UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA -INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
/ TESE DE DOUTORADO No 5 - MANFREDO WINGE
EVOLUÇÃO DOS TERRENOS GRANULÍTICOS DA
PROVÍNCIA ESTRUTURAL TOCANTINS, BRASIL CENTRAL
4.ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL
4.1.INTERPRETAÇÃO TECTÔNICA DOS LINEAMENTOS REGIONAIS
No Brasil Central (ver mapa geológico regional)
sobressaem dois sistemas de lineamentos tectono-estruturais, envolvendo tanto a
infra-estrutura quanto a supra-estrutura crustal e que estão relacionados com as faixas
granulíticas e com importantes lineamentos magnéticos (ver Mapa Geológico do Brasil em
1/2.500.000, Schobbenhaus et al.,1984). Eles correspondem, respectivamente, aos trends
regionais NW-SE e NE-SW dos cinturões granulíticos Alfenas ao sul e
Ceres ao norte, definidos por Almeida (1981). O Lineamento Transbrasiliano (Schobbenhaus
et al.1975), corresponde a um cinturão de faixas de cisalhamento com extensão
transgondwânica (ver Cap.2) que se dispõe paralelamente a oeste do cinturão
granulítico Ceres e incorpora,também, uma faixa granulítica a NW de Porangatu.
Os lineamentos foto-interpretados (mapa regional)
são balisados por níveis de metassedimentos, destacando-se níveis de quartzitos dos
grupos Araxá, Canastra, Araí e Paranoá, por foliações de rochas gnaissificadas e
milonitizadas da infraestrutura e por planos de falhas e fraturas diversas.
As faixas granulíticas estão inseridas em blocos
crustais delimitados por importantes falhas (Figura
4-1) que truncam e defletem lineamentos direcionais. Estes blocos apresentam
larguras aproximadas de 80km em NE-SW ao norte e de 100km em NW-SE ao sul. A idade de ~2,1
Ba. para o Granito Pau de Mel (Pimentel et al,1993) alojado no bloco ao norte indica que
os terrenos que compõem estes blocos foram gerados ou retrabalhados no Ciclo
Transamazônico. Os mapas de anomalia Bouguer (figuras 2-3;4-2)
mostram que estes blocos estão separados por gradientes gravimétricos mais acentuados.
As zonas de maior gradiente estão posicionadas sobre as faixas granulitizadas e
correspondem a suturas colisionais (Marangoni,1994), onde se tem falhas inversas com
mergulhos para WNW, ao norte, e para WSW, ao sul. Algumas falhas como, por exemplo, às
localizadas a oeste dos complexos Cana Brava (ver mapa regional- Anexo) e Niquelândia,
mergulham no sentido contrário e, provavelmente, originaram-se por retro-empurrões com
estruturação pop up e/ou rebotes lístricos da tectônica compressional que
alçou os blocos com granulitos.
A leste do alinhamento de forte contraste
gravimétrico, há grande espessamento crustal (Assumpção et al.,1985; Marangoni, 1994),
com a flexura de embasamento gnáissico sobreposto por expressivo capeamento
metassedimentar. A oeste desses blocos, estão os terrenos granito-greenstone
arqueanos, em uma região mais central, e terrenos de acresção neoproterozóica (arcos
de ilha e suas raízes) ao norte (região de Mara Rosa, Porangatu) e ao sul (região de
Jaupaci, Arenópolis..). Terrenos vulcano-sedimentares de acresção paleoproterozóica
(região de Mossâmedes) são envolvidos entre blocos arqueanos e neoproterozóicos no SW
da área. Capeamentos de coberturas meso e neoproterozóicas, geralmente descolados,
ocorrem por toda a região, principalmente como estruturas sinclinoriais entre blocos
crustais alçados.
