra e do Palácio da Geologia, marcos importantes da história do conhecimento geológico nacional, assim como a dinamização e ampliação de suas ações educativas e de pesquisa, são absolutamente necessários ao país e precisam ser considerados com seriedade durante a reestruturação do Setor Mineral ora em curso.

São Paulo, 15 de março de 2000

Aroldo Misi

Presidente da Sociedade Brasileira de Geologia