UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA -INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
/ TESE DE DOUTORADO No 5 - MANFREDO WINGE
EVOLUÇÃO DOS TERRENOS GRANULÍTICOS DA
PROVÍNCIA ESTRUTURAL TOCANTINS, BRASIL CENTRAL
8.DISCUSSÃO
8.1. A RELAÇÃO TERRENOS GRANULÍTICOS X GREENSTONE
A frequente ocorrência de compartimentos
arqueanos de baixo grau metamórfico do tipo greenstone lado a lado com os terrenos
de alto grau metamórfico em diversos cratons do mundo incentivou a elaboração de
propostas de evolução preferencialmente arqueana para os terrenos de alto grau (Cap.1).
Na Província Estrutural Tocantins os terrenos
granulíticos e greenstone apresentam-se em compartimentos distintos (Cap.2) e só
raramente em contato direto, como é o caso da área detalhada no presente trabalho
(Cap.3).
Nesta área, os dados levantados mostraram que os
contatos greenstone - granulitos, a leste de Americano do Brasil, são tectônicos
e que houve aproveitamento dos planos de falha para a entrada de diques, sills e stocks
gabróicos, dioríticos a mais ácidos do Proterozóico, sendo todo o conjunto
metamorfizado na fácies anfibolito e, nas falhas, retrabalhado até condições da
fácies xisto verde e, dinamicamente, até a formação de ultramilonitos. Essas falhas
sofreram aquecimento estático em evento tardi a pós-milonítico (Fotos 62, 63) ligado,
provavelmente, tanto ao calor da massa granulitizada ascendente quanto ao efeito de
relaxação tectônica.
A participação da crosta arqueana na formação
do cinturão granulítico é indicada:
1) pelo envolvimento de rochas supracrustais
(Cap.3) junto destes contatos tectonizados com os terrenos de greenstone belts,
2)pelas idades transamazônicas (Lacerda Filho
& Oliveira,1994b) de ortognaisses e migmatitos do Complexo Anápolis-Itauçu,
envolvendo a fusão de material crustal mais antigo, e
3)por leptinitos com assinatura geoquímica de
terrenos TTG arqueanos (Cap.6).
Assim, a estrutura de brecha do mármore de Goianira, com fragmentos de rochas cálcio-silicáticas e de gnaisses (Cap.2, Cap.5), originou-se, muito provavelmente, por envolvimento de rochas de terrenos greenstone e de seu embasamento TTG em metamorfismo dinâmico e não por rodingitização (metassomatismo CO2 e Ca sobre rochas máficas e ultramáficas), vistos os seguintes fatos:
a) existência de metassedimentos granulitizados
de natureza similar nas proximidades como, por exemplo, as rochas cálcio-silicáticas
inseridas nos terrenos granulíticos da região de Nerópolis;
b) ocorrência, nas proximidades, de níveis
expressivos de mármores calcíticos no greenstone belt Anicuns-Itaberaí 35 km a
oeste;
c) identificação de assinaturas de ETR,
características de granitóides arqueanos, em leptinitos regionais;
d) fragmentos de natureza gnáissica de parte dos
clastos tectônicos, típica de rochas ácidas de embasamento, e diferente de relictos
máfico-ultramáficos de rodingitos.
O retrabalhamento crustal ao longo de falhas
transcorrentes e inversas é uma constante nos terrenos granulíticos, seja pré, sin ou
pós granulitização (Cap.3,4,5). Ebert (1968) já chamava a atenção para o padrão
textural milonítico dos granulitos kinzigíticos e outros da região sul de Minas Gerais,
relacionando as ocorrências de granulitos e charnockitos com a tectônica de nappes.
Esse retrabalhamento tem descaracterizado as
rochas pelo retrometamorfismo com hidratação, originando xistos verdes, anfibolitos,
semi-xistos, micaxistos, quartzo-xistos, gnaisses micáceos a hornblêndicos e outras
rochas, muitas delas assemelhadas a supracrustais, metamorfizadas dentro ou nos limites
dos complexos granulíticos. Isto tem dificultado o reconhecimento e extensão dos
terrenos de alto grau e levado mesmo à proposta de existência de sequências
vulcano-sedimentares nestas faixas retrabalhadas, muitas vezes posicionadas junto das
unidades metassedimentares do Neoproterozóico, onde foram mais intensos os falhamentos e
as deformações relacionadas com a ascensão dos terrenos granulíticos.
Entretanto, as ocorrências comprovadas de
meta-chert, bif, de mármore e de rochas cálcio-silicáticas nos terrenos
granulíticos (complexos Niquelândia, Barro Alto e Anápolis-Itauçu- Cap.2,3,5) atestam
cabalmente o envolvimento de rochas supracrustais nas faixas granulitizadas.
A ocorrência de granulitos máficos finos
associados a estas rochas supracrustais, principalmente quando na forma de bandas
centimétricas, embasou a interpretação da origem a partir de metabasaltos, o que levou
a se visualizar o cenário proto-ofiolítico (Danni & Leonardos,1978,1982; Fuck et
al., 1981; Danni et al., 1984), decorrente de rifteamento continental e
desenvolvimento de crosta oceânica restrita, envolvendo porções mantélicas e cumuladas
(fácies máfico-ultamáficas granulitizadas) sob as supracrustais de fundo oceânico.
Outra possibilidade (Danni, 1988) é a de
representarem metabasaltos das sequências arqueanas que ocorrem muito próximas.
