Capítulo 6

Química Mineral

6.1. Introdução.

Alguns corpos graníticos da região de Araxá possuem micas brancas coexistindo com biotitas. Texturalmente, ambas parecem ter origem ígnea, como já discutido no capítulo 5. A questão fundamental é se de fato estas micas são de origem ígnea. Isto é importante porque, segundo Miller et al (1981), "a muscovita (mica branca) é o indicador mineralógico mais comum de composição fortemente peraluminosa em rochas plutônicas e, por inferência, de seus magmas parentais". Um granito é considerado peraluminoso quando Al2O3 > ( CaO + Na2O + K2O)(A/CNK- Indice de Shand). O excesso de Al2O3 nos magmas que dão origem a estes granitos, vai para a muscovita ou para minerais aluminosos como biotita aluminosa, cordierita, córindon, turmalina, topázio ou granada. No caso de granitos metaluminosos ou subaluminosos, não há Al2O3 suficiente para gerar fases minerais aluminosas, ocorrendo anfibólios ou piroxênios e mesmo olivinas. As micas brancas que podem estar presentes nestas rochas são consideradas de origem secundária (Speer, 1984).

O caráter peraluminoso do magma original está ligado à sua gênese, implicando em uma área fonte aluminosa, creditada comumente à rochas crustais, especialmente metassedimentares, representando processos de fusão parcial em zonas de colisão continental ao longo de falhas de empurrão (Clarke, 1992; Barbarin, 1996). Como os critérios puramente texturais não são conclusivos para a caracterização da origem primária das micas brancas (Miller et al, 1981, Clarke, 1981; Speer, 1984), complementou-se os trabalhos petrográficos dos granitos de Araxá, com estudos de química mineral envolvendo as micas brancas e as biotitas. Foram escolhidas 4 amostras do granito a duas micas da Serra Velha ( figura 5.50 e Anexo I – D9) – amostras 453, 454, 484, 486, realizando-se 121 análises, 58 em biotitas e 63 em micas brancas. O equipamento utilizado foi uma microssonda eletrônica Camebax SX50/Cameca, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília, operando a uma voltagem de 15 kV, com corrente de 25 nA. A calibração baseou-se nos seguintes padrões e elementos: MN-HORT – Si, Fe, Mn e Mg; AN-100 – Ca e Al; ASBESTOS 258 – k; AN-50 – Na; TiO2 – Ti; Cr2O3 – Cr; CL-APATITE- Cl. O Flúor não pode ser analisado por problemas no equipamento. Deste modo, utilizou-se os valores calculados para H2O pela microssonda.

Com este estudo procurou-se: a) fornecer uma idéia sobre as composições químicas das micas, comparando-as com dados de outros corpos graníticos de diversas partes do mundo; b) comparar análises de micas brancas primárias (ígneas) e de micas brancas secundárias (retrometamórficas); e c) e verificar possíveis variações químicas das micas primárias.

6.2. Biotitas.

Das 58 análises químicas em biotitas, foram selecionadas 9 (tabela 6.1), utilizando-se como critério os melhores fechamentos. As análises não têm fechamento ideal, mas os totais em base anidra fornecem valores compatíveis com dados de micas de outros pesquisadores ( Monier e Robert, 1986) e foram utilizados visando-se a classificação destas micas e sua comparação com micas de outros granitos peraluminosos.

A fórmula geral das biotitas dos granitos a duas micas da Sinforma de Araxá pode ser expressa como:

K 0.89 Mn 0.015 Mg 0.53 Fe +2 1.54 Ti 0.1 Al 1.42 Si 2.52 O 10 OH 1.83


Análise

454-9

454-10

454-12

454-36

454-43

454-44

484-80

484-81

484-103

   
                       

SiO2

34.445

34.248

34.227

33.802

33.854

34.589

34.8

34.547

34.435

   

Al2O3

16.227

16.424

20.062

16.626

16.52

16.028

16.287

15.684

15.599

   

