UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA -INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS / TESE DE DOUTORADO No 5 - MANFREDO WINGE 
 EVOLUÇÃO DOS TERRENOS GRANULÍTICOS DA PROVÍNCIA ESTRUTURAL TOCANTINS, BRASIL CENTRAL


8.DISCUSSÃO

8.1. A RELAÇÃO TERRENOS GRANULÍTICOS X GREENSTONE

    A frequente ocorrência de compartimentos arqueanos de baixo grau metamórfico do tipo greenstone lado a lado com os terrenos de alto grau metamórfico em diversos cratons do mundo incentivou a elaboração de propostas de evolução preferencialmente arqueana para os terrenos de alto grau (Cap.1).
   
Na Província Estrutural Tocantins os terrenos granulíticos e greenstone apresentam-se em compartimentos distintos (Cap.2) e só raramente em contato direto, como é o caso da área detalhada no presente trabalho (Cap.3).
   
Nesta área, os dados levantados mostraram que os contatos greenstone - granulitos, a leste de Americano do Brasil, são tectônicos e que houve aproveitamento dos planos de falha para a entrada de diques, sills e stocks gabróicos, dioríticos a mais ácidos do Proterozóico, sendo todo o conjunto metamorfizado na fácies anfibolito e, nas falhas, retrabalhado até condições da fácies xisto verde e, dinamicamente, até a formação de ultramilonitos. Essas falhas sofreram aquecimento estático em evento tardi a pós-milonítico (Fotos
62, 63) ligado, provavelmente, tanto ao calor da massa granulitizada ascendente quanto ao efeito de relaxação tectônica.
   
A participação da crosta arqueana na formação do cinturão granulítico é indicada:

1) pelo envolvimento de rochas supracrustais (Cap.3) junto destes contatos tectonizados com os terrenos de greenstone belts,
2)pelas idades transamazônicas (Lacerda Filho & Oliveira,1994b) de ortognaisses e migmatitos do Complexo Anápolis-Itauçu, envolvendo a fusão de material crustal mais antigo, e
3)por leptinitos com assinatura geoquímica de terrenos TTG arqueanos (Cap.6).

    Assim, a estrutura de brecha do mármore de Goianira, com fragmentos de rochas cálcio-silicáticas e de gnaisses (Cap.2, Cap.5), originou-se, muito provavelmente, por envolvimento de rochas de terrenos greenstone e de seu embasamento TTG em metamorfismo dinâmico e não por rodingitização (metassomatismo CO2 e Ca sobre rochas máficas e ultramáficas), vistos os seguintes fatos:

a) existência de metassedimentos granulitizados de natureza similar nas proximidades como, por exemplo, as rochas cálcio-silicáticas inseridas nos terrenos granulíticos da região de Nerópolis;
b) ocorrência, nas proximidades, de níveis expressivos de mármores calcíticos no greenstone belt Anicuns-Itaberaí 35 km a oeste;
c) identificação de assinaturas de ETR, características de granitóides arqueanos, em leptinitos regionais;
d) fragmentos de natureza gnáissica de parte dos clastos tectônicos, típica de rochas ácidas de embasamento, e diferente de relictos máfico-ultramáficos de rodingitos.

8.2.PROTÓLITOS

    O retrabalhamento crustal ao longo de falhas transcorrentes e inversas é uma constante nos terrenos granulíticos, seja pré, sin ou pós granulitização (Cap.3,4,5). Ebert (1968) já chamava a atenção para o padrão textural milonítico dos granulitos kinzigíticos e outros da região sul de Minas Gerais, relacionando as ocorrências de granulitos e charnockitos com a tectônica de nappes.
   
Esse retrabalhamento tem descaracterizado as rochas pelo retrometamorfismo com hidratação, originando xistos verdes, anfibolitos, semi-xistos, micaxistos, quartzo-xistos, gnaisses micáceos a hornblêndicos e outras rochas, muitas delas assemelhadas a supracrustais, metamorfizadas dentro ou nos limites dos complexos granulíticos. Isto tem dificultado o reconhecimento e extensão dos terrenos de alto grau e levado mesmo à proposta de existência de sequências vulcano-sedimentares nestas faixas retrabalhadas, muitas vezes posicionadas junto das unidades metassedimentares do Neoproterozóico, onde foram mais intensos os falhamentos e as deformações relacionadas com a ascensão dos terrenos granulíticos.
   
Entretanto, as ocorrências comprovadas de meta-chert, bif, de mármore e de rochas cálcio-silicáticas nos terrenos granulíticos (complexos Niquelândia, Barro Alto e Anápolis-Itauçu- Cap.2,3,5) atestam cabalmente o envolvimento de rochas supracrustais nas faixas granulitizadas.
   
A ocorrência de granulitos máficos finos associados a estas rochas supracrustais, principalmente quando na forma de bandas centimétricas, embasou a interpretação da origem a partir de metabasaltos, o que levou a se visualizar o cenário proto-ofiolítico (Danni & Leonardos,1978,1982; Fuck et al., 1981; Danni et al., 1984), decorrente de rifteamento continental e desenvolvimento de crosta oceânica restrita, envolvendo porções mantélicas e cumuladas (fácies máfico-ultamáficas granulitizadas) sob as supracrustais de fundo oceânico.
   