Protólitos deste tipo devem ocorrer, visto que restos de crosta arqueana constituem parte
dos terrenos granulitizados. Sem descartar totalmente esta hipótese, há que se
considerar, entretanto, que a fácies fina de opx-cpx granulitos máficos, uniforme por
grandes extensões, compromete a aceitação desta origem porque os metabasaltos
komatiíticos hidratados dos greenstone belts sofreriam diferenciação
metamórfica, fusão parcial, blastese, etc.. durante o metamorfismo de alto grau, com uma
reologia e cinética de reações diferente das destes granulitos finos, provavelmente
anidros em sua origem.
A dualidade de interpretação genética dos
complexos de Barro Alto, Niquelândia e Canabrava a saber, maciços estratiformes versus
edifícios ofiolíticos, é verificada de longa data e tem sido objeto de muitos trabalhos
e discussões (e.g.Almeida,1968; Angeiras,1968; Thayer,1970; Berbert, 1970,1980). As duas
propostas são completamente antagônicas, visto que .. "as câmaras magmáticas de
assoalho frio e estático dos complexos estratiformes tem pouco em comum com as câmaras
de fundo móvel e quente dos ofiolitos" (Nicolas,1989), implicando em desenvolvimento
geotectônico e petrológico bem diferenciado. A correta interpretação da gênese destes
complexos, além de fundamentar o conhecimento básico da evolução geológica de toda a
região centro-brasileira, tem implicações importantes na caracterização do potencial
metalogenético regional.
Presentemente, considera-se que estes granulitos
máficos finos, onde apresentam grandes extensões (parte norte do segmento ocidental do
Complexo Barro Alto), possam representar fácies de resfriamento de topo dos primeiros
afluxos de magma, invadindo a base de crosta sializada ainda fria (ver gradiente
geotérmico continental na Figura 5-1)
durante e associadamente com diastrofismo extensional. Já os autólitos e xenólitos
máficos (Foto 17) podem representar fácies
de borda ou de diques e sills dos dutos subjacentes de alimentação magmática arrancados
pelos novos afluxos magmáticos.
Certamente, existem outros tipos de rochas
supracrustais originalmente associadas com as supracrustais descritas anteriormente, como
metapelitos e meta-vulcânicas quartzo-feldspáticas, mas a sua identificação não é
tão evidenciada porque, com a evolução metamórfica complexa (granulitização e
ultrametamorfismo), tais tipos de rochas foram transformadas em gnaisses, kinzigitos,
migmatitos, anatexitos ou leptinitos, assemelhando-se, estrutural e texturalmente, aos
granulitos ácidos ortoderivados de embasamento siálico retrabalhado. Em grande parte, os
metapelitos podem ter sido digeridos pelo magma muito quente do qual derivaram os
complexos máfico-ultramáficos, contribuindo para a sua contaminação. Exemplo disso
são os restos de xenólitos do tipo buchitos de espinélio encontrados em granulitos
noríticos (p.ex. na Faz. Sibéria, no Complexo Barro Alto), os quais representam restitos
de xenólitos pelíticos.
Por outro lado, leptinitos e granada quartzitos
feldspáticos, intercalados com granulitos máficos finos, interpretados como pertencentes
a sequências meta-vulcânicas, podem corresponder a metagranitos milonitizados a seco
(sem migmatização) após a estruturação como leptinito, confome é comprovado pelo
estudo da ocorrência de Mato de Dentro, no Complexo Anápolis-Itauçu (Cap.3, 5 e 6).
Aventa-se, por exemplo, que os sillimanita granada quartzitos feldspáticos, capeando ou estratificados
dentro do Complexo Barro Alto (icelanditos e trondhjemitos do antigo modelo
proto-ofiolítico), possam corresponder a milonitos de embasamento, iguais aos que ocorrem
dentro das intrusões máfico-ultramáficas Fazenda Conceição e Água Clara (Cap.3, Foto 58) do Bloco Capelinha do Complexo
Anápolis-Itauçu.
Os granulitos máficos e ultramáficos que se
inserem como boudins e pods lentiformes nos terrenos de leptinitos e de
outros granulitos ácidos podem ter várias origens:
1) meta-vulcanitos de sequências supracrustais
que continham os calcários (p.ex., greenstone belts);
2) rochas filonianas hipabissais da crosta
arqueana de terrenos TTG (Cap.2);
3) diques e sills do ciclo tectônico que
propiciou a entrada de magma diferenciado em complexos máfico-ultramáficos;
4) rochas hipabissais e outras envolvidas como
xenólitos (Foto 28);
5) pequenos corpos plutônicos ou sills/diques
maiores rompidos tectonicamente.
Com a evolução metamórfica, as fácies básicas
hipabissais estiradas e transpostas podem alternar-se com níveis de
leptinitos (blastomiloníticos) de origem plutônica, assemelhando-se a uma associação
meta-vulcânica bimodal estratificada.
É evidente que a caracterização das origens
desses granulitos ácidos, básicos e ultrabásicos requer estudos detalhados em cada
área de interesse e, por isso, não pode ser determinada uma origem privilegiada ao
nível regional deste trabalho.
Entretanto, os estudos mostraram que a
constituição dos terrenos granulíticos envolveu, essencialmente, retrabalhamentos de
crosta siálica com restos de sequências supracrustais e magmatismo intrusivo de vários
tipos, com destaque para o aporte de magma basáltico magnesiano seco alojado em níveis
subcrustais e diferenciado em complexos máfico-ultramáficos de trend
gabro-norítico, compondo hoje os complexos máfico-ultramáficos Cana Brava, Niquelândia
e Barro Alto, ao norte, e vários complexos de menores dimensões (Heitoraí, Itaguaru,
Serra do Brandão-Taquaral, Água Clara-Faz. Conceição, Damolândia..) no complexo
granulítico Anápolis-Itauçu. Assim, é provavel que nos terrenos
gnáissico-granulíticos do Complexo Anápolis-Itauçu predominem rochas ortoderivadas
plutônicas a hipabissais básicas.
