UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA -INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
/ TESE DE DOUTORADO No 5 - MANFREDO WINGE
EVOLUÇÃO DOS TERRENOS GRANULÍTICOS DA
PROVÍNCIA ESTRUTURAL TOCANTINS, BRASIL CENTRAL
7.SINOPSE E APRECIAÇÃO DE DADOS GEOCRONOLÓGICOS
O estudo geocronológico realizado na presente
pesquisa foi, por várias circunstâncias, limitado a poucas datações Rb-Sr de amostras
coletadas na área de detalhamento.
Recentemente tem sido realizadas várias análises
geocronológicas em rochas e minerais de interesse direto ou indireto para o estudo
evolutivo dos complexos granulíticos da região Centro-Oeste. Os resultados nem sempre
tem sido coerentes de um autor para outro e, em certos casos, de difícil inserção no
quadro tectono-estratigráfico determinado por observações geológicas de campo.
Impõem-se, assim, abordar a questão de forma
específica, visando a análise destas contradições e uma proposta de ordenamento
lógico da sucessão dos eventos geológicos que interessam à evolução dos terrenos
granulíticos aqui enfocados. Para tanto, faz-se a seguir um retrospecto sinóptico de
estudos já realizados, seguido de uma avaliação destes e de outros dados apresentados
(Cap.2).
7.2. SÍNTESE DA INFORMAÇÃO GEOCRONOLÓGICA
Dentre os primeiros estudos de geocronologia
do Centro-Oeste, destaca-se o de Hasui & Almeida (1970) que apresenta as datações
K/Ar de minerais de várias unidades geológicas, dentre as quais os maciços
básico-ultrabásicos. Dado o seu caráter pioneiro, esse trabalho influenciou durante
muito tempo os estudos geológicos regionais.
Entre outras determinações obtidas por esses
autores destacam-se:
1) idades arqueanas para rochas dos complexos
máfico-ultramáficos, como a do anfibolito que ocorre 31 km a N de Rialma, no Complexo
Barro Alto com 2.897± 145Ma;
2) idades do Mesoproterozóico, como a de rochas
da pedreira do Mendanha no Complexo Anápolis-Itauçu com 1.303± 91 Ma e, principalmente,
3) várias idades do Neoproterozóico indicativas
de extensiva recristalização mineralógica no Ciclo Brasiliano.
Souza (1973) realizou estudos geocronológicos do
Complexo Barro Alto, usando o método Rb-Sr, porém com grande dispersão de resultados
(apud Fuck et al,1989).
Matsui et al.(1976) realizaram datações (K/Ar)
em minerais e rochas do Complexo Cana Brava, definindo as seguintes concentrações de
idades: 500 Ma, 900 Ma, 2.000 Ma e valores mais elevados coincidentes, aproximadamente,
com os ciclos Brasiliano, Uruaçuano, Transamazônico e Jequié. A idade para a rochas do
maciço foi determinada em 1.925± 110 Ma.
Girardi et al.(1978) determinaram idades Rb-Sr em
várias rochas do Complexo Cana Brava e que podem ser assim sintetizadas:
1) metamorfismo granulítico com >2,7 Ba.;
2)metamorfismo anfibolítico em torno de 1,15 Ba.;
3) idade da milonitização na borda E com 644±
27Ma.
Tassinari et al. (1981) apresentam um panorama geocronológico do Centro-Oeste que integra os seus dados com os de vários autores e é complementado por um mapa esquemático das províncias geocronológicas da região. Nesse trabalho os autores indicam a idade arqueana da colocação dos complexos máfico-ultramáficos com eventos de homogeneização isotópica nas seguintes idades: 3.900, 2.500, 1.900, 1.000 e 600 Ma. e as seguintes faixas de idades retratando ciclos maiores no Complexo Goiano: 3.100-2.900 Ma; 1200-950 Ma; 750-450Ma. No quadro geotectônico regional reconhecem:
1) núcleos arqueanos a leste do Lineamento
Transbrasiliano, polifasicamente retrabalhados e com zonas transamazônicas, uruaçuanas e
brasilianas, representados por: a) complexos máfico-ultramáficos granulíticos; b)
terrenos de granito-gnaisses nas regiões de Itapirapuã-Caiçara (2.651± 27Ma) a sul e
norte do greenstone belt de Goiás; c) granitos e ortognaisses de Rubiataba-Nova
América (2.850± Ma) a W do Complexo Barro Alto ;d) granito de Crixás (2.929± 105 Ma);
e) embasamento granito-gnáissico a N de Colinas (~3.200 Ma);
2) terrenos transamazônicos, como os dos
granito-gnaisses do Vale do Paranã (± 2.100Ma);
3) domínios da faixa uruaçuana, com várias
idades de metamorfismo entre 1.200 e 900 Ma;
4)domínios da faixa brasiliana, com idades de
minerais indicando intensa atividade tectônica nos metassedimentos de cobertura, mas
também em províncias granito-gnáissicas meso a catazonais: a) ao norte, região de
Porangatu (589± 61Ma) e RI indicando fonte mantélica; b) ao S e SW, região de Santa Fé
(467± 10Ma), Brejinho de Nazaré (700Ma) e, ao norte, na região de Porto Nacional; c)
milonitização de gnaisses e granitos da borda dos complexos(644 Ma e alta RI).