Outra possibilidade (Danni, 1988) é a de representarem metabasaltos das sequências arqueanas que ocorrem muito próximas. Protólitos deste tipo devem ocorrer, visto que restos de crosta arqueana constituem parte dos terrenos granulitizados. Sem descartar totalmente esta hipótese, há que se considerar, entretanto, que a fácies fina de opx-cpx granulitos máficos, uniforme por grandes extensões, compromete a aceitação desta origem porque os metabasaltos komatiíticos hidratados dos greenstone belts sofreriam diferenciação metamórfica, fusão parcial, blastese, etc.. durante o metamorfismo de alto grau, com uma reologia e cinética de reações diferente das destes granulitos finos, provavelmente anidros em sua origem.
   
A dualidade de interpretação genética dos complexos de Barro Alto, Niquelândia e Canabrava a saber, maciços estratiformes versus edifícios ofiolíticos, é verificada de longa data e tem sido objeto de muitos trabalhos e discussões (e.g.Almeida,1968; Angeiras,1968; Thayer,1970; Berbert, 1970,1980). As duas propostas são completamente antagônicas, visto que .. "as câmaras magmáticas de assoalho frio e estático dos complexos estratiformes tem pouco em comum com as câmaras de fundo móvel e quente dos ofiolitos" (Nicolas,1989), implicando em desenvolvimento geotectônico e petrológico bem diferenciado. A correta interpretação da gênese destes complexos, além de fundamentar o conhecimento básico da evolução geológica de toda a região centro-brasileira, tem implicações importantes na caracterização do potencial metalogenético regional.
   
Presentemente, considera-se que estes granulitos máficos finos, onde apresentam grandes extensões (parte norte do segmento ocidental do Complexo Barro Alto), possam representar fácies de resfriamento de topo dos primeiros afluxos de magma, invadindo a base de crosta sializada ainda fria (ver gradiente geotérmico continental na Figura 5-1) durante e associadamente com diastrofismo extensional. Já os autólitos e xenólitos máficos (Foto 17) podem representar fácies de borda ou de diques e sills dos dutos subjacentes de alimentação magmática arrancados pelos novos afluxos magmáticos.
   
Certamente, existem outros tipos de rochas supracrustais originalmente associadas com as supracrustais descritas anteriormente, como metapelitos e meta-vulcânicas quartzo-feldspáticas, mas a sua identificação não é tão evidenciada porque, com a evolução metamórfica complexa (granulitização e ultrametamorfismo), tais tipos de rochas foram transformadas em gnaisses, kinzigitos, migmatitos, anatexitos ou leptinitos, assemelhando-se, estrutural e texturalmente, aos granulitos ácidos ortoderivados de embasamento siálico retrabalhado. Em grande parte, os metapelitos podem ter sido digeridos pelo magma muito quente do qual derivaram os complexos máfico-ultramáficos, contribuindo para a sua contaminação. Exemplo disso são os restos de xenólitos do tipo buchitos de espinélio encontrados em granulitos noríticos (p.ex. na Faz. Sibéria, no Complexo Barro Alto), os quais representam restitos de xenólitos pelíticos.
   
Por outro lado, leptinitos e granada quartzitos feldspáticos, intercalados com granulitos máficos finos, interpretados como pertencentes a sequências meta-vulcânicas, podem corresponder a metagranitos milonitizados a seco (sem migmatização) após a estruturação como leptinito, confome é comprovado pelo estudo da ocorrência de Mato de Dentro, no Complexo Anápolis-Itauçu (Cap.3, 5 e 6). Aventa-se, por exemplo, que os sillimanita granada quartzitos feldspáticos, capeando ou estratificados dentro do Complexo Barro Alto (icelanditos e trondhjemitos do antigo modelo proto-ofiolítico), possam corresponder a milonitos de embasamento, iguais aos que ocorrem dentro das intrusões máfico-ultramáficas Fazenda Conceição e Água Clara (Cap.3, Foto 58) do Bloco Capelinha do Complexo Anápolis-Itauçu.
   
Os granulitos máficos e ultramáficos que se inserem como boudins e pods lentiformes nos terrenos de leptinitos e de outros granulitos ácidos podem ter várias origens:

1) meta-vulcanitos de sequências supracrustais que continham os calcários (p.ex., greenstone belts);
2) rochas filonianas hipabissais da crosta arqueana de terrenos TTG (Cap.2);
3) diques e sills do ciclo tectônico que propiciou a entrada de magma diferenciado em complexos máfico-ultramáficos;
4) rochas hipabissais e outras envolvidas como xenólitos (Foto 28);
5) pequenos corpos plutônicos ou sills/diques maiores rompidos tectonicamente.

    Com a evolução metamórfica, as fácies básicas hipabissais estiradas e transpostas podem alternar-se com níveis de leptinitos (blastomiloníticos) de origem plutônica, assemelhando-se a uma associação meta-vulcânica bimodal estratificada.
   
É evidente que a caracterização das origens desses granulitos ácidos, básicos e ultrabásicos requer estudos detalhados em cada área de interesse e, por isso, não pode ser determinada uma origem privilegiada ao nível regional deste trabalho.
   
Entretanto, os estudos mostraram que a constituição dos terrenos granulíticos envolveu, essencialmente, retrabalhamentos de crosta siálica com restos de sequências supracrustais e magmatismo intrusivo de vários tipos, com destaque para o aporte de magma basáltico magnesiano seco alojado em níveis subcrustais e diferenciado em complexos máfico-ultramáficos de trend gabro-norítico, compondo hoje os complexos máfico-ultramáficos Cana Brava, Niquelândia e Barro Alto, ao norte, e vários complexos de menores dimensões (Heitoraí, Itaguaru, Serra do Brandão-Taquaral, Água Clara-Faz. Conceição, Damolândia..) no complexo granulítico Anápolis-Itauçu. Assim, é provavel que nos terrenos gnáissico-granulíticos do Complexo Anápolis-Itauçu predominem rochas ortoderivadas plutônicas a hipabissais básicas.

