ASSALTANTE SERTANEJO

Manfredo Winge

   O sertão nordestino na divisa BA-PE, junto às margens do Rio São Francisco, região de Curaçá, Santa Maria da Boa Vista, Chorrochó, Barra do Tarrachil.. tornou-se, mercê da globalização do mercado de drogas, um produtor respeitável de maconha.  Batidas policiais para destruir "lavouras" da Cannabis.., criminalidade e violência crescentes compõe um quadro que contrasta com o da época em que mapeávamos a região em 1963/64: povo tranqüilo e hospitaleiro, dormia-se em pensões sem trancar as portas. Mas, mesmo assim, já existia alguma violência, conforme vai ser visto a seguir.

   Fazíamos o levantamento geológico regional da Folha de Patos (ver os causos: Os "papafigo" I e II). O serviço intensivo nos tirava da cama às 5 da matina para aproveitar a fresca da manhã; rodávamos pelas estradas,  marcando nas fotos aéreas afloramentos estudados com amostras coletadas até o sol se por e não conseguirmos mais  descrever as rochas; uma boa parada ao 1/2 dia para almoçar frutas e sanduiche, com direito a rápida sesta em rede espichada sob árvores eventuais, interrompia esta rotina nos momentos de sol escaldante. Ao finalizar o serviço do dia, tínhamos que, frequentemente, rodar 30 a 40 km à noite para voltar para os locais de pousada onde fixávamos estadia por alguns dias antes de mudar de "sede". Era a hora de discutir algumas hipóteses geológicas, de jogar conversa fora, de contar piada ou, mais comumente, irmos matutando sobre a vida com direito a curtir saudades de casa, da vida citadina em Recife, das noitadas, dos pitus com cerveja em Cabo, da caranguejada de gaiamum criado com farofa em gaiola de Goiana, dos banhos de mar (ah.. as praias de Pernambuco!!!)..
    Sediados temporariamente em Piancó, PB, "atacando" a região nordeste da folha, junto ao Açude Coremas, voltávamos, assim, em noite sem lua por uma estradinha que as vezes se confundia com carreiro de gado. Depois de algumas piadas infames e outras repetidas, veio à baila o assunto de assaltos em rodovias e estradas do país. A luz da Rural Willis mal e mal iluminava a estradinha. Um de nós tres lembrou que uma das técnicas dos assaltantes era a de um deles fingir-se de morto, deitado na estrada, ou de atravancarem a estrada com tocos: quando o viajante parava o carro, a quadrilha atacava com tiroteio para realizar o assalto. Foi só falar isto para vermos na estrada adiante o corpo de uma pessoa atravessada na estrada. O motorista disse: " vou passar por cima.." e já ia acelerando quando dei um grito e disse para êle: " passa pelo lado por cima das macegas que dá para ir.." Foi a conta: acelerado o carro passou raspando o corpo estirado na estrada arenosa arrastando com grande barulho marmeleiros da macega debaixo do carro.
    Óbvio que não paramos para ver o "defunto". Agora, ..cada vez que me lembro desta história, fico mais convencido de que o meu grito providencial salvou um bebum nordestino de morrer atropelado em pleno sertão paraibano.

 

 

 

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