Fuck et al.(1988,1989) realizaram estudos de geocronologia do Complexo Barro Alto, usando o método Rb-Sr e apresentando evidências de metamorfismo de alto grau relacionado a uma colisão continental que teria ocorrido há 1.300 Ma. Nesse trabalho os autores apresentam uma sinopse de todos os resultados anteriores de geocronologia relacionados ao complexo, incluindo dados inéditos de amostras da pedreira ao norte de Rialma que foram analisadas (Rb-Sr) por J.M.Reis e U.G.Cordani. Estes dados permitiram determinar uma isócrona definindo a idade de 727± 15Ma e RI=0,71790± 0,000007 para um ajuste MSWD=5,23. Dentre as análises isotópicas realizadas por Fuck et al (op.cit), foram obtidas duas isócronas com bom ajuste:
1) em 9 análises de granulitos principalmente
félsicos da Serra da Gameleira, descartadas 2 interpretadas como sistemas isotópicos
separados, os autores determinaram uma isócrona que define uma idade de 1.266± 17Ma com
RI=0,73473± 0,00051 e MSWD=0,525, destacando-se este ótimo ajuste da reta de regressão;
2)a partir de 8 análises, principalmente de
gnaisses da Sequência Juscelândia coletadas 2 km ao N de Jardim Paulista, descartadas 2
interpretadas como sistemas isotópicos distintos, foi determinada uma isócrona que
define uma idade de 1.330± 67Ma, com RI=0,70819± 0,00274 e MSWD=2,127.
Estas idades representariam o fechamento do
sistema isotópico Rb-Sr em rocha total durante o evento de metamorfismo de alto grau. Já
as altas razões iniciais de 86Sr/87Sr, principalmente dos
granulitos, indicariam idades bem mais antigas para os protólitos. Construindo retas de
evolução isotópica a partir dos dados dos dois conjuntos de análises com isócronas
mais ajustadas, extrapoladas até as razões 86Sr/87Sr de um manto
empobrecido, Fuck et al (op.cit) determinaram as idades mínimas prováveis dos
protólitos como sendo de 1.770 Ma para os granulitos e de 1490 Ma para os gnaisses
metavulcânicos.
Fugi (1989) datou pelo método Sm-Nd rochas do
Complexo Cana Brava, obtendo a idade de 1.970± 69 Ma (143Nd/144Nd=0,51015± 0,000073 - å
Nd(CHUR)=-1,47) para a intrusão máfico-ultramáfica granulitizada da Serra de Cana
Brava. O gabro coronito do Morro da Bota foi datado pelo mesmo método com análises de
tres amostras em linha reta definindo uma isócrona de 1.088± 18Ma
(143Nd/144Nd=0,510986± 0,000017 - å Nd(CHUR)= - 4,83).
Ferreira Filho & Naldrett(1993) indicam que a
idade da Sequência Indaianópolis é mais antiga do que a do Complexo Niquelândia. Ela
provavelmente é mais antiga do que 1,8 Ba. (C.Ferreira Filho, com.pessoal).