8.3. EVOLUÇÃO GEOTECTÔNICA E METAMÓRFICA

    As ocorrências de rochas de origem supracrustal como mármores, meta-chert, bif, rochas cálcio-silicatadas em xenólitos e como níveis (roof pendants?) de dimensões até quilométricas nos complexos Barro Alto, Niquelândia e Anápolis-Itauçu indicam que, nos tempos primordiais de sua evolução tectônica, ocorreram eventos que levaram estas rochas para níveis infracrustais, antes da intrusão dos complexos máfico-ultramáficos e do metamorfismo granulítico.
   
Em modelo anterior (Danni & Leonardos,1982; Fuck et al,1981; Danni et al,1984; Winge,1990..), os complexos granulitizados eram interpretados como raízes de sistemas similares aos ofiolíticos fanerozóicos granulitizados e mantidos em residência infracrustal até as tectogêneses uruaçuana e brasilana que os teriam trazido para os níveis da superestrutura metassedimentar; posteriormente, com o soerguimento orogênico e pós-orogênico, acompanhado da erosão da cadeia de montanhas, eles teriam assomado à superfície terrestre.
   
Os estudos petrogenéticos e geocronológicos recentes (Cap.5, 6 e 7), bem como a determinação de elementos de crosta sializada (Winge & Danni,1994c; Cap. 3 e 5) onde se alojaram os complexos máfico-ultramáficos granulitizados, impeliram a revisão daquele modelo.
   
Os indícios da participação de terrenos TTG arqueanos (Cap.5) na constituição desta crosta granulitizada não significam que ela seja constituída, exclusivamente, por elementos arqueanos, vista a incidência de rochas de acresção lateral (p.ex. Sequência Mossâmedes) e vertical (p.ex. ortognaisses diversos, "Granito" Pau de Mel..), que ocorrem próximas ou dentro dos terrenos de alto grau, apresentando idades não-arqueanas e mais antigas do que as aventadas para o metamorfismo de alto grau que se teria realizado a 1,3 ou a 0,78 Ba. (Cap.7).
   
O abatimento das rochas supracrustais para os níveis de médios da crosta até da infracrosta, onde se deram as intrusões dos complexos máfico-ultramáficos que, em parte, as assimilaram como xenólitos e como roof pendants, pode ter ocorrido em vários estágios, e a partir de dois mecanismos tectogenéticos:

a) tectônica compressional, com a colocação das supracrustais na lapa de falhas de empurrão ou em camadas invertidas de dobras reviradas;
b) tectônica extensional em área continental (ver p.ex. Roberts & Yelding,1994), com sistema de falhamentos lístricos em blocos flexurados e rotacionados sobre superfície de descolamento (modelo dominó e similares) ou em indentações entre falhas sucessivas (blocos de falha).

    Assim, tanto diastrofismos compressivos transamazônicos como os falhamentos lístricos da tectônica extensional que proporcionou a abertura do rift paleo-mesoproterozóico Araí (Cap.4) podem ter levado a supracrosta para níveis médios a inferiores.
   
Os terrenos granulitizados ao norte e ao sul da Megainflexão dos Pireneus apresentam importante diferença tectogenética:

1) ao norte, correspondem, maiormente, a grandes complexos máfico-ultramáficos inseridos como janelas tectônicas entre restos de embasamento milonitizado no grau metamórfico das supracrustais envolventes, o que revela grande aloctonia destes complexos;
2) ao sul, predominam como extensa crosta sializada, contendo complexos máfico-ultramáficos similares aos do norte, mas, mais reduzidos e com aloctonia limitada ou inexistente.

    Esta diferença significativa provavelmente teve as suas raízes já determinadas pela tectônica extensional diferenciada que afetou os dois terrenos, em função de um maior e/ou mais rápido desequilíbrio na interface litosfera/astenosfera ao norte (Figura 4-7).
   
Quando se deu o estiramento litosférico, zonas de fraqueza crustal pretéritas, principalmente as mais profundas, como a do falhamento (>2.146Ma.) transcorrente Taquaruçu (Cap.4), foram reativadas pela tectônica extensional nos sistemas de falhamentos lístricos, seja como falhas de gravidade, seja como falhas de trasferência, o que ocasionou as indentações, referidas atrás, de fatias de falha da crosta elevada, com supracrustais inclusive, na crosta profunda.
   
As rochas envolvidas neste processo compunham um conjunto reologicamente diferenciado: rochas anidras de embasamento tonalito-granítico, rochas supracrustais diversas, rochas milonitizadas das zonas de fraqueza e de suturas crustais. Possivelmente, as rochas supracrustais hidratadas e mármores mais dúcteis do que as rochas anidras envolventes favoreceram o deslizamento entre blocos, lubrificando os planos de falhas que se tornaram sítio favorável para reações de desidratação e descarbonatação, aumentando aí a pressão de fluido e diminuindo ainda mais a competência ao stress nestas falhas profundas, que acolheram o magma tholeítico alto Mg dos complexos máfico-ultramáficos.
   