Outros lineamentos tectono-estruturais, além dos
NW-SE e NE-SW, ocorrem na área, destacando-se os E-W e os N-S que podem apresentar-se em
zig-zag dentro do trend regional. Os lineamentos preferenciais E-W são
verificados, por exemplo, junto a inflexões estruturais como na Serra dos Pireneus, na
Serra Dourada a N de Mossâmedes e em outros lugares, como na região entre Piracanjuba e
Pontalina. Várias regiões apresentam lineamentos em N-S. As direções estruturais na
Serra de Canabrava, ao norte da área, por exemplo, são praticamente meridianas. Assim,
também, na região de Pontalina, ao sul da área, as direções relacionadas com falhas
de empurrão tem direção NS a NNW-SSE. Mas é principalmente junto dos terrenos
neoproterozóicos, no SW da área mapeada, com os importantes lineamentos São Luis de
Montes Belos e Fazenda Nova, onde falhas direcionais dispõem-se em rabo de cavalo,
que a direção NS, além de conspícua, retrata suturas crustais importantes indicadas
pelos rosários de corpos alpinos que ocorrem paralelamente a estes lineamentos
(ver mapa regional) com terrenos arqueanos ao norte (embasamento do greenstone belt)
e transamazônicos (sequência Mossâ-medes e sua infraestrutura gnáissico-migmatítica)
ao sul.
Na porção ocidental da área detalhada (ver Mapa
Geológico), ocorre o domínio dos terrenos supracrustais, compondo estrutura sinclinorial
compartimentada por falhas NNW-SSE. Propõe-se denominar Lineamento Serra da Gibóia a
esta faixa de fragilidade crustal com orientação NNW-SSE e que passa a leste de Anicuns
e na Serra da Gibóia ao sul, fora da área detalhada. Ela corresponde, grosso modo, ao
prolongamento sudeste da zona falhada que limita o greenstone belt de Goiás. É
possível que os terrenos de infraestrutura a oeste do Lineamento Serra da Gibóia
correspondam a terrenos acrescionados em tempos transamazônicos junto a bordas
cratônicas arqueanas, visto serem representados por gnaisses com relictos de rochas
cálciossilicáticas e máficas que poderiam representar fácies internos, migmatizados da
Sequência Mossâmedes que ocorre ao lado. Estes terrenos, sem dúvida, foram
retrabalhados no Ciclo Brasiliano (borda continental) com granitogênese importante.
As rochas dos lineamentos miloníticos da zona de
sutura associada aos complexos máfico-ultramáficos granulitizados e que foi determinada
por Marangoni (1994) têm assinatura isotópica brasiliana como visto no Capítulo 2.
Entretanto, esta sutura crustal é mais antiga. Ela é, no mínimo, uruaçuana, vistas as
idades (~1,58 a 1,73 Ba.) determinadas por Ferreira et al. (1992a,1994a) e Suita et al.
(1994) para as rochas dos complexos Niquelândia e Barro Alto que estão, como Cana Brava,
sediadas ao longo desta zona de fraqueza crustal. A ocorrência das sequências
vulcano-sedimentares sistematicamente posicionadas a oeste desta sutura e a natureza
faciológica de seus meta-basaltos e rochas afins indicam a formação de crosta
oceânica, provavelmente em bacias restritas (assinaturas geoquímicas são de back arc
- ver Cap. 2 e 6).
A leste desta sutura, o Grupo Araí, na sua área
tipo, estende-se em direção E-W, direção do provável trend estrutural do rift
paleo-mesoproterozóico, sob dobras N-S das deformações brasilianas superimpostas.
Esta direção E-W, transversal à da sutura onde ocorrem os complexos granulitizados,
está retratada no mapa de anomalia Bouguer de Haralyi & Hasui (1981) na forma de um
alto gravimétrico em WNW-ESE (Figura 4-2
A), deslocado cerca de 40 km para o norte da zona de ocorrências mais
expressivas do Grupo Araí. A interpretação destes fatos é de que este rift
Araí correspondia, provavelmente, a aulacógeno com abertura para a bacia oceânica
restrita das sequências vulcano-sedimentares a oeste (Figura 4-2B). O alto gravimétrico pode ser
interpretado, segundo o quadro proposto, como uma elevação da litosfera mantélica nas
raízes de falhamentos lístricos do rifteamento. Tais falhas profundas poderiam,
também, ter sido retomadas nas fases extensionais e compressivas da Orogênese Brasiliana
mas como rampas e zonas de transcorrência porque o padrão estrutural é o de dobras em
N-S coerente com a vergência orogênica dominante para leste.