8.3. EVOLUÇÃO GEOTECTÔNICA E METAMÓRFICA
As ocorrências de rochas de origem supracrustal
como mármores, meta-chert, bif, rochas cálcio-silicatadas em xenólitos e como
níveis (roof pendants?) de dimensões até quilométricas nos complexos Barro
Alto, Niquelândia e Anápolis-Itauçu indicam que, nos tempos primordiais de sua
evolução tectônica, ocorreram eventos que levaram estas rochas para níveis
infracrustais, antes da intrusão dos complexos máfico-ultramáficos e do metamorfismo
granulítico.
Em modelo anterior (Danni & Leonardos,1982;
Fuck et al,1981; Danni et al,1984; Winge,1990..), os complexos granulitizados eram
interpretados como raízes de sistemas similares aos ofiolíticos fanerozóicos
granulitizados e mantidos em residência infracrustal até as tectogêneses uruaçuana e
brasilana que os teriam trazido para os níveis da superestrutura metassedimentar;
posteriormente, com o soerguimento orogênico e pós-orogênico, acompanhado da erosão da
cadeia de montanhas, eles teriam assomado à superfície terrestre.
Os estudos petrogenéticos e geocronológicos
recentes (Cap.5, 6 e 7), bem como a determinação de elementos de crosta sializada (Winge
& Danni,1994c; Cap. 3 e 5) onde se alojaram os complexos máfico-ultramáficos
granulitizados, impeliram a revisão daquele modelo.
Os indícios da participação de terrenos TTG
arqueanos (Cap.5) na constituição desta crosta granulitizada não significam que ela
seja constituída, exclusivamente, por elementos arqueanos, vista a incidência de rochas
de acresção lateral (p.ex. Sequência Mossâmedes) e vertical (p.ex. ortognaisses
diversos, "Granito" Pau de Mel..), que ocorrem próximas ou dentro dos terrenos
de alto grau, apresentando idades não-arqueanas e mais antigas do que as aventadas para o
metamorfismo de alto grau que se teria realizado a 1,3 ou a 0,78 Ba. (Cap.7).
O abatimento das rochas supracrustais para os
níveis de médios da crosta até da infracrosta, onde se deram as intrusões dos
complexos máfico-ultramáficos que, em parte, as assimilaram como xenólitos e como roof
pendants, pode ter ocorrido em vários estágios, e a partir de dois mecanismos
tectogenéticos:
a) tectônica compressional, com a colocação das
supracrustais na lapa de falhas de empurrão ou em camadas invertidas de dobras reviradas;
b) tectônica extensional em área continental
(ver p.ex. Roberts & Yelding,1994), com sistema de falhamentos lístricos em blocos
flexurados e rotacionados sobre superfície de descolamento (modelo dominó e similares)
ou em indentações entre falhas sucessivas (blocos de falha).
Assim, tanto diastrofismos compressivos
transamazônicos como os falhamentos lístricos da tectônica extensional que proporcionou
a abertura do rift paleo-mesoproterozóico Araí (Cap.4) podem ter levado a
supracrosta para níveis médios a inferiores.
Os terrenos granulitizados ao norte e ao sul da
Megainflexão dos Pireneus apresentam importante diferença tectogenética:
1) ao norte, correspondem, maiormente, a grandes
complexos máfico-ultramáficos inseridos como janelas tectônicas entre restos de
embasamento milonitizado no grau metamórfico das supracrustais envolventes, o que revela
grande aloctonia destes complexos;
2) ao sul, predominam como extensa crosta
sializada, contendo complexos máfico-ultramáficos similares aos do norte, mas, mais
reduzidos e com aloctonia limitada ou inexistente.
Esta diferença significativa provavelmente teve
as suas raízes já determinadas pela tectônica extensional diferenciada que afetou os
dois terrenos, em função de um maior e/ou mais rápido desequilíbrio na interface
litosfera/astenosfera ao norte (Figura
4-7).
Quando se deu o estiramento litosférico, zonas de
fraqueza crustal pretéritas, principalmente as mais profundas, como a do falhamento
(>2.146Ma.) transcorrente Taquaruçu (Cap.4), foram reativadas pela tectônica
extensional nos sistemas de falhamentos lístricos, seja como falhas de gravidade, seja
como falhas de trasferência, o que ocasionou as indentações, referidas atrás, de
fatias de falha da crosta elevada, com supracrustais inclusive, na crosta profunda.
As rochas envolvidas neste processo compunham um
conjunto reologicamente diferenciado: rochas anidras de embasamento tonalito-granítico,
rochas supracrustais diversas, rochas milonitizadas das zonas de fraqueza e de suturas
crustais. Possivelmente, as rochas supracrustais hidratadas e mármores mais dúcteis do
que as rochas anidras envolventes favoreceram o deslizamento entre blocos, lubrificando
os planos de falhas que se tornaram sítio favorável para reações de desidratação e
descarbonatação, aumentando aí a pressão de fluido e diminuindo ainda mais a
competência ao stress nestas falhas profundas, que acolheram o magma tholeítico
alto Mg dos complexos máfico-ultramáficos.
As ocorrências de wollastonita nos granulitos
cálcio-silicáticos, principalmente em xenólitos, indicam um metamorfismo térmico
relacionado com intrusões do magma basáltico e sua evolução híbrida em crosta de
gradiente geotérmico continental (Fig.