As ocorrências de wollastonita nos granulitos cálcio-silicáticos, principalmente em xenólitos, indicam um metamorfismo térmico relacionado com intrusões do magma basáltico e sua evolução híbrida em crosta de gradiente geotérmico continental (Fig. 5-1), sofrendo aquecimento progressivo. As temperaturas iniciais da crosta, dadas pressões em torno de 5 kbar que foram estimadas (Cap.2: p.ex. Girardi et al, 1981; Correia,1994) para o emplacement dos complexos máfico-ultramáficos, oscilavam em torno de 300 a 500oC.
   
A instabilização subsequente da wollastonita junto com a cristalização de granada reacional (Cap.5) já em evento do metamorfismo granulítico é relacionada com um aumento de pressão. Isto indicaria que as intrusões possívelmente ocorreram em níveis menos profundos do que os níveis em que se deu a granulitização. Indícios neste sentido são dados também pela forma angulosa de xenólitos (Cap2; Fotos 8, 12) que sugerem níveis rúpteis da crosta (<12km) durante o magmatismo intermediário a ácido intrusivo nas sequências gabronoríticas e antecedente à granulitização.
   
A evolução tectônica das rochas, hoje granulitizadas, a partir deste cenário da tectônica extensional paleo-mesoproterozóica, leva à interpretação imediata de que a granulitização estaria ligada à elevação da astenosfera, provocando aquecimento na base da crosta, ou seja, de que a granulitização seria de idade quase igual (um pouco mais jovem) a do rifteamento da crosta e intrusão dos complexos. Esta interpretação, entretanto, é contraditada pelos dados geocronológicos obtidos por Ferreira et al. (1992a,1994a) e de Suita et al. (1994) que indicam ser a granulitização cerca de 800 Ma mais jovem do que o rifteamento.
   
A evolução dos terrenos granulíticos, consideradas estas limitações determinadas pelos dados geocronológicos, segue duas vertentes, discutidas a seguir:

1) a primeira, proposta por Ferreira Filho et al. (1992a,1994a) e Suita et al.(1994), considera que o rift paleo-mesoproterozóico teria sido exclusivamente continental, com alojamento de magma formando intrusões acamadadas do tipo Bushveld, e que a granulitização teria ocorrido em decorrência da colisão dos cratons do Amazonas e São Francisco;
2) a segunda, aqui advogada, propõe evolução tectono-magmática complexa, levando à oceanização, mesmo que limitada, em continuidade à tectônica de rift Araí/Araxá há cerca de 1,8 Ba. (conforme esquematizado na Figura 4-2, Cap.4), e a granulitização ligada a evento extensional brasiliano.

    As diferenças nos padrões de evolução magmática entre a Sequência Serra de Santa Bárbara e a Sequência Serra da Malacacheta (Cap.6; Figura 6-10) e a quebra de padrão dos ETR e das razões ETRL/ETRP na estratigrafia do Complexo Niquelândia (Figura 6-1), detectada por Ferreira Filho et al (1994b), demonstram que as sequências gabro-anortosíticas e gabro-noríticas não compõem uma estrutura magmática tipo Bushveld como tem sido proposto.
   
A Sequência Serra de Santa Bárbara, granulitizada, congrega dois conjuntos principais de rochas ígneas (Cap.5,6):

1) o primeiro conjunto é derivado de afluxos de magma do tipo tholeítico, alto Mg, originado em manto fértil, colocado em níveis inferiores de crosta sializada. Os produtos mais comuns de fracionamento deste magma são representados por peridotitos-piroxenitos, gabronoritos e noritos que apresentam um trend de enriquecimento progressivo em Fe para os termos mais evoluídos. A expressiva fatia tectônica de metaperidotito (serpentinito fortemente tectonizado) que se estende para sul da cidade de Barro Alto, encaixada entre os granulitos e a Sequência Serra da Malacacheta, talvez corresponda a níveis ultramáficos fracionados desta sequência. Girardi et al(1981) determinou pressões da ordem de 5 kbar (Cap.2) para as condições de resfriamento pós-magmático em rochas desta sequência;
2) o segundo conjunto apresenta rochas sistematicamente mais evoluídas e, significativamente, com trends geoquímicos (Figura 6-10) díspares com relação às do primeiro conjunto, havendo pequena ou nenhuma superposição entre os dois. Sua composição varia de gabros, dioritos e atingem termos de granitos aluminosos e magnesianos, representados por cordierita gnaisses, sendo as rochas mais comuns representadas por metagabro-dioritos e metaquartzodioritos de trend calcialcalino. A existência de fácies ricas em xenólitos com bordas de reação e as características geoquímicas apontam para uma evolução ligada a processos de contaminação crustal. O aquecimento progressivo das encaixantes pelo calor trazido pelo magma deve ter facilitado esta evolução. A ubiquidade das fácies com xenólitos de vários litótipos, muitas vezes com formas angulosas (Cap.2,5), indica que este processo se realizou com alta energia hidráulica no afluxo magmático, provavelmente em níveis mais rasos do que os do primeiro aporte magmático, o que facilitaria, também, a fusão anidra crustal por descompressão. Em ambiente dinâmico de extensão litosférica, este evento magmático pode ter sido cataclísmico e estar balisando temporalmente uma importante deslaminação crustal em níveis superiores, onde se instalava a calha do rift.

    Em conclusão, tendo em vista que as sequências gabro-anortosíticas não são cortadas por esta fácies híbrida e que a Sequência Serra da Malacacheta (Cap.6) mostra trend geoquímico completamente diferente daquele da sequência gabronorítica, torna-se evidente que não faziam parte da mesma câmara magmática.
   