TiO2

1.431

1.9

1.81

2.56

2.166

2.27

1.905

1.439

1.605

   

FeO

27.962

27.116

25.004

26.901

27.723

26.488

26.762

27.948

28.097

   

MgO

5.174

4.745

5.273

4.657

4.606

4.966

4.735

4.998

4.726

   

MnO

0.33

0.326

0.305

0.259

0.28

0.301

0.286

0.338

0.312

   

K2O

9.708

9.759

8.823

9.524

9.557

9.66

9.83

9.48

9.496

   

Na2O

0.026

0.016

0.062

0.032

0.03

0.083

0.0

0.0

0.27

   

Cao

0.0

0.01

0.033

0.032

0.0

0.0

0.024

0.018

0.0

   

Cr2O3

0.0

0.011

0.003

0.002

0.0

0.0

0.0

0.024

0.0

   

Cl

0.035

0.024

0.05

0.022

0.031

0.055

0.01

0.012

0.052

   

T anidro

95.33

94.57

95.65

94.41

94.76

94.44

94.63

94.48

94.59

   

H2O

3.733

3.718

3.84

3.719

3.714

3.718

3.738

3.709

3.686

   

Total

99.07

99.07

99.49

98.13

98.48

98.15

98.37

98.19

98.03

   
                       

Si

5.06

5.06

4.89

4.99

5.0

5.1

5.12

5.12

5.12

   

Al IV

2.8

2.85

3.11

2.89

2.87

2.78

2.82

2.73

2.73

   

Al VI

0

0

0.26

0

0

0

0

0

0

   

Ti

0.16

0.21

0.19

0.28

0.24

0.25

0.22

0.16

0.18

   

Fe+2

3.42

3.34

2.97

3.31

1.31

3.25

3.28

3.45

3.48

   

Mg

1.14

1.05

1.12

1.03

1.02

1.09

1.04

1.11

1.05

   

Mn

0.04

0.04

0.03

0.03

0.04

0.04

0.03

0.04

0.04

   

K

1.82

1.84

1.61

1.79

1.8

1.82

1.84

1.78

1.8

   

OH

3.65

3.66

3.65

3.66

3.65

3.65

3.67

3.66

3.65

   

O

22

22

22

22

22

22

22

22

22

   

Tabela 6.1. Análises selecionadas de 9 biotitas do granito a duas micas da Serra Velha. Ferro total como FeO.

Figura 6.1. Composições de biotitas do granito a duas micas da Serra Velha (círculos fechados). A área pontilhada representa as composições de biotitas coexistentes com muscovitas em granitos peraluminosos (modificado de Clarke, 1981).

As biotitas têm composições próximas do termo siderofilita, e plotam dentro do campo das biotitas coexistentes com muscovitas em granitos peraluminosos (Figura 6.1).

6.3. Micas brancas.

De um universo de 63 análises de micas brancas foram selecionadas 32 análises de micas texturalmente primárias, e 3 análises de micas texturalmente secundárias (tabela 6.2), usando-se como critério os melhores fechamentos. Os totais em base anidra são similares aos valores apresentados por outros autores (Miller et al., 1981; Monier e Robert, 1986). As micas primárias apresentam fórmula geral:

K 0.9 Na 0.07 Fe +2 0.12 Mg 0.08 Ti 0.015 Al VI 1.35 Al IV 1.14 Si 2.85 O 10 OH 1.83

A partir de suas fórmulas, deduz-se que as micas em questão afastam-se do termo final "muscovita" - KAl2(Si3AlO10) – e representam uma solução sólida entre celadonita - KAl(Fe,Mg)(Si4O10) - e um pouco de paragonita – NaAl2(Si3AlO10). O Na substitui o K enquanto Mg e Fe+2 substituem AlVI. As micas intermediárias entre muscovita e celadonita pertencem à série das Fengitas (Rieder et al., 1998). Suas variações composicionais podem ser expressas pela fórmula:

K0.82-0.93 Na 0.03-0.09 Fe+2 0.06-0.19 Mg 0.04-0.14 Ti 0.01-0.02 AlVI 1.18-1.73 AlIV 0.84-1.21 Si 2.78-3.15O 10OH1.83

Estas variações composicionais são ilustradas na figura 6.2. Os resultados do granito da Serra Velha aproximam-se dos apresentados por Clarke (1981) para outros granitos peraluminosos.