5-1), sofrendo aquecimento progressivo. As temperaturas iniciais da crosta,
dadas pressões em torno de 5 kbar que foram estimadas (Cap.2: p.ex. Girardi et al, 1981;
Correia,1994) para o emplacement dos complexos máfico-ultramáficos, oscilavam em
torno de 300 a 500oC.
A instabilização subsequente da wollastonita
junto com a cristalização de granada reacional (Cap.5) já em evento do metamorfismo
granulítico é relacionada com um aumento de pressão. Isto indicaria que as intrusões
possívelmente ocorreram em níveis menos profundos do que os níveis em que se deu a
granulitização. Indícios neste sentido são dados também pela forma angulosa de
xenólitos (Cap2; Fotos 8, 12)
que sugerem níveis rúpteis da crosta (<12km) durante o magmatismo intermediário a
ácido intrusivo nas sequências gabronoríticas e antecedente à granulitização.
A evolução tectônica das rochas, hoje
granulitizadas, a partir deste cenário da tectônica extensional paleo-mesoproterozóica,
leva à interpretação imediata de que a granulitização estaria ligada à elevação da
astenosfera, provocando aquecimento na base da crosta, ou seja, de que a granulitização
seria de idade quase igual (um pouco mais jovem) a do rifteamento da crosta e intrusão
dos complexos. Esta interpretação, entretanto, é contraditada pelos dados
geocronológicos obtidos por Ferreira et al. (1992a,1994a) e de Suita et al. (1994) que
indicam ser a granulitização cerca de 800 Ma mais jovem do que o rifteamento.
A evolução dos terrenos granulíticos,
consideradas estas limitações determinadas pelos dados geocronológicos, segue duas
vertentes, discutidas a seguir:
1) a primeira, proposta por Ferreira Filho et al.
(1992a,1994a) e Suita et al.(1994), considera que o rift paleo-mesoproterozóico
teria sido exclusivamente continental, com alojamento de magma formando intrusões
acamadadas do tipo Bushveld, e que a granulitização teria ocorrido em decorrência da
colisão dos cratons do Amazonas e São Francisco;
2) a segunda, aqui advogada, propõe evolução
tectono-magmática complexa, levando à oceanização, mesmo que limitada, em continuidade
à tectônica de rift Araí/Araxá há cerca de 1,8 Ba. (conforme esquematizado na Figura 4-2, Cap.4), e a
granulitização ligada a evento extensional brasiliano.
As diferenças nos padrões de evolução
magmática entre a Sequência Serra de Santa Bárbara e a Sequência Serra da Malacacheta
(Cap.6; Figura 6-10) e a
quebra de padrão dos ETR e das razões ETRL/ETRP na estratigrafia do Complexo
Niquelândia (Figura 6-1),
detectada por Ferreira Filho et al (1994b), demonstram que as sequências
gabro-anortosíticas e gabro-noríticas não compõem uma estrutura magmática tipo
Bushveld como tem sido proposto.
A Sequência Serra de Santa Bárbara,
granulitizada, congrega dois conjuntos principais de rochas ígneas (Cap.5,6):
1) o primeiro conjunto é derivado de afluxos de
magma do tipo tholeítico, alto Mg, originado em manto fértil, colocado em níveis
inferiores de crosta sializada. Os produtos mais comuns de fracionamento deste magma são
representados por peridotitos-piroxenitos, gabronoritos e noritos que apresentam um trend
de enriquecimento progressivo em Fe para os termos mais evoluídos. A expressiva fatia
tectônica de metaperidotito (serpentinito fortemente tectonizado) que se estende para sul
da cidade de Barro Alto, encaixada entre os granulitos e a Sequência Serra da
Malacacheta, talvez corresponda a níveis ultramáficos fracionados desta sequência.
Girardi et al(1981) determinou pressões da ordem de 5 kbar (Cap.2) para as condições de
resfriamento pós-magmático em rochas desta sequência;
2) o segundo conjunto apresenta rochas
sistematicamente mais evoluídas e, significativamente, com trends geoquímicos (Figura 6-10) díspares com
relação às do primeiro conjunto, havendo pequena ou nenhuma superposição entre os
dois. Sua composição varia de gabros, dioritos e atingem termos de granitos aluminosos e
magnesianos, representados por cordierita gnaisses, sendo as rochas mais comuns
representadas por metagabro-dioritos e metaquartzodioritos de trend calcialcalino.
A existência de fácies ricas em xenólitos com bordas de reação e as características
geoquímicas apontam para uma evolução ligada a processos de contaminação crustal. O
aquecimento progressivo das encaixantes pelo calor trazido pelo magma deve ter facilitado
esta evolução. A ubiquidade das fácies com xenólitos de vários litótipos, muitas
vezes com formas angulosas (Cap.2,5), indica que este processo se realizou com alta
energia hidráulica no afluxo magmático, provavelmente em níveis mais rasos do que os do
primeiro aporte magmático, o que facilitaria, também, a fusão anidra crustal por
descompressão. Em ambiente dinâmico de extensão litosférica, este evento magmático
pode ter sido cataclísmico e estar balisando temporalmente uma importante deslaminação
crustal em níveis superiores, onde se instalava a calha do rift.
Em conclusão, tendo em vista que as sequências
gabro-anortosíticas não são cortadas por esta fácies híbrida e que a Sequência Serra
da Malacacheta (Cap.6) mostra trend geoquímico completamente diferente daquele da
sequência gabronorítica, torna-se evidente que não faziam parte da mesma câmara
magmática.