Ferreira & Naldrett (op.cit ) reportam
datações pelos métodos U-Pb e Pb/Pb em zircão de várias rochas do Complexo
Niquelândia:
1) quartzo-diorito granulitizado João Caetano com
idades de 1565± 18Ma definida pelo intercepto superior e de 795± 4 Ma pelo intercepto
inferior;
2) meta-anortosito da Sequência Serra dos Borges
com idades de 1.583± 25Ma (intercepto superior) e 777± 10 Ma (intercepto inferior);
3) blastomilonito (fácies granulito): um cristal
de zircão indicando idade Pb/Pb de 786± 5Ma;
4) blastomilonito (fácies anfibolito): um cristal
de zircão indicando idade Pb/Pb de 777± 3 Ma.
Concluem Ferreira Filho & Naldrett (op.cit)
com a interpretação de que a intrusão do complexo máfico-ultramáfico ocorreu entre
1560 e 1600 Ma e seu metamorfismo de alto grau entre 770 e 795 Ma no Ciclo Brasiliano e
provavelmente relacionado com colisão continental. Correia (1994) obteve isócrona Rb-Sr
em torno de 1,3 Ba. para os anfibolitos da borda leste do Complexo Cana Brava.
Caracterizou fácies de brecha plutônica nos granulitos a oeste nos quais identificou
xenólitos anfibolíticos que seriam da Sequência de Palmeirópolis. Assim, esta
sequência seria mais velha do que os granulitos para os quais ele assumiu a idade de 2,0
Ba. obtida por Fugi (op.cit.).
Suita et al. (1994) dataram (método U-Pb em
zircão) rochas do Complexo Barro Alto:
1) fácies quartzo-diorítica intrusiva da
Sequência Serra de Santa Bárbara com 1,72 a 1,73 Ba. interpretada como a idade de
intrusão. O intercepto inferior determina uma idade de cerca de 790 Ma que foi sugerida
como a idade de metamorfismo sintectônico de alto grau;
2) gabro pegmatóide da Sequência Serra da
Malacacheta com idade de 1,29 a 1,35 Ba. definida pelo intercepto superior e de 770 a 820
Ma definida pelo intercepto inferior. A primeira é interpretada como representando uma
possível fase de magmatismo ligado à tectônica extensional uruaçuana ou de magmatismo
localizado e a segunda referente ao metamorfismo de alto grau.
Assim, estas idades foram interpretadas por esses
autores como as de magmatismo máfico na base de crosta continental durante fases
extensionais há cerca de 1,7 Ba. e de metamorfismo de alto grau relacionado com a
colisão continental entre os cratons Amazônico e São Francisco durante o Ciclo
Brasiliano/Panafricano entre 0,77 e 0,82 Ba. em um quadro idêntico ao já proposto por
Ferreira Filho & Naldrett (1993).
Ferreira Filho et al (1994a) expõem de forma mais
ampla e profunda os dados e resultados do trabalho já antecipado parcialmente por
Ferreira Filho & Naldrett (op.cit), mantendo as mesmas conclusões.
Várias amostras foram coletadas na área de
detalhamento para a análise geocronológica pelo método Rb-Sr: metagranitos associados
com a mineralização esmeraldífera, fácies de granulitos ácidos enderbíticos
homogêneos, aparentando compor um sistema isotópico; metagabros da intrusão
granulitizada de Água Clara, hornblenda e biotita gnaisses (fácies anfibolito)
associados com o Complexo Anápolis-Itauçu..
Das amostras coletadas para datação Rb-Sr em
rocha total somente foram analisadas isotopicamente as de dois afloramentos, sendo que,
às dos demais afloramentos foram descartadas devido às pequenas variações das razões
Rb-Sr. As amostras analisadas apresentam metamorfismo limitado como uralitização e
saussuritização, correpondendo a fácies preservadas das zonas centrais das intrusões:
1) fácies gabrodiorito associado com gabronorito (ponto 2MW269) do stock da Serra do Gongomé. A seguir são listados os dados analíticos e o resultado da datação é apresentado na Figura 7-1:
Amostra |
Rb |
Sr |
87Rb/86Sr |
87Sr/86Sr |
269D2 |
46 |
207 |
0,644 |
0,72178 |
269D4 |
64 |
220 |
0,843 |
0,72194 |
269D |
17 |
264 |
0,186 |
0,71782 |
269H |
8 |
240 |
0,097 |
0,71563 |
269I |
5 |
282 |
0,051 |
0,71564 |
269J* |
28 |
246 |
0,33 |
0,71595 |
* -amostra descartada por estar muito fora da reta isocrônica,
indicando provável erro analítico
A fácies diorítica analisada é muito bem
preservada mas apresenta localmente hornblenda e biotita neoformadas (Fotomicrografia 44) o que pode ter
influenciado a presente datação com a re-homogeneização parcial do sistema isotópico
quando do metamorfismo que afetou regionalmente estas rochas. Esta fácies diorítica
apresenta autólitos (ponto 2MW329), que indicam intrusão múltipla (Cap.3) e, assim, a
idade obtida deve representar uma fase plutônica mais jovem e com razões iniciais mais
elevadas (87Sr/86Sr: 0,7154), devido a maior envolvimento crustal, do que a dos primeiros
afluxos magmáticos. A pequena variação dos teores de Sr e Rb nas amostras analisadas e
os fatores arrolados influenciaram na imprecisão da datação de 615 ± 108 Ma com
MSWD=13,981.