A Sequência Serra da Malacacheta, e sua correlata Serra dos Borges no Complexo Niquelândia, caracterizam-se por apresentar (Cap.2) fácies gabro-anortosíticas associadas com troctolitos e olivina-gabros, sendo comuns as texturas de reação coronítica, além das fácies metamorfizadas como granada anfibolitos bandados. Essa associação magmática é característica dos maciços proterozócos, tipo Grenville-Labrador, intrusivos ou encaixados tectonicamente em terrenos granulíticos (p.ex. Best,1982; Philpotts,1990).
   
A origem das coroas reacionais em troctolitos e olivina-gabros coroníticos associados com maciços anortosíticos é objeto de vários estudos termobarométricos como, p.ex., Griffin (1971) que, geralmente, determinaram condições de colocação do magma troctolítico em pressões altas e cristalização tardi-magmática das granadas com coroas, muitas vezes, de descompressão estática como, p.ex., granada=>simplectito opx+plagioclásio. As revisões de Duchesne & Michot (1974) e De Waard (1974) concluem que não há um ambiente nem uma idade orogênica exclusivos para a colocação dos maciços anortosíticos: podem ser sinorogênicos ou anorogênicos e de colocação desde a alta mesozona (não formando coronitos como os maciços da Província de Labrador) até a profunda catazona com condições de transição para a fácies eclogito.
   
A existência de fácies finas de transição entre olivina gabro coronitos e os metabasaltos da sequência vulcano-sedimentar Juscelândia, conforme é bem atestado na região da Serra da Figueira, (Cap.2, 5 e 6) permitiu correlacionar (Winge & Danni,1994a,b) temporal e geneticamente a sequência troctolito-gabro-anortosítica com os basaltos oceânicos das bacias vulcano-sedimentares. Neste sentido, cabe lembrar que são relativamente comuns as ocorrências de troctolitos, olivina gabros, gabros e anortositos como elementos de crosta oceânica como ocorre, por exemplo, na cadeia do Oceano Índico (Engel & Fisher,1975), em ofiolitos na Córsega oriental (Ohnenstetter et al, 1975), em ofiolito de Bay of Island (Bédard,1993)... A associação de dunitos e peridotitos com gabros acamadados, incluindo troctolitos, anortositos, anfibolitos, noritos, hiperstênio gabros com enxame de diques, sheeted em parte, e com derrames, brechas e pillows de basaltos efusivos é verificada também em crosta oceânica exposta nas Ilhas McQuarie, no Pacífico (Hekinian,1982).
    A associação tipo Serra da Figueira é análoga a essa estruturação e estaria acima de níveis anortosíticos de crosta oceânica, conforme proposto. A dificuldade para aplicar esta correlação no quadro geológico dos complexos máfico-ultramáficos é a dimensão e espessura das fácies anortosíticas que apontam para a tipologia dos complexos anortosíticos tipo Grenville, dômicos, alóctones, sem raízes aparentes de fracionados ultramáficos e tectonicamente encaixados junto a terrenos granulíticos, sem aparentar estrutura ofiolítica.
   
A alternativa para explicar, logicamente, a associação caracterizada na Serra da Figueira, é a de compartimentos laterais em um processo evolutivo conjunto, no qual o pacote mais espesso da sequência anortosítica corresponderia a intrusão em crosta de transição do tipo margem passiva vulcânica (Mutter et.al.,1988; White & McKenzie,1989; Zehnder et al,1990; Hopper et.al.,1992), desenvolvida durante regime de rifteamento rápido com acresção plutônica subcrustal, em um modelo análogo ao determinado para a estruturação crustal na costa NW da Austrália, Bacia de Cuvier, e nas margens a oeste da Noruega (Figura 8-1) e leste da Groenlândia.
   
O magmatismo da Sequência Serra da Malacacheta teria alta fO2 (Cap.6) e dar-se-ia em níveis relativamente elevados da crosta. Neste sentido, cabe lembrar que indícios de intrusão rasa de maciço anortosítico dos Adirondacks são dados por Valley (1985), a partir de polimetamorfismo de wollastonita reequilibrada em evento granulítico posterior.
   
Na hipótese formulada, os complexos troctolito gabro-anortosíticos sucederiam os complexos máfico-ultramáficos desenvolvidos em crosta continental, durante forte evento extensional, prenunciando a abertura do rift oceânico, e infiltrando-se como volumosas massas de magma parcialmente fracionado e alto Al (Cap.6) na base da crosta fina, muito estirada, que estava se transformando em crosta de transição ou de plataforma continental.
   
A maior fO2 poderia ter, também, como uma das causas o acesso de fase aquosa facilitado por falhamentos lístricos da bacia sedimentar (Araí, Araxá), ainda intrasiálica, já sofrendo colmatação.
   
Dentro desta idealização, as unidades vulcano-sedimentares associadas seriam de idade um pouco mais jovem do que os maciços anortosíticos e estes do que a sequência gabro-norítica, e cada um em compartimentos distintos (laterais) com zonas e etapas (recorrências magmáticas) de superposição.
   
A idade do rifteamento e magmatismo dos complexos é paleo a mesoproterozóica (~1,78Ba.-1,58Ba.; ver Cap7), sugestivamente igual ao intervalo cronogeológico em que se desenvolveram em outros pontos da Terra os cinturões de maciços anortosíticos tipo Adirondack, sistematicamente inseridos em terrenos granulitizados, sinorogênicos (geralmente sem raízes ultramáficas, alóctones) variando para cratogênicos, em vários lugares do mundo como Noruega, Labrador, Adirondacks (ver p.ex. Windley,1977; Best, 1982; Philpotts, 1990).
   