As micas texturalmente secundárias, geradas durante retrometamorfismo, são composicionalmente um pouco diferentes das primárias, apresentando fórmula geral:

K 0.89 Na 0.03 Fe +2 0.17 Mg 0.11 Ti 0.015 Al VI 1.15 Al IV 1.01 Si 2.98 O10 OH 1.83

Figura 6.2. Composições de micas brancas dos granitos a duas micas da região de Araxá. Micas primárias: quadrados vermelhos = amostra 484; círculos azuis = amostra 454; triângulo amarelo = amostra 453; micas secundárias: triângulos pretos = amostra 484. Área pontilhada representa o campo das micas brancas primárias coexistentes com biotitas em granitos peraluminosos, construido a partir de dados de Clarke (1981).

 

Figura 6.3. Composições químicas das micas brancas dos granitos a duas micas da região de Araxá. Termos finais indicados pelas letras M=muscovita; C=celadonita; F=ferroceladonita;A=flogopita-annita; S=eastonita-siderofilita. Símbolos conforme figura 6.2. (Construção baseada em Miller et al.,1981).

 

As micas brancas secundárias também pertencem à série das Fengitas, contendo mais Fe+2, Mg e Si e menos Ti, K, Na e Al do que as primárias. Os resultados coincidem com os apresentados por Miller et al. (1981), com a exceção de que para aqueles autores o K é um pouco mais alto nas micas secundárias. As micas secundárias são mais ricas em Fe. Isto também ocorre em corpos graníticos peraluminosos dos Apalaches (Speer, 1984). As diferenças entre ambas as micas tornam-se claras nos diagramas das figuras 6.3, 6.4, 6.5 e 6.6.

Figura 6.4. Diagrama Ti x Mg x Na para as micas dos granitos a duas micas da região de Araxá, observando-se a separação composicional entre as micas primárias e secundárias. Símbolos conforme figura 6.2. (Construção baseada em Miller et al.,1981).

Dentre as fengitas primárias observou-se pequenas diferenças composicionais de amostra para amostra. Populações mais ricas em Fe+2 e pobres em Ti destacam-se de populações mais pobres em Fe+2 e mais ricas em Ti (figura 6.5). No diagrama da figura 6.5 observa-se também que as micas secundárias são mais empobrecidas em Ti que as primárias, o que coincide com os resultados obtidos por Speer (1984) e Miller et al. (1981). No interior de cada população de micas primárias o Ti aumenta com o aumento do Fe+2 (figura 6.6). Correlações positivas são observadas também entre Fe+2 e Si ,Mg e Si, e K e Si.. Correlações negativas ocorrem entre Na e Si.

Figura 6.5. Diagrama Ti x Fe x Mg para as micas brancas dos granitos a duas micas da região de Araxá. Símbolos conforme figura 6.2. (Construção baseada em Speer, 1984).

Figura 6.6. Diagrama Fe+2 x Ti para as micas brancas dos granitos a duas micas da região de Araxá. Símbolos conforme figura 6.2.

Fengitas primárias inclusas em feldspato potássico (análises 3, 4 e 5) apresentam composições similares às fengitas primárias que ocorrem na matriz ao lado dos feldspatos.

Perfis de reconhecimento em alguns grãos de fengitas primárias indicam pequena diminuição de Al e pequeno aumento de Na no centro dos cristais em relação aos bordos (análises 15- 16 -17 - 18 e 83 - 84 - 85 - 86).

6.4. Conclusões.

Análises químicas de biotitas e micas brancas do granito a duas micas da Serra Velha, permitem concluir que:

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