A Sequência Serra da Malacacheta, e sua correlata
Serra dos Borges no Complexo Niquelândia, caracterizam-se por apresentar (Cap.2) fácies
gabro-anortosíticas associadas com troctolitos e olivina-gabros, sendo comuns as texturas
de reação coronítica, além das fácies metamorfizadas como granada anfibolitos
bandados. Essa associação magmática é característica dos maciços proterozócos, tipo
Grenville-Labrador, intrusivos ou encaixados tectonicamente em terrenos granulíticos
(p.ex. Best,1982; Philpotts,1990).
A origem das coroas reacionais em troctolitos e
olivina-gabros coroníticos associados com maciços anortosíticos é objeto de vários
estudos termobarométricos como, p.ex., Griffin (1971) que, geralmente, determinaram
condições de colocação do magma troctolítico em pressões altas e cristalização
tardi-magmática das granadas com coroas, muitas vezes, de descompressão estática como,
p.ex., granada=>simplectito opx+plagioclásio. As revisões de Duchesne & Michot
(1974) e De Waard (1974) concluem que não há um ambiente nem uma idade orogênica
exclusivos para a colocação dos maciços anortosíticos: podem ser sinorogênicos ou
anorogênicos e de colocação desde a alta mesozona (não formando coronitos como os
maciços da Província de Labrador) até a profunda catazona com condições de
transição para a fácies eclogito.
A existência de fácies finas de transição
entre olivina gabro coronitos e os metabasaltos da sequência vulcano-sedimentar
Juscelândia, conforme é bem atestado na região da Serra da Figueira, (Cap.2, 5 e 6)
permitiu correlacionar (Winge & Danni,1994a,b) temporal e geneticamente a sequência
troctolito-gabro-anortosítica com os basaltos oceânicos das bacias vulcano-sedimentares.
Neste sentido, cabe lembrar que são relativamente comuns as ocorrências de troctolitos,
olivina gabros, gabros e anortositos como elementos de crosta oceânica como ocorre, por
exemplo, na cadeia do Oceano Índico (Engel & Fisher,1975), em ofiolitos na Córsega
oriental (Ohnenstetter et al, 1975), em ofiolito de Bay of Island (Bédard,1993)... A
associação de dunitos e peridotitos com gabros acamadados, incluindo troctolitos,
anortositos, anfibolitos, noritos, hiperstênio gabros com enxame de diques, sheeted em
parte, e com derrames, brechas e pillows de basaltos efusivos é verificada também
em crosta oceânica exposta nas Ilhas McQuarie, no Pacífico (Hekinian,1982).
A associação tipo Serra da Figueira é análoga
a essa estruturação e estaria acima de níveis anortosíticos de crosta oceânica,
conforme proposto. A dificuldade para aplicar esta correlação no quadro geológico dos
complexos máfico-ultramáficos é a dimensão e espessura das fácies anortosíticas que
apontam para a tipologia dos complexos anortosíticos tipo Grenville, dômicos,
alóctones, sem raízes aparentes de fracionados ultramáficos e tectonicamente encaixados
junto a terrenos granulíticos, sem aparentar estrutura ofiolítica.
A alternativa para explicar, logicamente, a
associação caracterizada na Serra da Figueira, é a de compartimentos laterais em um
processo evolutivo conjunto, no qual o pacote mais espesso da sequência
anortosítica corresponderia a intrusão em crosta de transição do tipo margem passiva
vulcânica (Mutter et.al.,1988; White & McKenzie,1989; Zehnder et al,1990; Hopper
et.al.,1992), desenvolvida durante regime de rifteamento rápido com acresção
plutônica subcrustal, em um modelo análogo ao determinado para a estruturação crustal
na costa NW da Austrália, Bacia de Cuvier, e nas margens a oeste da Noruega (Figura 8-1) e leste da
Groenlândia.
O magmatismo da Sequência Serra da Malacacheta
teria alta fO2 (Cap.6) e dar-se-ia em níveis relativamente elevados da crosta.
Neste sentido, cabe lembrar que indícios de intrusão rasa de maciço anortosítico dos
Adirondacks são dados por Valley (1985), a partir de polimetamorfismo de wollastonita
reequilibrada em evento granulítico posterior.
Na hipótese formulada, os complexos troctolito
gabro-anortosíticos sucederiam os complexos máfico-ultramáficos desenvolvidos em crosta
continental, durante forte evento extensional, prenunciando a abertura do rift oceânico,
e infiltrando-se como volumosas massas de magma parcialmente fracionado e alto Al (Cap.6)
na base da crosta fina, muito estirada, que estava se transformando em crosta de
transição ou de plataforma continental.
A maior fO2 poderia ter, também, como uma
das causas o acesso de fase aquosa facilitado por falhamentos lístricos da bacia
sedimentar (Araí, Araxá), ainda intrasiálica, já sofrendo colmatação.
Dentro desta idealização, as unidades
vulcano-sedimentares associadas seriam de idade um pouco mais jovem do que os maciços
anortosíticos e estes do que a sequência gabro-norítica, e cada um em compartimentos
distintos (laterais) com zonas e etapas (recorrências magmáticas) de superposição.
A idade do rifteamento e magmatismo dos
complexos é paleo a mesoproterozóica (~1,78Ba.-1,58Ba.; ver Cap7), sugestivamente igual
ao intervalo cronogeológico em que se desenvolveram em outros pontos da Terra os
cinturões de maciços anortosíticos tipo Adirondack, sistematicamente inseridos em
terrenos granulitizados, sinorogênicos (geralmente sem raízes ultramáficas, alóctones)
variando para cratogênicos, em vários lugares do mundo como Noruega, Labrador,
Adirondacks (ver p.ex. Windley,1977; Best, 1982; Philpotts, 1990).