O Complexo Anortosítico Santa Bárbara, junto ao Complexo Anápolis-Itauçu, mostra, em alguns pontos, analogia com o complexo anortosítico da Sequência Serra da Malacacheta, a saber: fácies anfibolito; contato tectônico ? com granulitos (Bloco Capelinha); ocorrência de Araxá próximo; evolução magmática indicando alta fO2..). A tipologia, entretanto, envolvendo granitos porfiróides, tendendo a rapakivi (Cap.3), indica ambiente geotectônico mais cratônico, talvez de crosta siálica adelgaçada. Caso for comprovada uma idade semelhante entre os dois, ele poderia representar uma fácies análoga às do norte, mas ainda intra-siálica associada à litosfera fortemente estirada. Estas ocorrências configurariam um cinturão anortosítico, colocado em zona mais móvel do que o cinturão de granitos (estaníferos por magmatismo recorrente), de pré a sin-rift, que acompanha os terrenos granulíticos a leste, junto às zonas de sutura orogênica, nas bordas cratônicas flexuradas. Um ponto negativo para esta idealização é a possível correlação do Complexo Santa Bárbara com o magmatismo básico da Supersuíte Americano do Brasil, datada em caráter preliminar com cerca de 640 Ma (Cap.7).
   
A identificação de áreas oceânicas com magmatismo tholeítico tipo back arc (sequências tipo Juscelândia) e tholeítico a calci-alcalino de arco de ilha (sequências tipo Mossâmedes) do Paleoproterozóico implica em formação de bacia(s) ensimática(s) dividindo os terrenos sializados (granito-greenstone, gnaisses e granulitos?) mais antigos.
   
As dimensões que apresentavam, a paleogeografia associada e a evolução no tempo dessas bacias são questões difíceis de determinar devido às colagens de áreas de acresção crustal, cavalgamentos, transcorrências, deformações e metamorfismo.. sucedentes que apagaram a memória crustal, principalmente a partir do forte tectonismo da Orogênese Brasiliana.
   
A continuidade do greenstone belt de Goiás no rumo noroeste-sudeste com a sequência Mossâmedes a oeste trunca as direções dessas unidades ensimáticas, dificultando a visualização de uma bacia panthalássica paleoproterozóica com um oceano contínuo a oeste dos cinturões granulíticos. Em função do modelo apresentado, interpreta-se que essas áreas oceânicas foram diacrônicas com o mar Mossâmedes, ao sul, mais antigo (idades em torno de ~2,1 Ba., Fuck & Pimentel,1990) do que o mar Juscelândia-Indaianópolis-Palmeirópolis ao norte. Este corresponderia a rift oceânico aproximadamente cronocorrelato do Grupo Araí.
   
A geodinâmica das regiões oceânicas envolve afundamento crustal no manto à medida em que a crosta vai esfriando e tornando-se densa. Assim, deve ter havido uma tectogênese de fechamento destas bacias oceânicas (a crosta oceânica mais velhas hoje não tem mais de 200 Ma) com obducção parcial da crosta simática ou que tenha sofrido aporte substancial de massas sializadas (arco de ilha?) para a sua preservação.
   
Os dados geocronológicos e as interpretações de evolução crustal de Ferreira Filho et al. (1992a,1994a) e de Suíta et al. (1994) implicam em uma dissociação causal entre os eventos termo-tectônicos de intrusão dos complexos máfico-ultramáficos (1,56 a 1,73Ba.) e os eventos que produziram a sua granulitização (0,77 a 0,79 Ba.), visto o distanciamento temporal entre os mesmos (800 a 1.000 Ma). Esta interpretação implica em uma estratigrafia crustal mantida sem alteração durante este interregno de 1,0 Ba. pois em todos os complexos ao norte é mantida a mesma organização: gabro-noritos granulitizados na base; coronito gabro-anortositos anfibolitizados acima e em níveis mais elevados e de grau metamórfico mais baixo, as sequências vulcano-sedimentares também anfibolitizadas. Evidente que a crosta tenderia a estar totalmente resfriada, com gradiente normal, ao permanecer como área continental, tendendo os complexos máfico-ultramáficos a deslaminarem na base da crosta, afundando no manto.
   
Estes pontos acrescentam força à hipótese de uma tectogênese uruaçuana compressional, mesmo que de porte reduzido, há cerca de 1,3 Ba. como várias datações (Cap.2,7) têm indicado, para obductar as massas ensimáticas sobre crosta siálica.
   