No mesmo paralelo do rift Araí, ~50 km a
leste, ocorre a Sequência São Domingos estruturada em graben de orientação E-W
e com associação litológica um pouco mais imatura mas que lembra a do Grupo Araí
(meta-vulcânicas ácidas e máficas associadas com filitos e grauvacas, granitos e
pegmatitos estaníferos) sob a cobertura do Bambuí cratônico. Esta correlação
implicaria em fase compressional uruaçuana (?) no graben São Domingos antes da
deposição do Grupo Bambuí. Coincidentemente, 250 km a leste, no mesmo paralelo, o
embasamento está altimetricamente elevado no Bambuí cratônico (região de
Correntina,Bahia) e, mais a leste ainda, no domínio do Grupo Espinhaço, tem-se riolitos
e granitos subvulcânicos estaníferos de magmatismo análogo e sincrônico ao do Grupo
Araí nas porções basais do aulacógeno da Chapada Diamantina (região da sinclinal de
Água Quente, Paramirim, Bahia), sugerindo uma estrutura termo-tectônica de grande
extensão, hoje em E-W, desenvolvida há cerca de 1.800 Ma. em continente
paleoproterozóico.
Os lineamentos NE-SW e NW-SE, alem de determinarem
a organização estrutural maior, paralelamente aos limites dos cinturões granulíticos,
ocorrem por toda a região central do Brasil e cortam-se sub-perpendicularmente em vários
locais (Figura 4-1).
Correspondem, em grande parte, a falhas transcorrentes profundas o que é evidenciado pela
extraordinária continuidade, conforme vários modelos tectono-estruturais (e.g. Vendeville
et al., 1987), e pela grande extensão destas falhas, independentemente dos terrenos que
cortam, sejam de supra sejam de infra-estrutura. Metassedimentos tanto são truncados
quanto virgam e amoldam-se próximos aos cruzamentos das falhas, indicando
retrabalhamentos e interação das mesmas em várias épocas. Em decorrência, o quadro
tectono-estrutural regional mostra blocos crustais em um padrão quase ortogonal,
verificando-se transcorrências dextrógiras nas falhas NE-SW e levógiras nas falhas
NW-SE e falhas inversas com mergulhos médios para os quadrantes oeste. Isto mostra uma
tensão média crustal orientada em EW aproximadamente e vergências para E. Estes
lineamentos mais discretos truncando subperpendicularmente o outro sistema mais
penetrativo corresponde ao que Marini et al.(1984b) chamaram de Lineamento Transversal
Goiano. A transcorrência diferencial entre blocos laterais, em um esquema semelhante ao
da Figura 2-2, provavelmente
alterou o vetor de vergência regional com transferências e escapes em rampas frontais
sub-perpendiculares ao deslocamento dos blocos transcorrentes, produzindo falhas inversas
e dobras em bainha. Este esquema geral é coerente com frequentes indicadores cinemáticos
(lineações minerais e de estiramento, rods de quartzo, dobras de arrasto,
vergências de dobras, atitudes de falhas..), que apontam vergência regional preferencial
para o rumo E a S80E. No foreland, a leste da área mapeada, esta vergência
produziu falhas de baixo ângulo nos grupos Paranoá e Bambuí e o cavalgamento destes
pelos grupos Canastra, Araí e Araxá e embasamento gnáissico nas imediações das zonas
de sutura junto dos complexos granulíticos.
Ao norte do paralelo 15o30S as
direções NE-SW virgam na forma de um gancho ou boumerang com a concavidade e
mergulhos para o N (na Serra dos Pireneus compõe a Mega-inflexão dos Pireneus de Araújo
Filho, 1980, 1981, 1992), e assumem direções até N75W com mergulhos fracos para NE mais
para W. O Complexo Barro Alto acompanha a virgação deste importante acidente
tectono-estrutural no bloco crustal ao norte (Figura
4-1). Ao sul, as direções NW-SE virgam no sentido contrário como
uma imagem em espelho das estruturas que ocorrem ao norte: os lineamentos NW-SE,
bem definidos pelos granulitos e diaftoritos associados da região de Anápolis e pelos
metassedimentos Araxá da Serra de Jaraguá, infletem para E-W ao N de Uruíta, junto de
Uruana, e daí para NE-SW ao longo da Serra do Altamiro que se prolonga com rumo S, pela
Serra Dourada.
As duas virgações compõem um feixe de
lineamentos tectono-estruturais que encontra-se nas proximidades da Cidade de Uruana.