O Complexo Anortosítico Santa Bárbara, junto ao
Complexo Anápolis-Itauçu, mostra, em alguns pontos, analogia com o complexo
anortosítico da Sequência Serra da Malacacheta, a saber: fácies anfibolito; contato
tectônico ? com granulitos (Bloco Capelinha); ocorrência de Araxá próximo; evolução
magmática indicando alta fO2..). A tipologia, entretanto, envolvendo granitos
porfiróides, tendendo a rapakivi (Cap.3), indica ambiente geotectônico mais cratônico,
talvez de crosta siálica adelgaçada. Caso for comprovada uma idade semelhante entre os
dois, ele poderia representar uma fácies análoga às do norte, mas ainda intra-siálica
associada à litosfera fortemente estirada. Estas ocorrências configurariam um cinturão
anortosítico, colocado em zona mais móvel do que o cinturão de granitos (estaníferos
por magmatismo recorrente), de pré a sin-rift, que acompanha os terrenos
granulíticos a leste, junto às zonas de sutura orogênica, nas bordas cratônicas
flexuradas. Um ponto negativo para esta idealização é a possível correlação do
Complexo Santa Bárbara com o magmatismo básico da Supersuíte Americano do Brasil,
datada em caráter preliminar com cerca de 640 Ma (Cap.7).
A identificação de áreas oceânicas com
magmatismo tholeítico tipo back arc (sequências tipo Juscelândia) e tholeítico
a calci-alcalino de arco de ilha (sequências tipo Mossâmedes) do Paleoproterozóico
implica em formação de bacia(s) ensimática(s) dividindo os terrenos sializados
(granito-greenstone, gnaisses e granulitos?) mais antigos.
As dimensões que apresentavam, a paleogeografia
associada e a evolução no tempo dessas bacias são questões difíceis de determinar
devido às colagens de áreas de acresção crustal, cavalgamentos,
transcorrências, deformações e metamorfismo.. sucedentes que apagaram a memória
crustal, principalmente a partir do forte tectonismo da Orogênese Brasiliana.
A continuidade do greenstone belt de Goiás
no rumo noroeste-sudeste com a sequência Mossâmedes a oeste trunca as direções dessas
unidades ensimáticas, dificultando a visualização de uma bacia panthalássica
paleoproterozóica com um oceano contínuo a oeste dos cinturões granulíticos. Em
função do modelo apresentado, interpreta-se que essas áreas oceânicas foram
diacrônicas com o mar Mossâmedes, ao sul, mais antigo (idades em torno de ~2,1
Ba., Fuck & Pimentel,1990) do que o mar Juscelândia-Indaianópolis-Palmeirópolis
ao norte. Este corresponderia a rift oceânico aproximadamente cronocorrelato do
Grupo Araí.
A geodinâmica das regiões oceânicas envolve
afundamento crustal no manto à medida em que a crosta vai esfriando e tornando-se densa.
Assim, deve ter havido uma tectogênese de fechamento destas bacias oceânicas (a crosta
oceânica mais velhas hoje não tem mais de 200 Ma) com obducção parcial da crosta
simática ou que tenha sofrido aporte substancial de massas sializadas (arco de ilha?)
para a sua preservação.
Os dados geocronológicos e as interpretações de
evolução crustal de Ferreira Filho et al. (1992a,1994a) e de Suíta et al. (1994)
implicam em uma dissociação causal entre os eventos termo-tectônicos de intrusão dos
complexos máfico-ultramáficos (1,56 a 1,73Ba.) e os eventos que produziram a sua
granulitização (0,77 a 0,79 Ba.), visto o distanciamento temporal entre os mesmos (800 a
1.000 Ma). Esta interpretação implica em uma estratigrafia crustal mantida sem
alteração durante este interregno de 1,0 Ba. pois em todos os complexos ao norte é
mantida a mesma organização: gabro-noritos granulitizados na base; coronito
gabro-anortositos anfibolitizados acima e em níveis mais elevados e de grau metamórfico
mais baixo, as sequências vulcano-sedimentares também anfibolitizadas. Evidente que a
crosta tenderia a estar totalmente resfriada, com gradiente normal, ao permanecer como
área continental, tendendo os complexos máfico-ultramáficos a deslaminarem na
base da crosta, afundando no manto.
Estes pontos acrescentam força à hipótese de
uma tectogênese uruaçuana compressional, mesmo que de porte reduzido, há cerca de 1,3
Ba. como várias datações (Cap.2,7) têm indicado, para obductar as massas ensimáticas
sobre crosta siálica.
A idade de cerca de 1,6 Ba., determinada para o
granito Serra da Mesa (Pimentel et al.,1991;Rossi et al.,1992), 180 milhões de anos mais
nova do que a dos granitos e riolitos/andesitos de magmatismo precoce do Grupo Araí, a
leste, talvez corresponda à datação sobre amostras de granitos g2 (Botelho &
Pimentel,1993) de magmatismo recorrente. Esse granito corta e provoca contato térmico,
quase isofacial, nos xistos Serra da Mesa que apresentam porfiroblastos centimétricos de
estaurolita, granada e biotita tardi a pós-tectônicos (Cap.2), tendo cristalizado,
provavelmente, sob pressões de cerca de 5 kbar (Rossi et al.,1992). Isto indica a
existência de um ciclo tectogenético que afetou os sedimentos Serra da Mesa/
Araí/Araxá (xistosidade e crenulação) antes das intrusões graníticas. A assinatura
litogeoquímica do granito Serra da Mesa é do tipo A (Rossi et.al, op.cit), anorogênica.