2) fácies tonalítica (ponto 2MW349) do Batolito Serra do Cuscuzeiro a sudeste de Americano do Brasil. Conforme tratado no Cap.3 estas rochas certamente representam produto de magmatismo híbrido mais jovem do que as fácies gabróicas e dioríticas, pois contem xenólitos das mesmas. O processamento dos dados (tabela abaixo) apresentou resultados de idade altamente improváveis (297± 56Ma, RI=0,7235+0,0011 com MSWD=6,0)
Amostra |
Rb |
Sr |
87Rb/86Sr |
87Sr/86Sr |
349B |
103 |
165 |
1,81 |
0,73177 |
349P |
114 |
205 |
1,612 |
0,72953 |
349K |
98 |
204 |
1,393 |
0,72923 |
243L |
127 |
214 |
1,721 |
0,73005 |
349X1* |
60 |
207 |
0,84 |
0,72701 |
349X2* |
58 |
198 |
0,849 |
0,72716 |
349X3* |
82 |
213 |
1,115 |
0,72259 |
349C* |
95 |
186 |
1,481 |
0,73046 |
* = amostras descartadas: 349X1 a X3 são de xenólitos híbridos e 349C, muito fora da reta isocrônica, indica provável erro analítico.
Assumindo o relacionamento genético entre as
fácies básicas e ácidas, visto que os xenólitos representam mistura dos dois magmas,
conforme verificado em campo e petrograficamente, foram reunidos os resultados analíticos
dos dois grupos de amostras (fácies gabro-dioríticas e tonalito-granodioríticas) em um
diagrama isocrônico (Figura 7-2).
Pode-se ver que a reta isocrônica, determinando uma idade de 637± 19Ma, tem um melhor
ajuste do que quando definida para cada um dos grupos isoladamente. A alta razão inicial
(0,7153) indica participação ou envolvimento crustal seja como fluido (são rochas
calcialcalinas) seja como material palingenético. Apesar das rochas analisadas serem
bastante preservadas, deve ser destacado que biotitização, uralitização e
metassomatismo K podem ter alterado as relações isotópicas do Rb e do Sr ao mobilizarem
(in e out) K e Ca.
Este resultado, apesar das restrições (RI
elevada, ajuste não muito preciso, possível mobilização de elementos..), coloca em
questão as idades que tem sido atribuídas aos complexos máficos Americano do Brasil,
Mangabal,..(p.ex. Marini et al,1984b). Fica prejudicada, simultaneamente, a
interpretação de representarem fácies plutônicas sin a tardi-tectônicas da região
liminar e das raízes do sistema de arco de ilhas da Sequência Mossâmedes datada como
transamazônica (Fuck & Pimentel, 1990).
Caso o complexo gabro-anortosítico Santa Bárbara
seja correlato da Supersuíte Americano do Brasil, juntamente com os gabros, dioritos,
granitos metamorfizados na fácies anfibolito do Complexo Anápolis-Itauçu, conforme
aventado no Cap.3, fica determinada uma diferença cronogeológica com os complexos
granulíticos do norte que estão associados com maciços anortosíticos de idade paleo a
mesoproterozóica segundo as datações de Ferreira Filho et al (1994a) e Suita et
al(1994).
7.4. DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS GEOCRONOLÓGICOS
A indicação de idades arqueanas para os
complexos granulíticos em vários trabalhos pioneiros induziu a formulação de propostas
diversas sôbre a origem e a evolução dos terrenos de alto grau do Centro-Oeste com os
complexos máfico-ultramáficos visualizados como prováveis fragmentos de crosta
primordial da região.