A idade de cerca de 1,6 Ba., determinada para o granito Serra da Mesa (Pimentel et al.,1991;Rossi et al.,1992), 180 milhões de anos mais nova do que a dos granitos e riolitos/andesitos de magmatismo precoce do Grupo Araí, a leste, talvez corresponda à datação sobre amostras de granitos g2 (Botelho & Pimentel,1993) de magmatismo recorrente. Esse granito corta e provoca contato térmico, quase isofacial, nos xistos Serra da Mesa que apresentam porfiroblastos centimétricos de estaurolita, granada e biotita tardi a pós-tectônicos (Cap.2), tendo cristalizado, provavelmente, sob pressões de cerca de 5 kbar (Rossi et al.,1992). Isto indica a existência de um ciclo tectogenético que afetou os sedimentos Serra da Mesa/ Araí/Araxá (xistosidade e crenulação) antes das intrusões graníticas. A assinatura litogeoquímica do granito Serra da Mesa é do tipo A (Rossi et.al, op.cit), anorogênica. Poderia, entretanto, corresponder a magmatismo "pós-orogênico" de fase extensional, com afinamento do manto litosférico, após espessamento crustal orogenético, segundo um modelo semelhante ao proposto por Turner et.al.(1992). Como os granitos estão sediados com o mesmo nível altimétrico entre os complexos Canabrava e Niquelândia e a "back slope" (a oeste) do de Canabrava, sendo todo o conjunto envolvido por metassedimentos jovens do Grupo Paranoá, metamorfizados durante o brasiliano na fácies xisto verde, ter-se-ia de aceitar um soerguimento quase vertical dos densos maciços granulíticos por entre as encaixantes e os granitos (não granulitizados), já que os complexos teriam sido granulitizados 700 milhões de anos após as intrusões dos granitos. A alternativa a esta conclusão, já abordada (Cap2), é a de retomada das estruturas graníticas por processos de diapirismo nos estágios pós tectônicos do Ciclo Brasiliano, hipótese esta que tem a seu favor a ocorrência de fases graníticas pegmatóides, mineralizadas a estanho e com xenólitos dos xistos regionais deformados.
   
O fato de não ter sido desestabilizado o par opx-plagioclásio em granulitos gabronoríticos nos maciços máfico-ultramáficos indica que os complexos granulitizados não sofreram pressões maiores do que 9 kbar, equivalentes a cerca de 27 km de pressão litostática, considerando a densidade média das rochas crustais (d =3). Os granulitos estudados relacionam-se, portanto, à fácies de baixa pressão de Green & Ringwood (1967,1972).
   
A manutenção de wollastonita (Cap.5;) em paragêneses cálcio-silicáticas junto aos complexos máfico-ultramáficos intrusivos significa, também, que as pressões durante a granulitização não foram muito altas, o que é corroborado pela participação de cordierita (Fe,Mg) nas fácies metapelíticas e metagraníticas aluminosas.
   
Estes fatos colocam questões com relação ao modelo de granulitização relacionada com duplicação crustal durante colisão continental (Ferreira & Naldrett, 1993; Suita et al, 1994), principalmente quando associado com o fato de ocorrerem texturas ígneas perfeitamente preservadas e sem eclogitização nos níveis basais dos complexos.
   
A proposta de que a granulitização ter-se-ia dado durante evento de colisão continental brasiliano (Ferreira Filho & Naldrett,1991; Ferreira Filho et al,1992b; Suita et al, 1994) implica em tectônica de duplicação crustal. A tectônica com duplicação crustal determina trajetórias PTt de sentido horário na grade petrogenética (cf. England & Thompson,1984; Harley,1989), ou seja, as rochas sofrem aumento de pressão seguido de ajuste térmico e, finalmente, descompressão isotérmica após o clímax metamórfico. Na base da placa cavalgada, após erosão e/ou estiramento da crosta duplicada, ocorre a acomodação térmica e barométrica, em pressão e temperatura altas, seguida de resfriamento isobárico até atingir o gradiente de crosta continental estática, segundo modelo aplicado para a Enderby Land, Antártida (Ellis,1987), onde a crosta após ter sido granulitizada teve longo período de residência crustal. Em alguns cinturões metamórficos (Harley,1989), após o auge térmico do metamorfismo, ocorre durante um certo tempo um equilíbrio densitométrico na base crustal, logo após período de forte erosão da cadeia de montanhas, proporcionando um resfriamento isobárico. A velocidade com que se realiza este processo de reajuste crustal depende de vários fatores (ver p.ex. Sonder et al,1987), entre os quais: temperatura do Moho; velocidade de colisão; espessura das placas crustais; reologia das placas crustais, tudo envolvendo fatores intrínsecos e extrínsecos como: tipos predominantes de rochas, fase fluida, riqueza em elementos radioativos, estruturas herdadas e geradas com a colisão.
   
Os estudos de geotermobarometria (Cap.5) indicaram condições máximas de metamorfismo entre 7 e 8,5 kbar e temperaturas de 700 a 900 oC. Pressões mais baixas foram detectadas para o kinzigito do Rio Maranhão. Os gradientes geotérmicos destas determinações variam entre 35oC/km (complexos Barro Alto e Anápolis-Itauçu) e 42oC/km (Rio Maranhão). A provável evolução por descompressão isotérmica do kinzigito do Rio Maranhão poderia estar ligada a uma rápida erosão do capeamento, a uma delaminação tectônica como retorno de nappes e/ou a um diapirismo dos granulitos. Esta última hipótese é viabilizada pela natureza de baixa densidade dos seus constituintes, muito aluminosos, e as altas temperaturas atingidas, aumentando o contraste de densidade com as encaixantes.
    Tendo em vista estes dados, se a granulitização ocorreu após colisão e duplicação de blocos crustais siálicos, os blocos envolvidos teriam de ser pouco espessos.
   