Poderia, entretanto, corresponder a magmatismo "pós-orogênico" de fase
extensional, com afinamento do manto litosférico, após espessamento crustal
orogenético, segundo um modelo semelhante ao proposto por Turner et.al.(1992). Como os
granitos estão sediados com o mesmo nível altimétrico entre os complexos Canabrava e
Niquelândia e a "back slope" (a oeste) do de Canabrava, sendo todo o conjunto
envolvido por metassedimentos jovens do Grupo Paranoá, metamorfizados durante o
brasiliano na fácies xisto verde, ter-se-ia de aceitar um soerguimento quase vertical dos
densos maciços granulíticos por entre as encaixantes e os granitos (não
granulitizados), já que os complexos teriam sido granulitizados 700 milhões de anos
após as intrusões dos granitos. A alternativa a esta conclusão, já abordada (Cap2), é
a de retomada das estruturas graníticas por processos de diapirismo nos estágios pós
tectônicos do Ciclo Brasiliano, hipótese esta que tem a seu favor a ocorrência de fases
graníticas pegmatóides, mineralizadas a estanho e com xenólitos dos xistos regionais
deformados.
O fato de não ter sido desestabilizado o par
opx-plagioclásio em granulitos gabronoríticos nos maciços máfico-ultramáficos indica
que os complexos granulitizados não sofreram pressões maiores do que 9 kbar,
equivalentes a cerca de 27 km de pressão litostática, considerando a densidade média
das rochas crustais (d =3). Os granulitos estudados relacionam-se, portanto, à fácies de
baixa pressão de Green & Ringwood (1967,1972).
A manutenção de wollastonita (Cap.5;) em
paragêneses cálcio-silicáticas junto aos complexos máfico-ultramáficos intrusivos
significa, também, que as pressões durante a granulitização não foram muito altas, o
que é corroborado pela participação de cordierita (Fe,Mg) nas fácies metapelíticas e
metagraníticas aluminosas.
Estes fatos colocam questões com relação ao
modelo de granulitização relacionada com duplicação crustal durante colisão
continental (Ferreira & Naldrett, 1993; Suita et al, 1994), principalmente quando
associado com o fato de ocorrerem texturas ígneas perfeitamente preservadas e sem
eclogitização nos níveis basais dos complexos.
A proposta de que a granulitização ter-se-ia
dado durante evento de colisão continental brasiliano (Ferreira Filho &
Naldrett,1991; Ferreira Filho et al,1992b; Suita et al, 1994) implica em tectônica de
duplicação crustal. A tectônica com duplicação crustal determina trajetórias PTt de
sentido horário na grade petrogenética (cf. England & Thompson,1984; Harley,1989),
ou seja, as rochas sofrem aumento de pressão seguido de ajuste térmico e, finalmente,
descompressão isotérmica após o clímax metamórfico. Na base da placa
cavalgada, após erosão e/ou estiramento da crosta duplicada, ocorre a acomodação
térmica e barométrica, em pressão e temperatura altas, seguida de resfriamento isobárico
até atingir o gradiente de crosta continental estática, segundo modelo aplicado para a
Enderby Land, Antártida (Ellis,1987), onde a crosta após ter sido granulitizada teve
longo período de residência crustal. Em alguns cinturões metamórficos (Harley,1989),
após o auge térmico do metamorfismo, ocorre durante um certo tempo um equilíbrio
densitométrico na base crustal, logo após período de forte erosão da cadeia de
montanhas, proporcionando um resfriamento isobárico. A velocidade com que se realiza este
processo de reajuste crustal depende de vários fatores (ver p.ex. Sonder et al,1987),
entre os quais: temperatura do Moho; velocidade de colisão; espessura das placas
crustais; reologia das placas crustais, tudo envolvendo fatores intrínsecos e
extrínsecos como: tipos predominantes de rochas, fase fluida, riqueza em elementos
radioativos, estruturas herdadas e geradas com a colisão.
Os estudos de geotermobarometria (Cap.5) indicaram
condições máximas de metamorfismo entre 7 e 8,5 kbar e temperaturas de 700 a 900 oC.
Pressões mais baixas foram detectadas para o kinzigito do Rio Maranhão. Os gradientes
geotérmicos destas determinações variam entre 35oC/km (complexos Barro Alto
e Anápolis-Itauçu) e 42oC/km (Rio Maranhão). A provável evolução por
descompressão isotérmica do kinzigito do Rio Maranhão poderia estar ligada a uma
rápida erosão do capeamento, a uma delaminação tectônica como retorno de nappes
e/ou a um diapirismo dos granulitos. Esta última hipótese é viabilizada pela natureza
de baixa densidade dos seus constituintes, muito aluminosos, e as altas temperaturas
atingidas, aumentando o contraste de densidade com as encaixantes.
Tendo em vista estes dados, se a granulitização
ocorreu após colisão e duplicação de blocos crustais siálicos, os blocos envolvidos
teriam de ser pouco espessos.
A idade da granulitização (~800Ma) coincide com
fase tafrogênica do Ciclo Brasiliano durante a qual existia um oceano, onde se formavam
arcos de ilha, a oeste dos blocos siálicos em que ocorrem os terrenos granulíticos.