Os dados de Fugi (1989) e de Correia (1994)
levaram este último a propor que o Complexo Cana Brava represente uma intrusão profunda
(± 7 kbar), diferenciada, de idade transamazônica e intrusiva na Sequência
vulcano-sedimentar Palmeirópolis. Segundo esse autor a idade de cerca 1.350Ma dos
anfibolitos da borda leste corresponde a evento uruaçuano de colisão continental
coerentemente com os dados e proposta de Fuck et al.(1988,1989) para o Complexo Barro
Alto. A datação da intrusiva gabro-coronítica do Morro da Bota sem deformações
indicaria que este evento já teria findado há 1,1Ba.
Esta proposta, assim como a original de Fuck et
al. (op.cit.), contraria propostas atuais de evolução do Craton do São Francisco e das
faixas associadas que não aceitam a existência de uma tectônica compressional
significativa do Ciclo Uruaçuano. Este ciclo seria estritamente extensional com
formação de rifts e magmatismo, principalmente cratogênico, associado.
Nesta linha seguem as propostas de Ferreira Filho
et al.(1994a) e de Suita et al. (1994) que definem a cronologia dos principais eventos
relacionados com a evolução dos complexos máfico-ultramáficos granulitizados:
1) intrusão de magma basáltico em níveis
subcrustais de crosta continental no Paleo a Mesoproterozóico (1560-1600Ma no Complexo
Niquelândia e 1.720-1.730 Ma no Complexo Barro Alto);
2) fase magmática localizada (?) no Complexo
Barro Alto a 1.290-1.350 Ma;
3) metamorfismo de alto grau relacionado com
processo de colisão continental a 770-820 Ma.
Ferreira et al (1994a) destacam que os zircões
primários utilizados para a datação foram largamente recristalizados, de sorte a se ter
mais de 50 % de cristais discordantes para a definição do intercepto superior o que
reduz significativamente a precisão da datação referente à solidificação do magma do
Complexo Niquelândia. A partir desta constatação, aventa-se a possibilidade de os tres
conjuntos: gabro-noritos, gabro-anortositos e sequência vulcano-sedimentar tenham idade
semelhante ou próxima, envolvendo uma evolução tectônica relacionada, já que na Serra
da Figueira, Complexo Barro Alto, coronitos e microgabros, tidos como da sequência
gabro-anortosítica, são correlacionados com os metabasaltos da Sequência Juscelândia
(Winge & Danni,1994a).
As fácies granulitizadas que foram datadas tanto
por Ferreira Filho et al (1994a) quanto por Suita et al (1994) são quartzo-dioríticas,
isto é, correspondem à série evoluída por contaminação crustal (ver Cap.6) e que é
mais jovem do que a sequência máfico-ultramáfica pois a corta, contendo xenólitos da
mesma. A existência de uma transição desde fácies mais básicas até ácidas para esta
série híbrida e intrusiva bem como os estudos de geoquímica indicam que a sua
evolução está ligada com a fase magmatogênica e não com a granulitização e o
ultrametamorfismo associado o que levaria a outra interpretação cronogeológica de todo
o conjunto, já que as idades obtidas são desta fase intrusiva.
As datações dos granitos das Sub-Províncias
Paranã e Tocantins indicaram eventos de ~1,78 (fase do rift Araí) e de ~ 1,6 Ba.
(fase recorrente de granitogênese estanífera, ver Cap.2) que estão dentro dos
intervalos das idades do magmatismo dos complexos, o que leva a correlacionar esta
granitogênese com o rifteamento paleoproterozóico e com o afluxo de magma dos
complexos em níveis subcrustais, conforme proposto por Nilson et al. (1994).
Na datação de Fugi (1989) são descartadas 3
análises Sm-Nd de rochas do Complexo Cana Brava: a CB47 porque se trata de um anfibolito
da Sequência Palmeirópolis e as outras duas (32b e 39) porque caem muito fora da reta
isocrônica na qual estão bem ajustadas as quatro análises restantes. A justificativa
para o descarte é de que, apesar de cogenéticas, as amostras excluídas provavelmente
foram envolvidas em processos de contaminação do magma por rochas crustais ácidas e em
complexos processos de evolução da câmara magmática, que poderiam ter redundado em
heterogeneidades isotópicas. Supondo que as duas amostras descartadas foram as com
contaminação (estão fora da reta isocrônica), verifica-se que elas apresentam razões
147Sm/144Nd mais elevadas do que as outras não descartadas quando, na realidade, ao
ocorrer contaminação com rochas crustais, deveria haver diminuição e não aumento na
razão 147Sm/144Nd. Além disso, as 4 análises selecionadas apresentam pequena variação
nas razões isotópicas, definindo um pequeno intervalo de ajuste na reta isocrônica.