A idade da granulitização (~800Ma) coincide com fase tafrogênica do Ciclo Brasiliano durante a qual existia um oceano, onde se formavam arcos de ilha, a oeste dos blocos siálicos em que ocorrem os terrenos granulíticos. Assim, a granulitização provavelmente não ocorreu por duplicação crustal, mas por aquecimento mantélico em litosfera estirada e após falhamentos lístricos que trouxeram os complexos máfico-ultramáficos (e a crosta siálica encaixante) para níveis infracrustais onde foram granulitizados. Estes blocos crustais com cerca de 100 km de largura corresponderiam as bordas continentais provavelmente elevadas (aquecimento litosférico) e emersas ou de águas rasas. A disposição atual junto a suturas de terrenos de acresção neoproterozóica (regiões de Mara Rosa/Porangatu, ao norte e Arenópolis/Jaupaci, ao sul), permite relacionar a evolução dos terrenos granulíticos com diastrofismos ligados com a evolução do rift oceânico a oeste.
   
O gradiente geotérmico definido pelo metamorfismo das coroas reacionais da Serra da Figueira é bem elevado: 47oC/km mas, como já discutido (Cap.5), há a possibilidade de as coroas representarem auto-metamorfismo dos gabros com um capeamento de pouco mais de 10km durante a colmatação da bacia oceânica e não o metamorfismo regional da Sequência Juscelândia cujo gradiente geotérmico, barroviano, não propiciaria as temperaturas necessárias para as reações coroníticas (6000C a 4kbar).
   
As reações coroníticas associadas ao resfriamento do Complexo Niquelândia ocorreram sob pressões de 8-5 kbar segundo Cândia et al (1988), porém, as fácies coroníticas são das sequências anortosíticas que, segundo o modelo esboçado atrás, são magmática, espacial e, talvez, temporalmente separadas da suíte gabro-norítica.
   
Ferreira Filho et al (1992b) propuseram metamorfismo progradante entre a sequência Serra dos Borges e a o complexo máfico-ultramáfico granulitizado no Complexo Niquelândia. Entretanto, há uma diferença constante entre as duas unidades com relação à fase fluida atuante durante o metamorfismo: enquanto os gabro-noritos apresentam-se anidros, os gabroanortositos tem suas paragêneses extensivamente marcadas pela hidratação. Os contatos, também, são sistematicamente falhados, com milonitos de recristalização dinâmica de alto grau, isofacial com os anfibolitos, como determinado no Complexo Barro Alto.
   
Lascas tectônicas dos granulitos ocorrem nos anfibolitos e em níveis mais elevados, ou seja, o Complexo Barro Alto em sua faixa granulítica instalou-se, durante evento brasiliano, entre porções da Sequência Juscelândia e do embasamento (região entre Carmo do Rio Verde e Nova Glória), com indentações ou fatias de falhamentos que se prolongam lateralmente como níveis tectônicos dentro dos granulitos. Estas falhas foram palco de diaftorese, canalizando o fluido aquoso e estabilizando duas paragêneses metamórficas: uma de alto grau, representada por anfibolitos com ou sem granada de mesmo grau e gradiente que as sequências Sequência Serra da Malacacheta e Sequência Juscelândia, e a segunda, da fácies epidoto anfibolito a xisto verde baixo, igual à fácies do Grupo Araxá ao sul e ao norte do complexo e que, certamente, relaciona-se com a subida final do conjunto para os níveis dos clorita micaxistos regionais do Grupo Araxá. Estas características possibilitam concluir por dois estágios principais de ascensão do complexo. Considerando o complexo em seu conjunto, que inclui as fácies vulcano-sedimentares, caracteriza-se um contraste metamórfico maior ao sul e leste com as encaixantes regionais o que indica uma maior ascensão nestes planos de falhas inversas.
   
Assim, paragêneses superimpostas à fácies granulítica mostram analogias (hidratação e gradiente geotérmico barroviano) com as paragêneses da Sequência Serra da Malacacheta e Sequência Juscelândia, comprometendo a proposta de uma zoneografia progradante. Mesmo que não tenha havido metamorfismo significativo durante o Uruaçuano (Cap.7), os dados apresentados indicam que o metamorfismo granulítico antecedeu ao, ou ocorreu em níveis mais profundos do que o, metamorfismo anfibolítico.
   
A associação lateral em um empilhamento tectono-estratigráfico sistemático, vistas as observações atrás, indica que os granulitos metamorfizados em profundidade foram tectonicamente acoplados com os anortositos em sua ascensão, quando teriam se estabilizado essas novas paragêneses retrometamórficas nos granulitos.
   
No Complexo Anápolis-Itauçu identifica-se uma dinâmica similar registrada nas paragêneses retrometamórficas (Cap.3,5) e lá com um estágio de ascensão dos granulitos marcado por plutonismo (diorito Camaquã, Complexo Santa Bárbara, etc; ver Cap.3) e sucedido por metamorfismo à fácies anfibolito (hidratada) destes plutonitos e suas encaixantes, bem como dos granulitos em planos de falhas.
   
A mudança de tectônica extensional para compressional, com acoplamento de sistemas de arcos de ilha "Porangatu", ao norte, e "Arenópolis", ao sul, ocasionou a flexura da borda continental e a reativação, das falhas lístricas, agora inversas, em crosta siálica, à semelhança do que pode ter ocorrido na zona colisional de Zagros, Irã (Jackson,1980). A forte vergência deste diastrofismo foi condicionada em blocos transferentes (Cap.4), originando rampas e inflexões estruturais, como a Megainflexão dos Pireneus, com escapes laterais e frontais na supraestrutura.
   
A elevação estrutural final das áreas granulitizadas deu-se por falhamentos inversos (raízes de nappes?), originando, principalmente nas falhas, paragêneses retrometamórficas da fácies epidoto-anfibolito a xisto verde, típica das sequências metassedimentares proterozóicas, durante a máxima compressão orogenética há cerca de 640 Ma.


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