Falhas de baixo ângulo nesta região indicam vergências de N para S, ao norte, e de S
para N ao sul da Megainflexão dos Pireneus (Fotos 18
a 22). A interação destes esforços está bem
registrada em padrões mesoscópicos e microscópicos de interferência estrutural com
vários sistemas de crenulações, identificando-se até 6 fases de deformação relativas
a quatro episódios deformativos na região dos Pireneus (Araújo Filho & Faria,1992;
Araújo Filho;1992). A ocorrência localizada de indicadores cinemáticos inversos em
planos de cisalhamento discretos, de baixo ângulo, associados e sub-paralelos a planos
miloníticos mais penetrativos, como pode ser visto, por exemplo, no embasamento junto à
terminação noroeste da Serra de Jaraguá, mostra que houve interação de falhas
inversas com vergência quase contrária nestas regiões estruturalmente complexas. A
disposição de lineamentos direcionais (estratigráficos e tectônicos) em
semi-círculos, com foliações apresentando mergulhos verticais a centrípetos sugere que
nestas regiões (aqui deve ser incluída também a região a sul da Serra Dourada/ leste
da falha Fazenda Nova) tenham ocorrido empilhamentos tectônicos significativos (extrusão
das nappes?) como oroclinais da colisão brasiliana e que foram abatidos (colapso)
em fase de rebote tectônico.
Os domos de Cristalina, Brasília, Caldas
Novas(?).. talvez estejam relacionados com a superposição e interferência de esforços,
pois situam-se em regiões de cruzamento de lineamentos tectônicos. A sudeste do Complexo
Niquelândia ocorrem lineamentos circulares nos metassedimentos Paranoá. Eles são pouco
conspícuos em imagem de satélite e truncam lineamentos direcionais em NE-SW, principais,
e NW-SE. É possível que em profundidade tenham-se estruturas dômicas do tipo dos
granitos Serra da Mesa ou estruturas tipo Domo de Cristalina. A deformação de falhas de
cavalgamento, como ocorre em Cristalina e Caldas Novas (Drake,1980), indica que a
formação destas estruturas ocorreu durante ou após evento da tectônica de nappes
de idade neoproteozóica. A elevação da infra-estrutura nestes locais poderia
estar associada:
1) a um evento extensional (E1 extensional de
Araújo Filho, 1992) com aumento de fluxo calórico crustal, estruturando-se complexos de
núcleos metamórficos com a infra-crosta dispondo-se em altos e baixos do embasamento
refletidos na supracrosta;
2) a zonas de transtensão nos cruzamentos de
falhas transcorrentes na infracrosta junto com mobilização de fluidos e palingênese
limitada, produzindo diapirismo restrito de massas gnáissicas da infraestrutura,
abobadando a supraestrutura;
3) a altos-fundos do embasamento.
Adicionalmente à hipótese 1, pode-se especular
se as estruturas dômicas, tanto às com núcleo granítico exposto quanto às com
capeamento sedimentar/metassedimentar, não são decorrentes de estiramento litosférico,
consequente à fase compressiva com duplicação crustal (tectônica de cavalgamentos)
propiciada pelas falhas inversas que elevaram a infracrosta granulitizada; com tal
estiramento ocorreriam gradientes geotérmicos mais fortes e suficientes para a
palingênese de zonas preferenciais (mais transtensionadas, quimicamente mais próximas do
eutético granítico e/ou com concentração de fluidos,...), principalmente da base da
crosta, ativando o diapirismo localizado de massas aquecidas e leves.
Dobras em bainha ocorrem ao longo da Serra dos
Pirineus onde se tem lineamentos direcionais quilométricos em E-W, que nascem de
lineamentos transversais, como os que envolvem o meta-granito estanífero Fazenda Raizama
na Serra do Quebra Rabicho e que se terminam em leques truncados a sul de Cocalzinho.
Estilo semelhante é verificado na região a SW de Piracanjuba. São mais um indicador da
importante movimentação de massa vergente para leste na Orogênese Brasiliana.
As regiões mais antigas do Maciço Mediano de
Goiás mostram direções em NW-SE (Goiás) a NNW-SSE, tendendo a N-S (Crixás-Hidrolina).