Assim, a granulitização provavelmente não ocorreu por duplicação crustal, mas por
aquecimento mantélico em litosfera estirada e após falhamentos lístricos que trouxeram
os complexos máfico-ultramáficos (e a crosta siálica encaixante) para níveis
infracrustais onde foram granulitizados. Estes blocos crustais com cerca de 100 km de
largura corresponderiam as bordas continentais provavelmente elevadas (aquecimento
litosférico) e emersas ou de águas rasas. A disposição atual junto a suturas de
terrenos de acresção neoproterozóica (regiões de Mara Rosa/Porangatu, ao norte e
Arenópolis/Jaupaci, ao sul), permite relacionar a evolução dos terrenos granulíticos
com diastrofismos ligados com a evolução do rift oceânico a oeste.
O gradiente geotérmico definido pelo metamorfismo
das coroas reacionais da Serra da Figueira é bem elevado: 47oC/km mas, como
já discutido (Cap.5), há a possibilidade de as coroas representarem auto-metamorfismo
dos gabros com um capeamento de pouco mais de 10km durante a colmatação da bacia
oceânica e não o metamorfismo regional da Sequência Juscelândia cujo gradiente
geotérmico, barroviano, não propiciaria as temperaturas necessárias para as reações
coroníticas (6000C a 4kbar).
As reações coroníticas associadas ao
resfriamento do Complexo Niquelândia ocorreram sob pressões de 8-5 kbar segundo Cândia
et al (1988), porém, as fácies coroníticas são das sequências anortosíticas que,
segundo o modelo esboçado atrás, são magmática, espacial e, talvez, temporalmente
separadas da suíte gabro-norítica.
Ferreira Filho et al (1992b) propuseram
metamorfismo progradante entre a sequência Serra dos Borges e a o complexo
máfico-ultramáfico granulitizado no Complexo Niquelândia. Entretanto, há uma
diferença constante entre as duas unidades com relação à fase fluida atuante durante o
metamorfismo: enquanto os gabro-noritos apresentam-se anidros, os gabroanortositos tem
suas paragêneses extensivamente marcadas pela hidratação. Os contatos, também, são
sistematicamente falhados, com milonitos de recristalização dinâmica de alto grau,
isofacial com os anfibolitos, como determinado no Complexo Barro Alto.
Lascas tectônicas dos granulitos ocorrem
nos anfibolitos e em níveis mais elevados, ou seja, o Complexo Barro Alto em sua faixa
granulítica instalou-se, durante evento brasiliano, entre porções da Sequência
Juscelândia e do embasamento (região entre Carmo do Rio Verde e Nova Glória), com
indentações ou fatias de falhamentos que se prolongam lateralmente como níveis
tectônicos dentro dos granulitos. Estas falhas foram palco de diaftorese, canalizando o
fluido aquoso e estabilizando duas paragêneses metamórficas: uma de alto grau,
representada por anfibolitos com ou sem granada de mesmo grau e gradiente que as
sequências Sequência Serra da Malacacheta e Sequência Juscelândia, e a segunda, da
fácies epidoto anfibolito a xisto verde baixo, igual à fácies do Grupo Araxá ao sul e
ao norte do complexo e que, certamente, relaciona-se com a subida final do conjunto para
os níveis dos clorita micaxistos regionais do Grupo Araxá. Estas características
possibilitam concluir por dois estágios principais de ascensão do complexo. Considerando
o complexo em seu conjunto, que inclui as fácies vulcano-sedimentares, caracteriza-se um
contraste metamórfico maior ao sul e leste com as encaixantes regionais o que
indica uma maior ascensão nestes planos de falhas inversas.
Assim, paragêneses superimpostas à fácies
granulítica mostram analogias (hidratação e gradiente geotérmico barroviano) com as
paragêneses da Sequência Serra da Malacacheta e Sequência Juscelândia, comprometendo a
proposta de uma zoneografia progradante. Mesmo que não tenha havido metamorfismo
significativo durante o Uruaçuano (Cap.7), os dados apresentados indicam que o
metamorfismo granulítico antecedeu ao, ou ocorreu em níveis mais profundos do que o,
metamorfismo anfibolítico.
A associação lateral em um empilhamento
tectono-estratigráfico sistemático, vistas as observações atrás, indica que os
granulitos metamorfizados em profundidade foram tectonicamente acoplados com os
anortositos em sua ascensão, quando teriam se estabilizado essas novas paragêneses
retrometamórficas nos granulitos.
No Complexo Anápolis-Itauçu identifica-se uma
dinâmica similar registrada nas paragêneses retrometamórficas (Cap.3,5) e lá com um
estágio de ascensão dos granulitos marcado por plutonismo (diorito Camaquã, Complexo
Santa Bárbara, etc; ver Cap.3) e sucedido por metamorfismo à fácies anfibolito
(hidratada) destes plutonitos e suas encaixantes, bem como dos granulitos em planos de
falhas.
A mudança de tectônica extensional para
compressional, com acoplamento de sistemas de arcos de ilha "Porangatu", ao
norte, e "Arenópolis", ao sul, ocasionou a flexura da borda continental e a
reativação, das falhas lístricas, agora inversas, em crosta siálica, à semelhança do
que pode ter ocorrido na zona colisional de Zagros, Irã (Jackson,1980). A forte
vergência deste diastrofismo foi condicionada em blocos transferentes (Cap.4), originando
rampas e inflexões estruturais, como a Megainflexão dos Pireneus, com escapes laterais e
frontais na supraestrutura.
A elevação estrutural final das áreas
granulitizadas deu-se por falhamentos inversos (raízes de nappes?), originando,
principalmente nas falhas, paragêneses retrometamórficas da fácies epidoto-anfibolito a
xisto verde, típica das sequências metassedimentares proterozóicas, durante a máxima
compressão orogenética há cerca de 640 Ma.