Assim, visando a reinterpretação dos dados,
foram reincorporadas ao sistema as duas amostras descartadas, obtendo-se uma isócrona
Sm-Nd de 1.308 ± 330 Ma com å Nd=-5,5. Ao se incorporar as análises do gabro
coronítico do Morro da Bota, a idade isocrônica passa para 1.199± 240Ma com å Nd=-5,3.
O intervalo 1.308± 330Ma inclui a idade proposta por Ferreira Filho et al (op.cit) para a
solidificação do Complexo Niquelândia. No sentido contrário, tem-se idades mais
antigas definidas por Suita et al (op.cit) e o comprometimento da precisão da idade
calculada de emplacement por Ferreira et al (op.cit), face à alta percentagem de
cristais de zircão com valores discordantes. Assim, esta idade poderia ser
aproximadamente a mesma do rifteamento Araí, entre 1,7 e 1,8 Ba., que se
desenvolveu muito próximo da sutura crustal onde estão inseridos os complexos
máfico-ultramáficos granulitizados.
Winge & Danni (1994a,b) mostram que os gabros,
coronitos, diabásio e anfibolitos da Serra da Figueira, correlatos da Sequência
Gabro-anortosítica Serra da Malacacheta do Complexo Barro Alto, correspondem à camada 2
a 3 da crosta oceânica, abaixo da sequência vulcano-sedimentar Juscelândia, não sendo
cogenéticos nem fazendo parte do conjunto gabro-norítico granulitizado que ocorre
estruturalmente abaixo, o que contraria o modelo de Ferreira Filho & Naldrett
(1991,1993) e Ferreira Filho et al. (1992a,1993,1994a,b) para situação análoga no
Complexo Niquelândia. Os dois conjuntos podem ser de idades diferentes ou, se de mesma
idade, representarem porções crustais de ambientes geológicos distintos e que foram
tectonicamente reunidas por uma evolução comum nos três complexos Aceitando-se a idade
dos gabro-anortositos fornecida por Ferreira et al. (1994a) e a sua associação com
estrato crustal oceânico (Juscelândia), a inexistência de evento compressional
uruaçuano indicaria que a(s) bacia(s) oceânica(s) Juscelândia, Indaianópolis e
Palmeirópolis teriam duração extraordinária sem colapso crustal. Salienta-se
que a modelagem proposta por Ferreira et al. (1994a) indica magmatismo paleo a
mesoproterozóico e metamorfismo neoproterozóico, isto é, somente cerca de 800 Ma após
a intrusão e em ambiente exclusivamente de crosta continental.
Na Sequência Serra da Malacacheta, assim como em
sua homóloga Sequência Serra dos Borges, ocorrem fácies com hornblenda muito
desenvolvida, geralmente como bolsões parcialmente estromáticos em charneiras, pods e
em massas irregulares dentro de anfibolitos bandados. Claramente, elas atestam fase
anatéxica de alto grau, tardi-tectônica do evento que metamorfisou os gabro-anortositos
e está relacionada a uma 2a fase isoclinal (cortam hornblenda nematoblástica
dobrada na charneira). Os dados geocronológicos e respectiva interpretação de Suita et
al. (1994) referente ao gabro pegmatóide provavelmente correspondem a esta fase de
mobilização anatéxica, de modo que a idade obtida de 1,29 a 1,35 Ba. pode ser
reavaliada no sentido de que não seria a do magmatismo, mas sim, de eventos
anatéxico/metassomáticos tardi-tectônicos com alta PH2O. Esta interpretação que vai
de encontro a dados de geocronologia pelo método Rb-Sr em rocha total (Girardi et al.,
1978; Fuck et.al.,1988,1989; Correia,1994), deve ser complementada com novos estudos e se
confirmada apontaria para a existência, mesmo que regionalmente limitada hoje, de rochas
afetadas por um metamorfismo de características compressionais com idade
mesoproterozóica praticamente na mesma época da que foi determinada para este provável
ciclo (Uruaçuano).