Estas direções apresentam-se, muitas vezes, transversais às direções regionais
registradas no Grupo Araxá e em falhas a ele associadas nesses locais. Entretanto, o
exame de estruturas menores indica que falhas inversas e direções de dobramentos de
deformações proterozóicas correspondem, em grande parte, às mesmas direções dos greenstone
belts. Um exemplo pode ser visto na estruturação da Serra da Cardosa, a W de
Itaberaí, onde o Grupo Araxá e o greenstone sotoposto têm direções
coincidentes e em continuação ao trend geral em N70W da calha de Goiás e com
vergência para o N. Assim, a imbricação tectônica por falhas inversas de rochas tidas
como do Grupo Araxá sob rochas do greenstone belt de Goiás indica que a
estruturação e metamorfismo deste foram realizados e/ou finalizados no Proterozóico.
O domo granito-gnáissico de Hidrolina apresenta
falhas e fraturas preenchidas por diques e sills máficos transformados em
anfibolitos (Danni et al.,1986). Dentre as falhas preenchidas destaca-se a denominada
Lineamento Taquaruçu em NW-SE e que é interrompida pelo stock diorítico de
Posselândia, datado por U-Pb em zircão com 2.146 +- 1,6 Ma (Pimentel et al.,1990), o que
garante que os terrenos granito-greenstone já estavam estabilizados no
Paleoproterozóico. Porém, este lineamento foi retomado até o Ciclo Brasiliano visto que
se estende, descontinuamente, por mais de 320 km, desde a cidade do Gama, DF, onde afeta
rochas do Grupo Paranoá, até 50 km a NW de Santa Terezinha, GO, onde se tem,
provavelmente, rochas geradas em arco de ilha durante o Neoproterozóico, conforme
Pimentel & Fuck (1992). Este lineamento trunca o Complexo Barro Alto na região em que
este virga de NNE-SSW para E-W; para SE, transversalmente às direções de dobramentos do
Grupo Araxá, êle corta ou pelo menos reflete-se em todas as unidades pré-cambrianas,
desde as de infra-estrutura arqueana a proterozóica até às da supra-estrutura
proterozóica.
Paralelos a esse lineamento ocorrem vários
outros, destacando-se os que passam nos limites dos terrenos granulíticos, segmentando os
complexos máfico-ultramáficos: a N e a S dos complexos Niquelândia e Barro Alto. O que
passa ao S do Complexo Barro Alto, junto das cidades de Uruana, Jaraguá, Abadiânia,
corresponde, com inflexões, também ao limite NE do Complexo Anápolis-Itauçu, sendo
que, na região de Abadiânia, êle balisa a zona de mélange (mélange
ofiolítica de Strieder, 1989) nos contatos do Grupo Araxá com rochas granulíticas e
granito-gnáissicas milonitizadas.
Entre o Lineamento Taquaruçu e este
(Uruana-Abadiânia) ocorre outro paralelo em NW-SE, não tão conspícuo em imagens de
satélite, que propiciou, na região de Santa Isabel, o encaixe ou engavetamento de cunha
granito-gnáissica, com cerca de 15 x 5 km em NW-SE, dentro de granulitos anfibolitizados
e milonitizados do Complexo de Barro Alto, envolvendo também xistos Araxá. Junto ao seu
prolongamento para SE, dentro dos xistos e quartzitos do Grupo Araxá, são encontrados
pequenos corpos alpinos, principalmente próximos às interseções com falhamentos NE-SW,
e que são indicativos de importantes descontinuidades crustais.
As bordas da Bacia do Paraná foram afetadas por
falhamentos que retomaram esses antigos planos tectônicos pré-cambrianos, conforme
registrado no S e SW do mapa regional foto-interpretado.
4.2. GEOLOGIA ESTRUTURAL DA ÁREA DETALHADA
Na área detalhada o padrão de lineamentos
tectônicos é semelhante ao verificado em nível regional, com o entre-cruzamento de
falhas transcorrentes NW-SE levógiras e NE-SW dextrógiras. Falhas com direções mais
próximas de N-S e de E-W seguem, com algumas exceções, esta tendência de rejeitos.
Cerca de 5km a E de Americano do Brasil, as duas direções se cruzam e o seu estudo
fotogeológico indica que ocorreu interação entre os dois sistemas de falhamentos.
Falhas inversas mostram lineações de estiramento mineral e esteiras cataclásticas em
N70W, apontando vergência para ESE.
