Os objetivos do presente trabalho compreendem a descrição da geologia e a interpretação da história evolutiva da Sinforma de Araxá, numa área de aproximadamente 2300 Km2, na parte sul da Faixa de Dobramentos e Falhamentos Brasília, Estado de Minas Gerais, Brasil. A metodologia seguida baseou-se em mapeamento geológico, análise estrutural, petrografia, geoquímica de rocha total, química mineral e geocronologia.
A Sinforma de Araxá é uma dobra regional, cujos flancos têm direção WNW, mergulhos para NNE e SSW e charneira com caimento suave para WNW. Em seus flancos afloram as litologias correspondentes aos Grupos Araxá, Ibiá e Canastra. A região é área tipo destas unidades geológicas. Estes Grupos acham-se dispostos em três escamas tectônicas, separadas por zonas de cisalhamento subhorizontais e subverticais: inferior, intermediária e superior.
A escama tectônica inferior é uma sequência metassedimentar, psamo-pelítica, com metamorfismo de fácies xisto verde, zonas da clorita e granada, e idade modelo Sm-Nd de 2,2 G.a.. Representa uma sequência depositada em ambiente marinho plataformal e constitui aparentemente um ciclo marinho regressivo, marcado por predomínio de quartzitos em direção ao topo estratigráfico, sendo formalmente designada Grupo Canastra.
Sobre esta escama dispõem-se as litologias da escama tectônica intermediária, uma sequência metassedimentar, dominantemente pelítica e estruturada na forma de ritmitos finos, com idades modelo Sm-Nd variando de 1,1 a 1,3 G.a. Apresenta metamorfismo de fáceis xisto verde, zona da clorita. Sua origem está ligada à erosão de arcos magmáticos neoproterozóicos, tendo sido depositada, possivelmente, através de correntes de turbidez distais. Representa a unidade geológica formal Grupo Ibiá.
A escama tectônica superior compreende um conjunto ígneo dominantemente máfico, representado por anfibolitos finos e grosseiros, que transiciona, no topo estratigráfico, para metassedimentos pelíticos e, em menor proporção, psamíticos. O conjunto foi metamorfisado em fácies anfibolito e está intrudido por corpos de rochas granitóides. Os anfibolitos representam protólitos basálticos e gabróicos, com rochas ultramáficas (serpentinitos/anfibólio-talco xistos) muito subordinadas. Os basaltos são toleiíticos, de alto ferro, com assinaturas geoquímicas de elementos terras raras que os aproximam de E-MORB e BABB. Deste modo, podem representar um assoalho oceânico desenvolvido a partir de mistura de magmas astenosféricos e litosféricos. Os metassedimentos podem caracterizar uma sedimentação marinha de águas profundas, aos quais associam-se horizontes de chert (ortoquartzitos). Têm idade modelo Sm-Nd de 1,9 G.a. Os corpos granitóides são principalmente leucogranitos a duas micas, peraluminosos, com assinatura geoquímica colisional, contendo xenólitos das rochas encaixantes.
A história metamórfica e deformacional da Sinforma de Araxá pode ser descrita através de uma sucessão de eventos, cujo caminho PTt aponta para processos geológicos ocorridos em níveis crustais cada vez mais rasos. O evento M1/D1 constitui o metamorfismo principal, do tipo barroviano, presente em todas as escamas tectônicas, ocorrido em 630 M.a (isócronas minerais Sm-Nd). Durante este evento desenvolveu-se uma xistosidade grosseira S1, cuja origem é obscura. Seguiu-se evento retrometamórfico RM1, assinalado apenas nas escamas inferior e superior, não acompanhado de deformação. O evento seguinte, M2/D2, foi subdivido em um estágio precoce, D2p, e um estágio tardio, D2t. Ambos desenvolveram-se num contexto colisional, onde zonas de cisalhamento subhorizontais provocaram o imbricamento das diversas escamas, sob regime metamórfico francamente retrogressivo em fácies xisto verde. Em seus momentos iniciais, D2p foi acompanhada do alojamento de granitos colisionais. Dados cinemáticos indicam que o transporte tectônico das escamas deu-se de sudoeste para nordeste.
De modo aparentemente contínuo à D2p, processou-se a deformação D2t, porém com transporte tectônico para SE, acompanhada de componente compressiva secundária SW-NE. Esta deformação representa o evento deformacional principal, responsável pela estruturação da Sinforma de Araxá e está presente em quase todos os afloramentos da região. O evento final M3/D3, corresponde ao desenvolvimento de zonas de cisalhamento transcorrentes, com cinemática sinistral , sob condições de fácies xisto verde baixo, responsável pelo truncamento das estruturas anteriores. Implantou-se em continuidade à D2t, apresentando mesmo padrão de distribuição de tensões daquela fase, porém em situação crustal mais rasa.
Na síntese sobre a evolução tectônica da Sinforma de Araxá, sugere-se o emprego da metodologia da tectônica de terrenos (Howell, 1993). As diversas escamas tectônicas da região podem ser descritas como terrenos tectonoestratigráficos, com características próprias, gerados em paleoambientes específicos e em posições geográficas distintas. Esta metodologia pode ser aplicada na solução dos diversos problemas geológicos da Faixa Brasília.
A história metamórfica e deformacional da Sinforma de Araxá parece refletir um contexto tectônico regional, baseado na interação de três grandes segmentos crustais: os continentes do Amazonas, do São Francisco e do Paraná. A primeira interação é representada pela colisão entre os continentes São Francisco e Paraná. Enquanto esta colisão se processava, iniciou-se nova colisão entre estes dois continentes e o continente do Amazonas, todos os processos desenvolvidos durante o intervalo de 630 a 580 M.a., portanto durante a orogênese Brasiliana. Esta história é parte do processo de colagem final do continente Gondwana.