A oeste tem-se o Lineamento Serra da Gibóia, onde
ficaram preservados extensivamente terrenos supracrustais de várias idades. Os terrenos greenstone
e gnáissicos associados nesta faixa apresentam estilos deformacionais influenciados
pelas transcorrências, sendo comuns a milonitização e as lineações direcionais com
dobras transpostas e sem raízes.
Esta faixa de fraqueza crustal serviu, também,
para alojar stocks e batolitos da Supersuíte Plutônica Americano do Brasil. Essas
intrusões além de alojaram-se, preferencialmente, ao longo das zonas de fraqueza, foram,
também, afetadas pelos falhamentos cujas condições termodinâmicas variaram da fácies
anfibolito a xisto verde, com eventos alternados de milonitização e blastese. Isto
indica uma evolução desta faixa tectonizada em pulsos, com eventos extensionais (eventos
de intrusão) e compressionais (eventos de milonitização) alternados, e que remonta,
talvez, a épocas arqueanas, dada a extensão deste lineamento tectônico até os limites
falhados da calha do greenstone belt de Goiás a NW, fora da área.
Metassedimentos de trend sub-horizontal,
correlacionados com o Grupo Araxá (Serra Dourada), que ocorrem junto de Americano do
Brasil apresentam xistosidade Sn transposta, filonitizada (fácies mil folhas) e
crenulada em duas fases, com dobramentos suaves associados, em uma sucessão que indica
pelo menos 4 fases de deformação.
As foliações (Sn) mostram tendência de
mergulhos para os quadrantes W, com duas concentrações de polos: N40W45SW e N40E15NW (Figura 4-3A). As lineações de
estiramento (Figura 4-3B)
têm caimento fraco para NW e WNW em dip slope nas foliações NE e direcionais a
oblíquas nas NW, com indicadores cinemáticos de transporte para ESE, coerentes com as
falhas inversas mapeadas a S e SW de Araçu (canto SE do mapa geológico).
As rochas da infra-estrutura (granulitos, gnaisses
diversos, anfibolitos, migmatitos..) apresentam, comumente, foliação
gnáissico-milonítica penetrativa, com augen, lineações minerais e/ou com
esteiras cataclásticas e vestígios de fases de deformações anteriores em microlitons e
bengalas de transposição. As paragêneses e texturas relacionadas com este metamorfismo
dinâmico registram eventos alternados de cominuição e blastese de minerais em
condições variando do fácies anfibolito a xisto verde e com reologia fortemente
dependente do grau de hidratação das rochas.
A zona central da área corresponde a um bloco de
terrenos granulíticos (Bloco Capelinha; ver Cap.3), limitado por falhas com milonitos e
ultramilonitos e que se estrutura em antiforme irregular, com eixo principal orientado em
N75-80W ocupado pelos corpos máfico-ultramáficos de Água Clara e associados (Figura 3-1). As foliações,
fora das zonas de transcorrências, apresentam mergulhos geralmente fracos. Este bloco
está separado dos demais terrenos granulíticos do Complexo Anápolis-Itauçu que se
desenvolve a leste desta área por terrenos gnáissico-migmatíticos e anfibolíticos
polifásicos com restos de supracrustais (calcissilicatadas, metachert..) e
meta-plutônicas (gnaisses e anfibolitos) derivados, certamente, de mais de um evento
magmático com indicações de fases pós-granulíticas (ver Cap. 2).
O Bloco Capelinha corresponde a uma elevação
crustal, enquanto que os terrenos anfibolíticos correspondem a abatimentos crustais
lístricos e/ ou fatias cavalgadas/ cavalgantes (lascas de empurrão) de tectonismo
tangencial com indicadores cinemáticos como os da Figura
4-4. Esta tectônica envolveu, a SE, fora da área, o Complexo
Gabro-anortosítico de Santa Bárbara e o Grupo Araxá (Silva,1991) e, a SW e S, as rochas
supracrustais do greenstone belt (Foto 35).
A ocorrência de meta-peridotito recristalizado na fácies granulito (opx e ol com
junções tríplices) e fortemente tectonizado em fácies anfibolito/xisto verde junto de
Avelinópolis em plano de falha deste cavalgamento para sudeste merece mais estudos para
verificar se não se trata de corpo alpino indicador de sutura crustal importante. A
vergência deste tectonismo talvez tenha sido condicionada pelos movimentos transcorrentes
ao longo das falhas NNW-SSE. Localizadamente, como por exemplo junto ao Complexo Santa
Bárbara, em anfibolitos (metagabros) na Faz. Santa Terezinha (ponto 2MW456) e 4 km a NE
de Avelinópolis (Figura 4-5)
os indicadores cinemáticos atestam movimentos contrários ao esperado, sugerindo rebote
do tectonismo compressional, com falhamentos lístricos talvez aproveitando os planos de
empurrão.
Próximo ao contato com as rochas do greenstone
belt a oeste, o Bloco Capelinha apresenta, localmente, estruturas S-C com indicador
cinemático de overthrust de W para E (Figura
4-6). Como o bloco Capelinha, granulitizado, atingiu níveis crustais mais
profundos do que o bloco a oeste, com supracrustais na fácies epidoto-anfibolito, esta
movimentação provavelmente deve ter se dado por uma retomada de falhas de gravidade
durante a fase compressiva.
A ocorrência de complexos máfico-ultramáficos
de maior porte ao norte da Mega-inflexão dos Pireneus com relação aos corpos
máfico-ultramáficos ao sul provavelmente está relacionada, atendendo modelo de Kusznir
& Park, 1987, a diferentes taxas de deformação crustal durante a fase rift :
ao N, a deformação mais rápida levaria à formação de sistemas mais estreitos, com
maior ascensão astenosférica, propiciando maior volume de magmatismo sub-crustal,
enquanto que no Complexo Anápolis-Itauçu o rift estender-se-ia por faixa ampla,
conforme a Figura 4-7.
Dentro desta possibilidade, aventa-se, ainda, a
hipótese de que o rift junto aos complexos máfico-ultramáficos poderia ter
evoluído para margens continentais passivas com vulcanismo associado, à semelhança do
que ocorreu durante o rifteamento do Atlântico Norte (e.g.Mutter et al, 1988;
White & McKenzie,1989; Zehnder et al,1990), quando se deram importantes acresções de
magmatismo infracrustal (underplating) sob a crosta siálica de transição e com
efusão basáltica na forma de sills, diques e derrames na plataforma continental das
costas da Noruega -Escócia-Irlanda de um lado e da Groenlândia do outro lado do Rift
Atlântico. Neste modelo as sequências vulcano-sedimentares associadas aos complexos
poderiam representar os registros da existência de mar aberto lateralmente, ou seja,
seriam de mesma idade que os complexos.
Já o rifteamento ao sul, no Complexo
Anápolis-Itauçu, poderia ser do tipo Golfo de Biscaya, não vulcânico, com ampla
plataforma estabelecida sobre crosta continental lentamente estirada e com pouco
magmatismo associado ao rifteamento. Alternativamente, o rifteamento deste
complexo poderia ser essencialmente intra-continental, sem desenvolver crosta oceânica.
A continuidade das linhas de fraqueza por até
centenas de quilômetros (Figura 4-1),
cortando transversalmente as zonas de suturas crustais e afetando de forma variável a
supraestrutura representada por metassedimentos Paranoá, indica que a tectônica atuante
foi brasiliana a pós brasiliana. Entretanto, em algumas dessas linhas de fraqueza, como a
do Lineamento Taquaruçu, se tem indicação de origem paleoproterozóica ou mais antiga
(Pimentel et. al,1990), talvez arqueana.
Duas possibilidades imediatas são visualizadas
para explicar este fato:
1) a natureza continental permaneceu durante a
evolução crustal do Arqueano até o Neoproterozóico com bacias intra-siálicas;
2) as zonas de fraqueza foram reaproveitadas
transversalmente às bacias oceânicas como sistema secundário de falhas de rasgamento.
Estas falhas transversais teriam evoluído para transformantes nos rifts oceânicos durante a fase extensional, à semelhanca do verificado no Gabão (Edwards & Santogrossi,1989). A subducção da placa oceânica marcaria zonas colisionais variáveis em tectonismo e magmatismo, de acordo com suas características litológicas e térmicas, semelhante à segmentação da Cordilheira Andina estudada por vários autores, como Frutos (1980). Isto delinenaria no bloco continental subductado as linhas das falhas transformantes que, com o fechamento oceânico, constituir-se-iam em falhas de transferência acopladas ou continuadas de sistemas mais antigos.